Artistas relatam dificuldades em tempos de pandemia

Com shows e trabalhos cancelados, profissionais buscam alternativas para gerar renda e interagir com o público durante o período

Thaís Lauck
Redação Beta
6 min readMay 7, 2020

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A vida dos artistas, agora, mais parece uma corda bamba. Diante da pandemia, a classe artística se vê refém da situação, uma vez que os profissionais dependem de público para que suas apresentações ocorram. Isso esbarra, justamente, em uma das principais medidas preventivas adotadas pelos governos no enfrentamento à Covid-19, que é a de evitar aglomerações.

Longe dos palcos e das salas de aula, a atriz e professora de teatro Thaís Backes Klein teve pelo menos cinco trabalhos cancelados desde o início da pandemia. Atuando também como chefe do Departamento de Cultura de Dois Irmãos, ela buscou alternativas para manter a proximidade com o público e os alunos.

Atriz e professora de teatro, Thaís teve trabalhos cancelados em virtude da pandemia (Foto: Vergílio Lopes)

Diante do cenário atual, as plataformas digitais se tornaram o elo entre a artista e os espectadores. “Iniciei um processo mais ativo como atriz, através de vídeos lançados nas minhas redes sociais. Estou produzindo esses conteúdos para divertir as pessoas que estão em casa, em isolamento social. Ao longo dessas produções, também abordei informações importantes em relação ao que está acontecendo no mundo”, conta Thaís, que também diverte as crianças com contação de histórias e brincadeiras. “Foi a maneira que encontrei de manter o vínculo com os alunos e amenizar um pouco da saudade de estar com eles em sala de aula”, diz ela, dando a dimensão do que significa, como professora de teatro, estar longe dos seus grupos. “Ficar sem dar aula é um vazio, um silêncio para o coração, pois a troca de energia com o teatro, como professora e atriz, são incríveis. Com certeza, falta essa troca para me sentir uma profissional completa de novo; isso faz parte de mim”, relata.

Leofrida, personagem criado por Thaís, faz rir, mas também chama a atenção para cuidados durante pandemia (Foto: Arquivo Pessoal)

Elogiados pelo público, os vídeos trouxeram retorno financeiro para a atriz. “Uma marca de roupa me contratou; fiz os vídeos sem essa pretensão e acabou que surgiu a oportunidade. Acredito que se houver dedicação e interesse, há diversas formas de ganhar uma verba produzindo arte neste momento, inclusive há editais abertos para criação de materiais virtuais”, finaliza.

Escola de dança com matriz em Novo Hamburgo, a Mega Dance School também é afetada pelos reflexos do coronavírus. “Há consequências abruptas, pois todos estão revendo seus custos. Nossa área está ligada ao lazer, o que faz com que seja a primeira a ser, entre aspas, cortada. Somos, além de uma escola, um grupo de professores que vive da dança, e isso é muito difícil de lidar”, destaca o professor, coreógrafo e diretor da Mega, Jonatan Veloso. “Além disso, somos tomados pela tristeza, por não podermos estar juntos, por termos que adiar projetos e apresentações. A troca de energia faz muita falta, pois a dança é a união, a troca, a liberdade e o amor que transcendem através dos passos e da música”, completa.

Proprietários da Mega, Luísa e Jonatan falam sobre os desafios durante a pandemia (Foto: Paulo Oliveira Fotografia)

O sentimento de saudade se espalha entre os dançarinos. A esposa de Jonatan, Luísa Fischer Veloso, lamenta não poder subir ao palco. “É um vazio difícil de explicar. Estar no palco significa mostrar a quem amamos o nosso esforço, o resultado de muito trabalho e amor. Mais do que o palco, o que nos faz falta é estar na sala, com a nossa “Mega família”; abraçar, ser desafiada nas coreografias, vibrar com os acertos”, relata Luísa.

