Autistas diagnosticados na vida adulta buscam autoconhecimento

A ampla divulgação dos sintomas e o avanço no debate têm facilitado a identificação do TEA em pessoas com níveis leves do espectro

Milla Lima
Redação Beta
6 min readSep 13, 2022

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Segundo dados do CDC (Center of Deseases Control and Prevention), órgão ligado ao governo dos Estados Unidos, existe hoje, no mundo, um caso de autismo a cada 110 pessoas. (Foto: Pavel Danilyuk/Pexels)

O diagnóstico do autismo durante a vida adulta é uma pauta pouco discutida. Normalmente, pessoas pertencentes ao autismo nível 1 de suporte, sendo o mais leve, apresentam características sutis aos olhos de não especialistas. Elas enfrentam maiores dificuldades em áreas de interação e comunicação social do que no desenvolvimento cognitivo, porém isso não diminui a dificuldade de se adaptarem. Considerando que pode levar mais de 18 anos para se identificar a presença do transtorno na vida do autista, é nítido que o caminho para ser respeitado pelo diagnóstico, e a busca contínua por especialistas que possam oferecer ajuda, andam juntos em uma estrada cheia de obstáculos.

Para quem não convive com autistas ou não tem uma referência em seu cotidiano, o diagnóstico precoce é o mais conhecido. De maneira lógica, sabemos que é importante para a criança autista uma intervenção multiprofissional logo no início da vida com o objetivo de auxiliar no desenvolvimento de habilidades e no processo de aceitação e convívio social.

Na vida adulta o diagnóstico também é delicado, pois ele desperta o sentimento de que todas as perguntas que este autista já teve na sua vida, finalmente, foram respondidas. “Esse diagnóstico costuma vir acompanhado de um histórico de sofrimento devido a dificuldades em processos sem ter clareza da razão e das estratégias para apoio”, explica a psicóloga e Diretora de Operações na Specialisterne Brasil, Rute Rodrigues.

A Specialisterne Brasil é uma empresa que ajuda a proporcionar treinamento e emprego para pessoas com autismo. Oferece um programa de treinamento técnico e socioprofissional, com vistas à inclusão laboral para adultos autistas. Rute conta que sua experiência com autistas diagnosticados na vida adulta está muito presente no âmbito de sua atuação. “Já incluímos mais de 200 profissionais autistas em mais de 30 empresas. Em um último estudo que realizamos, mais de 50% dos profissionais que incluímos tiveram o diagnóstico na vida adulta”, relata a psicóloga.

Para Rafael Freire Pereira, o diagnóstico aconteceu aos 29 anos de idade. Agora, com 37 anos, ele conta a história deste acontecimento com um misto de felicidade e angústia.

“Fui à psicóloga com a minha mãe, pois estava com crises de ansiedade e síndrome do pânico. Durante o processo terapêutico, minha psicóloga sinalizou a possibilidade do autismo. Ela aplicou várias escalas e conversou com minha mãe sobre minha infância e adolescência. Chegou um ponto que ela sentou comigo e minha mãe e falou que eu estava dentro do espectro. Me senti muito feliz por ter encontrado a resposta de tudo que sentia que faltava”, relata Rafael, que possui autismo leve, nível 1 de suporte.

O impacto do diagnóstico na vida de Rafael é destacado por todos os entrevistados. Marcelo Sorriso, Diretor de Atenção ao Autista Adulto na MOAB (Movimento Orgulho Autista Brasil) e pai de autista, destaca o quão libertador esse momento pode ser, não apenas para o autista, mas para as pessoas próximas a ele. “Com certeza, com o diagnóstico, vem o entendimento. Tanto as pessoas fora do espectro, quanto as pessoas dentro, reagem com estranheza ao comportamento do outro. A diferença é que nós que estamos fora devemos ter consciência sobre essa realidade e darmos o primeiro passo em direção à boa convivência”, diz Marcelo.

Rute explica que a aceitação do diagnóstico entre autistas adultos gera um processo de "maior compreensão e aceitação de si mesmos”. Nesse sentido, Rafael se emociona ao contar como se sentiu: “foi a melhor descoberta da minha vida, me senti livre e feliz em saber que sou diferente e especial. Me afetou positivamente, pois minha família passou a me dar mais atenção e ter mais compreensão com meu jeito”, expressa.

Rafael, já diagnosticado há 8 anos, assume um relato mais libertador. Contudo, para a social media Maria Eduarda Silva, 22 anos, diagnosticada há menos de um ano, a notícia ainda é muito recente e, consequentemente, mais difícil de entender e lidar.

