Aumento de informação não repercute na prevenção de IST’s
Especialistas dão algumas dicas para ampliar a orientação sobre a violência sexual e as infeções sexualmente transmissíveis
Há uma preocupação crescente entre professores e profissionais da saúde que trabalham a educação sexual dos jovens. Os métodos contraceptivos e a importância da camisinha parecem interessar cada vez menos a juventude. O aumento das infecções sexualmente transmissíveis e da gravidez precoce comprovam estes fatos. Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (PeNSE), publicada pelo IBGE em 2016, no 9º ano do ensino fundamental, 19,5% das meninas já tiveram relações sexuais e 9% delas já engravidou alguma vez. Enquanto isso, dados do Ministério da Saúde apontam aumento de quase 32% na taxa de detecção da sífilis no Brasil, que passou de 90.883 casos, em 2016, para 119.800 em registros em 2017.
No entanto, os resultados da PeNSE 2016 revelam que 87,3% dos alunos do no 9º ano do ensino fundamental receberam informações, na escola, sobre infecções sexualmente transmissíveis (ISTs). Além disso, 68,4% dos estudantes entrevistados afirmaram ter recebido no colégio orientação de como adquirir preservativos. Diante desse cenário, a sexóloga Tatiane Dias Scotta dispara que o problema não está na falta de informação. “Ainda existe, sim, falta de conhecimento, mesmo sabendo que o Brasil é o segundo país com mais celulares com internet no mundo”, dispara.
Para a psicóloga Aline Daniela Gonçalves de Oliveira Farias, os jovens de hoje estão vulneráveis: a informação chega de todos os lados, no online e offline, mas falta aprofundamento. “O jovem tem acesso à informação, não podemos negar, seja na internet ou pelos amigos. Mas não tem reflexão em cima disso. Então surgem muitos tabus e preconceitos, que levam esses jovens aos comportamentos de risco, seja pela transmissão de doenças ou por uma gravidez não desejada”, explica.
O assunto está em todo lugar: na internet, nas revistas, na televisão, nas campanhas escolares e na roda de conversa dos amigos. Mas, apesar do bombardeio de informações sobre sexo, não há um debate qualificado sobre questões de sexualidade, prevenção e saúde sexual. “O principal impacto é que não temos um diálogo e uma reflexão sobre assuntos como esses, e o jovem fica suscetível a outras realidades”, declara Aline.
Mas os jovens têm vontade — e, principalmente, curiosidade — de aprender. Na Colégio Augusto Meyer, de Esteio, os estudantes Augusto Oliveira e Eduarda Gomes, ambos de 17 anos, acreditam que o ensino da educação sexual é importante para o crescimento saudável. Porém, os dois não participaram de aulas sobre o assunto na instituição. “Acho que seria uma ideia boa ter esse conteúdo em sala de aula, até para termos mais conhecimento”, afirma Eduarda, que está no 2º ano do ensino médio.
O Colégio Augusto Meyer não tem aulas de educação sexual no currículo, mas desenvolve a temática em atividades extracurriculares, com palestras, campanhas e projetos de saúde realizados em parceria com instituições de ensino superior. Dúvidas e questionamentos sobre sexualidade também podem ser tratados com acompanhamento individual, conforme a orientadora da escola, Elisa Souza.
Estudante do 3º ano do ensino médio, Augusto participa da Comissão Interna de Prevenção a Acidentes e Violência Escolar (CIPAVE), núcleo que desenvolve palestras e projetos sobre saúde. Apesar de não ter a disciplina de educação sexual, ele acredita que a temática deve estar na sala de aula.
“A educação sexual vai muito além de instruir pessoas sobre como não ter filhos na adolescência. Ela é importante no nosso cotidiano porque a sexualidade é desenvolvida diariamente, e omitir esse fato só vai acarretar em uma geração que não evolui nesse aspecto”, resume Augusto.
Para falar sobre educação sexual com a juventude, primeiro precisamos entender a real proposta desse eixo educativo. Segundo Tatiane, um passo importante no processo de orientação dos jovens é saber diferenciar sexo de sexualidade. “Uma coisa é o ato sexual em si, já a sexualidade é mais ampla. Ela envolve as preferências, gênero, identidade e orientação em relação ao sexo”, resume a especialista.
Em contrapartida, como aponta Elisa, os jovens de hoje têm mais abertura para desenvolver e experimentar a sexualidade, mas essa tendência não está sendo acompanhada por cuidados de prevenção e saúde. Como orientadora do Colégio Augusto Meyer, Elisa percebeu que os adolescentes não usam camisinha, principalmente os casais que namoram e apenas se preocupam em não engravidar.
“A questão do ‘liberou total’ aumentou o empoderamento das meninas. Só que não cresceu o trabalho de prevenção de doenças. O que eu vejo na escola com as meninas é que elas pensam que, para dar prazer para os meninos, não se usa camisinha”, relata.
Por isso, Tatiane entende que também é necessário orientar o jovem sobre as questões afetivas e amorosas que surgem com a sexualidade. “Os passos são informação e autoconhecimento. Saber quem é e suas habilidades quanto pessoa para ter relacionamentos a amorosos”, explica.
