Atuação em grêmios estudantis serve de base para a politização da juventude

Em São Leopoldo, uma lei determina a realização de eleições para os representantes dos alunos das escolas públicas de ensino fundamental

Laura Santos
Redação Beta
5 min readNov 11, 2021

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Chapas eleitas para os grêmios estudantis das escolas municipais de São Leopoldo foram empossadas na prefeitura. (Foto: Thales Ferreira/Prefeitura de São Leopoldo)

A politização e a participação dos jovens no campo político têm se tornado mais forte nos últimos anos. Inclusive, nas manifestações mais recentes, a presença da juventude nesses espaços ficou ainda mais evidente. Muitos têm o primeiro contato com a política ainda nas escolas, através dos movimentos e grêmios estudantis. Desde 2017, São Leopoldo conta com a Lei Municipal Nº 8.686, que prevê a obrigatoriedade da realização de eleições para a escolha dos representantes dos grêmios estudantis nas escolas municipais de ensino fundamental.

Em 2021, ocorreu o processo eleitoral e, em outubro, a posse dos estudantes eleitos. Para a aluna Andriely dos Santos, 15 anos, escolhida como presidente do Grêmio Estudantil da Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) João Belchior Marques Goulart, o papel que ela desempenha atualmente é de representar e dar voz aos estudantes. “Eu já tinha interesse em fazer parte do grêmio estudantil há uns dois anos. Então, decidi este ano montar meu grupo e concorrer com a Chapa 1 nas eleições”, conta.

De acordo com a estudante, o grêmio estudantil é um espaço para entender, formular e levar as demandas dos colegas aos professores e à direção. Ela salienta que é importante cada vez mais os alunos se integrarem e procurarem estes espaços. “O que temos na escola são coisas para todos e precisamos lutar por isso. Agora, queremos envolver ainda mais os estudantes nisso. Busco o melhor para os meus colegas e quero trazer melhorias para todos nós, dentro das possibilidades”, explica Andriely. Para o próximo ano, a presidente já tem planos e projetos para realizar junto aos colegas.

“Enquanto eu fizer parte do Grêmio eu sempre vou fazer o meu melhor. Entrando o ano eu quero fazer tudo mudar. A escola é o melhor caminho para todos. Eu estou bem feliz de poder fazer parte e ter um papel nisso”, reforça.

Grêmio Marielle Franco mostra a força dos estudantes

Na EMEF Francisco Cândido Xavier a presença do grêmio estudantil já é forte entre os alunos. Batizada de Marielle Franco, a entidade sempre contou com a participação de todos, até mesmo na hora da escolha do nome — feita através de voto dos estudantes, conforme a presidente Ana Júlia Kafer, 13 anos.

Mesmo que tenha sido implementada pela obrigatoriedade, a agremiação desempenha um papel muito importante dentro da comunidade escolar.

Representantes do Grêmio Estudantil Marielle Franco reunidos na escola. (Foto: Melissa da Rosa Wonghon/ EMEF Chico Xavier)

A vice-presidente do Grêmio Marielle Franco, Mary Janne de Mello, 13 anos, salienta que a escolha por fazer parte e representar os estudantes foi uma forma de mostrar e validar que todos têm voz dentro dos espaços de ensino. “Foi uma forma de quebrar os paradigmas de que só o adulto tem vez e mostrar aos estudantes todas as oportunidades que eles têm dentro da nossa sociedade”, comenta.

Muitos projetos já foram desenvolvidos pelo grêmio, até mesmo durante a pandemia. Mas, com a nova gestão, os planos e a vontade de trazer mudanças são muitos. “Nós temos várias ideias, vontade de fazer o reflorestamento da Praça Bom Viver, que foi uma conquista do grêmio estudantil há uns anos, conseguir distribuir absorventes às estudantes, além de ter aulas de alfabetização para os pais”, explica Ana Júlia.