Atualmente, a Mega tem filial em Dois Irmãos, somando, no total, uma equipe de 13 colaboradores. Diante da situação, a saúde financeira da escola também ficou ameaçada, exigindo que a equipe unisse forças e buscasse novas maneiras de atrair e compartilhar a arte da dança com os cerca de 200 alunos. “Rapidamente, pensamos no projeto de aulas online, através de lives. Fizemos isso com o objetivo de não parar, de conseguir manter ativa a dança; tudo isso pensando em gerar algum ganho para os professores e manter a escola”, comenta Jonatan, afirmando que a ideia deu certo. “No mês de abril conseguimos gerar renda; menos da metade do comum da escola, mas ajudou. Vamos tentar manter em maio, torcendo para que os alunos que adquiriram o pacote online em abril renovem este mês”, completa.

Escola de dança em apresentação no Teatro Feevale, em Novo Hamburgo (Foto: Paulo Oliveira Fotografia)

Banda teve shows cancelados

Bandas da região também tentam contornar a situação. “Nosso último trabalho foi em março. Foi um evento particular, cheio de energia e que deixou muita saudade”, lembra a vocalista da Banda Only One, Patrícia Braun. De acordo com ela, diversos trabalhos foram cancelados depois disso, entre eles, shows em festas populares como a 23ª Kartoffelfest, tradicional festa da batata de Santa Maria do Herval; e a Festa do Trabalhador, em Dois Irmãos.

Formada também por Adriano Görgen (vocal), Rafael Braun (guitarra), Jair Tossin (baixo), Júlio Capeletti (bateria) e Samuel Görgen (teclado), a banda, que traz em seu repertório clássicos dos anos 80 até músicas atuais, está planejando uma live acústica para matar a saudade do público e também se empenhando em outras tarefas, para voltar aos palcos assim que tudo passar. “Estamos trabalhando bastante com gravação em estúdio e produzindo um clipe”, revela Patrícia, ansiosa pelo retorno dos eventos. “A energia do palco faz muita falta. Dá saudade de compartilhar nossa música e alegria com as pessoas”, afirma.

Banda Only One teve shows e eventos particulares cancelados nos últimos meses (Foto: Mariana Stoffel)

Segundo Patrícia, nenhum dos integrantes vive exclusivamente da música, o que ameniza o impacto financeiro causado pelo cancelamento dos eventos. “Todos temos outros empregos. A música é trabalho, sim, mas também é lazer”, diz ela.

Produtora avalia cenário

Trabalhando como produtora cultural há 20 anos, Cláudia Kunst destaca que o setor foi o primeiro a parar e será o último a retornar, uma vez que demanda, justamente, da aglomeração de pessoas. “A área cultural lida com entretenimento, então, obviamente será o último setor da cadeia econômica no Brasil e no mundo a voltar à real atividade”, comenta Cláudia.

De acordo com a produtora, o momento exige mudanças. “A gente, que trabalha com arte e produção cultural, precisa ser criativo e achar soluções; acho que isso se aplica a todos os setores, mas a área artística, especialmente, precisa se moldar um pouco”, diz ela, afirmando que é preciso fugir do convencional. “Nossa área está tendo que se renovar, tendo que se adaptar em vários aspectos, especialmente na internet”, conta, citando o exemplo das lives, que se tornaram muito comuns durante o período de isolamento social. “Eu mesma estou fazendo algumas entrevistas com parceiros, colegas de trabalho. Tenho o projeto Metal Sul, onde entrevisto artistas, justamente para que não caiam no esquecimento, já que estão parados em razão da pandemia”, completa.

Cláudia afirma que momento é de planejamento e organização (Foto: Milena Soares)

Cláudia comenta também sobre os reflexos no seu próprio dia a dia. “Estou planejando, fazendo projetos, pensando em alternativas para lidar com essa situação, porque, obviamente, financeiramente falando, fui impactada diretamente por tudo isso”, diz ela, acreditando que essa seja uma das saídas mais interessantes nesse momento. “A grande sacada, virada, será justamente essa; quem for criativo, quem planejar, se organizar, se adaptar, terá um fluxo um pouco mais tranquilo na retomada da economia”, reforça, contando que muitas das bandas com as quais trabalha estão fazendo justamente isso. “Estão planejando, escrevendo música, compondo, ou seja, não estão criativamente paradas nesse momento”, finaliza.

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