As estratégias, o modelo de negócio e a Vaza Jato: como funciona o Intercept Brasil

Conheça os bastidores do site que ganhou destaque no noticiário político do país

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Redação Beta
7 min readSep 3, 2019

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Portal de notícias alcançou projeção nacional no noticiário político brasileiro (Imagem: Intercept Brasil/Divulgação)

2 de agosto de 2016. Uma data solta no segundo semestre, que talvez não chama a atenção num primeiro momento, mas que pode ter sido um marco no jornalismo brasileiro. Para muita gente, o primeiro contato foi agora, em junho, mais especificamente no dia 9. Ou ainda nas inúmeras reportagens apresentadas nas páginas da Veja, da Folha de São Paulo, nas telas do site UOL, nos microfones da Band News FM ou em qualquer outro meio de comunicação em terras brasileiras. O dia mencionado no início dessa matéria marca a chegada do Intercept no país.

O veículo, que tem sua principal raiz em território norte-americano, viu sua filial ser responsável por inúmeras denúncias de irregularidades na operação Lava Jato nos últimos meses, recebendo a alcunha em homenagem ao sistema que remodelou o cenário do principal país da América do Sul em poucos anos. Assombrou políticos e impulsionou a carreira de pessoas sem tanta visibilidade. Defendida por muitos, questionada por tantos, a série de fatos apresentados pela Vaza Jato ganhou notoriedade por relatar os bastidores do escândalo nacional.

Por conta dessa importância, a Unisinos, através da disciplina de Beta Política, proporcionou a alguns universitários uma conversa por videoconferência com Marianna Araújo, que integra o projeto. A jornalista é diretora de comunicação do Intercept Brasil, função responsável por englobar o departamento audiovisual, redes sociais e assessoria de imprensa do veículo. Ela foi a primeira de uma sequência de relatos que a faculdade apresentará para a comunidade acadêmica em assuntos ligados ao portal. Em setembro será a vez de Alexandre de Santi e, em outubro, Leandro Demori.

Sistemática do site

Diferentemente dos portais mais tradicionais do Brasil, o Intercept tem uma proposta diferenciada. Primeiro, no modelo de negócio. Segundo Marianna Araújo, o conceito é o mesmo apresentado nos Estados Unidos e que vem sendo desenvolvido desde 2014. Não há anúncios, não há patrocinadores, não há mecenas. Toda a receita vem de meios colaborativos.

— A gente viu que a audiência brasileira estava ávida por esse modelo de negócio, que não é comum aqui no Brasil. Tem muito espaço para crescer — avalia.

Não tendo ligação com grandes marcas, assim evita o famoso “rabo preso”. Outro ponto é a ausência de conglomerados jornalísticos por trás da estrutura, tal condição, no entendimento da jornalista, agrada o leitor.

— Esse leitor tem interesse que esse veículo continue aberto, que continue fazendo um jornalismo engajado, não politicamente, mas um veículo que se posicione em algumas questões — responde.

Todos esses motivos foram determinantes para Marianna decidir se juntar à ideia do Intercept. Para ela, o que é feito no portal, faz parte de uma “nova forma de fazer jornalismo” no nosso país. Ela entrou no projeto em virtude da cobertura da eleição de 2018, quando foi feito um “trabalho diferenciado, mais qualificado: problemática das eleições, não só no âmbito presidencial”.

Na ocasião, por conta do orçamento pequeno (os recursos são liberados a partir da matriz norte-americana), foi necessário superar uma série de limitações. Foi proposto um financiamento coletivo para bancar uma cobertura. Num primeiro momento, seriam necessários R$ 90 mil. Ao término da campanha, foram arrecadados R$ 120 mil, naquela que, segundo a colaboradora, foi “considerada a maior campanha de jornalismo online até o ano passado”.

Segundo Marianna, essa campanha, além de outras inúmeras ações, traçam o perfil do leitor do Intercept. “Jovem de 18 a 30 anos. Ligado à internet. Quer uma linguagem diferente, mais simples. Que seja explicativa. É um leitor engajado”.

Os números comprovam tal relacionamento entre produto e consumidor. Atualmente, são 11 mil financiadores, gerando uma receita mensal de R$ 300 mil sem o sistema Pay Wall, quando é necessário pagar uma assinatura para ter acesso ao conteúdo. No portal, basta assinar a newsletter para receber as atualizações por e-mail. Claro, tudo foi impulsionado a partir do episódio da Vaza Jato, situação reconhecida pela jornalista, mas que destaca o modelo de abordagem que provoca esse engajamento todo:

— Claro que é diferente quando você pega uma cobertura dessa magnitude, com interesse público tão grande, que mexe com o coração da política num país que está em crise política e econômica desde 2015. Claro que tem uma sensibilidade e uma grandeza específica na cobertura da Vaza Jato, que não dá para comparar ao que a gente fez até hoje. Mas tudo é muito próximo ao que já operamos há algum tempo — explica.

A Vaza Jato

De forma simples, explicativa e direta, logo na abertura de série de reportagens, que brotaram as articulações que nortearam todo o comando da operação Lava Jato e que resultaram em acontecimentos determinantes na sociedade brasileira. O conteúdo disparado tinha a intenção de apenas trazer o que tem interesse público e não repassar assuntos particulares dos envolvidos. Tal condição logo foi exemplificada pelos responsáveis pelo Intercept.