Para elas, a entidade é uma relação de respeito entre a escola e a comunidade, além de exercer um papel político dentro dos espaços de ensino. “Quero que os direitos dos alunos e dos educadores sejam respeitados, quero conseguir fazer mudanças dentro da escola e na comunidade escolar também. A educação é uma forma aberta de comunicação entre pais, alunos e educadores”, diz Ana Júlia.

De acordo com a vice-presidente Mary Janne, a forma de fazer com que todos participem e compreendam a importância é o diálogo. Ela conta ainda que o grêmio estudantil segue a filosofia da escola: “Acolher: os alunos e suas famílias em suas decisões e abraçar a comunidade. Cuidar: pensar em todos de uma forma geral. Educar: liberar espaço de ensino a todos, abrir novos pensamentos e fazer com que a educação se torne um princípio para as pessoas”.

Eleições ocorrem a cada dois anos

O processo eleitoral dos grêmios estudantis das EMEFs em São Leopoldo ocorre no mês de setembro, a cada dois anos, orientado pela Secretaria Municipal de Educação (Smed). Segundo a coordenadora da Gestão Democrática do órgão, Sandra Lanzoni, a secretaria apenas orienta e acompanha, contudo, as escolas devem criar uma comissão de eleição composta por estudantes e um professor articulador.

“Os grêmios estudantis são muito importantes para defender os interesses individuais e coletivos dos estudantes dentro das escolas, além de desempenharem um papel de cooperação entre todos que fazem parte dos espaços de ensino. Mas, acima de tudo, o grêmio tem que colaborar com a educação e o caráter cultural dentro desses espaços”, diz Sandra.

Juventude tem papel fundamental na luta por direitos

Historicamente, os jovens sempre desempenharam um papel de força e luta por direitos. Segundo a professora Bianca Ruskowski, 38 anos, doutora em Sociologia, a juventude tem tido um papel de grande destaque na política e nas ações coletivas. “Isso ocorre desde os anos 60 com o movimento hippie, mas antes disso já era representativa a presença dos jovens nas lutas operárias, movimento universitário, entre outros movimentos”, explica. Para Bianca, no Brasil, nos casos das Jornadas de Junho e a Luta pelo Transporte, em 2013, os jovens se fizeram presentes nos protestos, principalmente pela forma como se deu a difusão dessas manifestações.

“A organização dos protestos se deu a partir das plataformas sociais (Twitter, Facebook) nas quais esses jovens eram muito presentes. Estes fatores me parecem fundamentais para entender a percepção sobre o aumento da politização dos jovens a partir da divulgação maciça desses temas nas plataformas de mídias sociais”, afirma.

Ainda segundo a professora, o movimento estudantil é um local de grande e importante socialização entre os jovens, além de ser um fator fundamental para construir a democracia dentro das escolas. “É nesse microcosmo do grêmio estudantil que se pode aprender sobre as relações políticas, atuar para que as pessoas sejam ouvidas a partir do seu lugar como estudante, construir pontes de diálogo e se engajar em causas mais amplas”, enumera Bianca. “Atualmente, com a reforma do Ensino Médio, é fundamental que os grêmios estejam informados e fazendo a mediação com suas e seus colegas para defender os direitos das próximas gerações”, complementa.

O entendimento e a politização dos jovens passam pela noção de cidadania e de compreender que a vida em sociedade não nos permite renunciar à política, como explica Bianca. Segundo a professora, é necessário que se entenda melhor o significado do sistema representativo e da política em si, pois assim fiscalizar e exigir o cumprimento das promessas partidárias não será algo alheio ao dia a dia.

“É preciso construir desde cedo com as crianças que as ações que temos em relação ao meio ambiente, à discriminação de gênero e/ou raça-etnia, o entendimento sobre justiça social precisam estar nas ações cotidianas, na escola, que precisa incentivar o aprendizado do conhecimento acadêmico aliado aos problemas do mundo. Cabe compreendermos que a construção de uma sociedade melhor não se faz num dia a cada dois anos”, conclui a professora.

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