Os alunos do Colégio Augusto Meyer costumam procurar Elisa para conversar. Ela lembra que o cargo de orientadora tem esse papel de aconselhar e relata que o interesse parte, principalmente, das alunas. “Elas falam sobre brigas com o namorado, por exemplo. Tem essa questão da autoestima. Elas dizem ‘eu não quero perder meu namorado’. Mas eu questiono: e se ele não for fiel? Elas acreditam em príncipe encantado. Elas não conseguem ter essa conversa com os pais e trazem pra cá”, comenta.
A doutoranda em Psicologia pela PUC-RS, Thais Blankenheim, alerta para outro ponto importante da educação sexual: a prevenção da violência. Segundo ela, casos de abuso e agressão, em geral, estão vinculados a relações afetivas e próximas das vítimas.
“Geralmente esses abusos são praticados por pessoas ou da família, ou próximas à família, com as quais a criança e o jovem tem algum nível de confiança. Então, se esse tema for trabalhado somente dentro das famílias, que geralmente não é, qual espaço a criança vai ter pra poder denunciar? A gente precisa falar sobre isso nas escolas e os educadores precisam estar preparados”, argumenta.
Diante desse assunto delicado, educadores questionam se estão conduzindo o diálogo da forma correta. A supervisora e professora de geografia da Escola Municipal Santa Marta, de São Leopoldo, Luciane Debastiani Flech, se preocupa se os jovens entendem o que os educadores e os pais querem dizer quando alertam sobre a importância do sexo seguro.
“Ao mesmo tempo que eles têm acesso às informações, eles não entendem que isso pode acontecer com eles, não entendem que essa informação é para eles. A gente também se pergunta muito, pois há tantos anos falamos e trabalhamos sobre ISTs e gravidez na adolescência. Será que eles não estão entendendo isso ou a gente não está se fazendo entender?”, dispara Luciane.
Elisa enxerga a mesma coisa com os alunos da Colégio Augusto Meyer. Os adolescentes sabem dos riscos de não usar preservativo, mas não levam a sério. “Eles pensam que ‘não dá nada’, que não vai acontecer com eles”, comenta. A orientadora complementa que o medo de ser infectado por uma IST diminuiu na sociedade e, hoje, os jovens se preocupam muito em evitar a gravidez.
“Eu sou da década de 1980, quando teve a explosão da AIDS e todo o mundo tinha medo de morrer. Agora é o contrário. As pessoas estão preocupadas em trabalhar o prazer, a sexualidade, mas esqueceram que tem que usar a camisinha, que a AIDS ainda existe e se morre de AIDS, mesmo tomando coquetel antirretroviral”, desabafa.
A realidade da comunidade carente de Santa Marta tem chamado a atenção de Luciane para outro aspecto. Como ela conta, no bairro, ter um filho durante a adolescência é visto como sinal de maturidade. “É como se, depois da gravidez, tu subisse de nível, virasse instantaneamente mulher”, conta a professora. É comum as educadoras de mais 30 anos que não têm filhos causarem surpresa entre as alunas.
“Eu trabalhei muitos anos no EJA e, um dia, aconselhei uma menina de 15 anos. Falei para ela casar, mas não engravidar ainda. Aproveitar e estudar, pois ter filhos era uma grande responsabilidade. Então ela disse: ‘só para vocês professoras que ter filhos é ruim’. Eu expliquei para ela que ter filhos não era ruim, mas que tinha que ser no momento certo, não naquela idade”, relata Luciane.
Por isso, não existe uma fórmula infalível para trabalhar a educação sexual. É preciso levar em conta a realidade do jovem e encontrar a abordagem adequada para a aprendizagem dele. A psicóloga Aline Daniela Gonçalves de Oliveira Farias, que trabalhou em oficinas de sexualidade em escolas públicas de Porto Alegre, garante que propor essa discussão já é um grande passo. “Durante nossas dinâmicas de grupos, podíamos ver que existem dúvidas, existem informações, existem experiências, só é preciso trazer esse diálogo para dentro de espaços educativos, com temáticas adequadas”
A sexóloga Tatiane Dias Scotta defende que é importante o professor oferecer diferentes formas de ensino. Ela dá a dica de atividades descontraídas para despertar o interesse dos alunos.
“Para a educação sexual, usar o lúdico e pedagógico, como teatros, músicas e filmes para reflexão. Também é interessante uma boa roda de bate-papo sobre o assunto, que eu acredito que seja a técnica eficaz entre os jovens. Cada aluno memoriza e aprende de uma forma, e o professor precisa entender o perfil da turma para elaboração das atividades”, ensina.
Entre os alunos de Esteio, por exemplo, Elisa percebe necessidade de mais orientações sobre o uso de preservativo. “Precisamos falar sobre a camisinha. Como põe, que hora coloca… Eles têm dúvidas sobre isso”, aponta. Seja qual for o tópico abordado, Tatiane sinaliza que é preciso haver liberdade. “Que seja um momento onde não haverá críticas, mas sim cooperação com o questionamento do outro”, declara.
Thais complementa que a eficácia do ensino de educação sexual está nas estratégias para abordar o assunto de uma forma natural, sensível e relevante para os jovens.
“Existem várias tipos de atividades que podem ser feitas. Podem ser chamados profissionais para falar na escola sobre o tema, podem chamar pessoas para dar seus próprios depoimentos de vida. O mais importante é que os professores e professoras estejam preparados para lidar com esse assunto”, finaliza.