Na reportagem inicial, publicada em 9 de junho deste ano, a manchete trazia apenas uma palavra, “mafiosos!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!”. O subtítulo, um pouco mais aprofundado, já preanunciava o que seria abordado. “Procuradores da Lava Jato tramaram em segredo para impedir entrevista de Lula antes das eleições por medo de que ajudasse a ‘eleger o Haddad’”.

Mesmo com todo esse conteúdo, há um reconhecimento do veículo de que nem tudo feito é ilegítimo. “É claro que o Intercept apoia o combate à corrupção, assim como várias coisas que a Lava Jato fez”, admite Marianna. A grande questão está na forma que alguns pontos foram traçados pela força-tarefa dos procuradores: “Muita das ações foram feitas com impropriedades”.

São mais de 20 reportagens publicadas pelo portal somente sobre a popularmente conhecida Vaza Jato. A alcunha foi estrategicamente pensada na redação projetando os critérios jornalísticos, mas também considerando a divulgação. O “apelido” pegou. Tal propagação é justificada pela jornalista pela estratégia de newsletter, que causa uma “repercussão ótima, com tráfego altíssimo, tendo um retorno maior do que o Facebook”.

Com tanta exposição, segundo Marianna, “qualquer coisa da Vaza Jato chega em dezenas de milhares de visualizações”. Há muitas pessoas incomodadas com a divulgação das reportagens, com a redação sofrendo ataques e reclamações de contrários aos conteúdos.

— O Glenn foi ameaçado de prisão publicamente. Isso é um absurdo. Um jornalista que noticia, não tem nada com a obtenção do material.

A defesa dos jornalistas é clara: “o interesse ideológico da Vaza Jato independe de ideologia”. Por conta desse pensamento, a apuração ganhou ares maiores e passou a contar com reforços de outras redações.

Parceria entre concorrentes

Não bastasse as revelações proporcionadas, a Vaza Jato tem apresentado um fato raro no jornalismo brasileiro: compartilhamento na apuração. Depois das primeiras reportagens, muitos veículos passaram a fazer parceria com o Intercept para revelar os bastidores da operação Lava Jato.

— A parceria, em grandes coberturas internacionais, é chamada de consórcio — revela.

Raramente vista no Brasil, a união foi incentivada pelo Intercept norte-americano. Para Marianna, a justificativa era simples: “quando o volume da informação apurada é maior que a capacidade, não tem condição do Intercept apurar aquilo sozinho, é muito melhor para a sociedade que tenha mais gente apurando porque você apressa a cobertura”.

Logo foram se juntando veículos tidos como tradicionais e que são mais reconhecidos pelo povo brasileiro, como a revista Veja, o jornal Folha de São Paulo e a rádio Band News FM. Segundo a diretora de comunicação, esse furo de reportagem “qualquer jornalista, qualquer redação tem interesse em dar”.

Ela salienta que o posicionamento da Veja, sempre favorável à operação Lava Jato e que seguiria tendo esse comportamento, fez um editorial em suas páginas revelando que houve irregularidades nos processos legais.

Esse bloco de checagem funciona da seguinte forma, de acordo com a jornalista: após firmado o acerto na apuração, os jornalistas dos outros veículos vão até a redação do portal e, em conjunto com os profissionais da casa, verificam os fatos. O acesso é livre e de forma igualitária para quem faz parte do projeto, mas por questões de “segurança dos arquivos”, só tem a liberação na sede do site.

Toda essa mobilização tem um motivo. Unir forças para a divulgação dos fatos à sociedade brasileira.

Futuro do Intercept

Como qualquer outro veículo de comunicação, o Intercept Brasil está em mutação. O carro-chefe pode mudar dependendo da pauta. Porém, há uma certeza que a fonte à disposição da Vaza Jato, que é guardada sob sigilo, ainda pode render muitas revelações sobre a política do país. A diretora de comunicação sabe que muitas pessoas especulam sobre um possível documentário desta cobertura. Ela não descarta a possibilidade, “não está em andamento, mas deve acontecer”.

Nesta linha, com a arrecadação em ascensão, mais colaboradores e coberturas diferentes, antes impedidas por falta de recursos, são possibilitadas. A aposta é seguir uma linha diferente de veículos tradicionais, com conteúdo pensado em redes sociais e pautas que mesclem audiovisual e conteúdo com a cara do portal, “pautas são pensadas mais livres pela grana que está entrando”.

A meta defendida por quem conduz o projeto é seguir fazendo um “jornalismo mais ousado, arrojado e menos careta”. Por mais que o jornalismo siga mudando e surjam outras opções similares, ela garante que o modelo seguirá sendo executado: “quanto mais veículos fazendo coisas criativas, mais o Intercept se motiva”.

Engana-se que o site vive apenas do conteúdo da Vaza Jato. Outro ponto enaltecido pela diretora é a editoria Vozes. Neste espaço, personagens contam “em primeira pessoa” suas histórias e pontos de vida na sociedade brasileira.

Desta forma, com denúncias, reportagens diferentes e foco em plataformas digitais que o Intercept se afirma no cotidiano do cidadão do mundo. Aqui no Brasil, nos Estados Unidos ou em outros lugares, ele quer contar histórias de vida e bastidores da política.

De acordo com Marianna Araújo, “o mau jornalismo existe em qualquer lugar do mundo” e esse não é um conceito aplicado pelo site que, segundo ela, “não tem medo”. Assim como qualquer outra redação, o que o leitor espera de qualquer veículo é um bom jornalismo e que, acima de tudo, conte exatamente os fatos e não simplesmente os abafe.

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