Maria apresentava um longo histórico de depressão e ansiedade, o que a motivou a buscar um profissional para lhe auxiliar a entender melhor essas questões. Após alguns meses de acompanhamento, a profissional indicou a suspeita e a encaminhou para um psiquiatra especializado em Transtorno do Espectro Autista (TEA), com quem ela consultou por três meses até ter o diagnóstico.

“Eu nunca tinha suspeitado ou me informado sobre o autismo. Tinha uma impressão estigmatizada do TEA e um tanto preconceituosa também. Ao mesmo tempo, foi um alívio saber que havia uma justificativa por trás das coisas ‘diferentes’ que eu fazia ou sentia, nas minhas dificuldades e constante cansaço psicológico”, relata Maria, que também possui um autismo leve.

A social media está em processo de aceitação e busca mais conhecimento sobre si mesma. Ela estuda e conversa com outras mulheres que se encontram na mesma situação e que se identificam com as mesmas dificuldades relatadas por ela. “É praticamente uma jornada de autoconhecimento. Antes de descobrir, eu sempre me cobrei muito para seguir certos padrões e comportamentos que, no final do dia, me cansavam ao extremo. Quero aprender sobre e aceitar o diagnóstico como parte de mim, mas jamais resumindo inteiramente quem eu sou”, explica Maria, que ainda diz enfrentar dificuldades para se expor como autista abertamente.

Debate sobre o TEA é ampliado no TikTok

A estudante de radiologia e tiktoker, Thais Vieira de Oliveira, 22 anos, percorreu um longo caminho até conhecer o seu diagnóstico, descoberta que ofereceu a ela alívio e autoconhecimento. Seu processo começou aos 7 anos, quando uma professora do ensino fundamental sugeriu à família encaminhá-la para tratamento com oftalmologista, otorrino e psiquiatra.

O psiquiatra não confirmou a suspeita de autismo da professora, informando que a menina era ‘inteligente demais para ser autista’. Na época ela foi diagnosticada com dislexia. “Fiz acompanhamento por poucos meses e ele me deu alta, então segui minha vida mesmo com muita dificuldade. Tentei outros psiquiatras quando era adolescente e recebi diagnóstico de depressão e ansiedade. Quando fiz 19 anos comecei a namorar o Willian, que é autista, e ele observou características muito marcantes em mim e pediu para que eu procurasse um especialista. Fui atrás e então recebi o diagnóstico de autismo e Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH)”, conta Thais. A jovem também revelou que, anos depois, descobriu que o psiquiatra que consultou quando criança nunca deu o diagnóstico correto pois acreditava que meninas não podiam ser autistas.

Algo que ajudou Thais foi o TikTok, rede em que a estudante possui mais de 530 mil curtidas. Em dezembro de 2021, a tiktoker postou um vídeo cômico, mas extremamente importante, criticando a empresa onde trabalhava. No vídeo, ela mostrava sua alegria ao ser diagnosticada, porém, tristeza ao levar o assunto ao conhecimento da empresa.

“A maioria das pessoas que interagiram com o vídeo foi por indignação com o acontecido, outros, por curiosidade sobre o autismo. As pessoas se identificaram com o ocorrido e questionaram o porquê de eu ter levado o laudo na empresa. Foi uma experiência interessante, pois o que aconteceu foi muito desgastante e cansativo e receber apoio foi acolhedor. Ser vista por tantos me deu esperança de poder levar conhecimento sobre o assunto para a maior quantidade de pessoas que eu puder”, diz Thais, que pode ser encontrada na rede pelo user @pulayd.

O TikTok também pode ser usado para despertar a dúvida em relação ao diagnóstico de autismo, levando mais pessoas a procurarem ajuda especializada. Os vídeos intitulados “Principais sinais de Autismo em adultos”, a exemplo dos produzidos por Raquel Nery, autista e estudante de medicina, contabilizam mais de 280 mil likes.

Marcelo destaca que a disseminação de informações sobre o TEA é benéfica. “Vejo de suma importância esta popularização com responsabilidade. A partir do momento em que o autismo entrou dentro da minha casa, sem pedir licença, despertou em nós a atenção à diversidade. Hoje temos um monitoramento permanente. Não aumentou o número de autistas, o que aumentou foi o entendimento do que são sinais de pessoas que têm TEA”, frisa o Diretor de Atenção ao Autista Adulto na MOAB.

Saiba mais sobre o assunto:

Fecho esta matéria deixando de presente para os leitores os filmes, séries, e tiktokers indicados pelos entrevistados, o que ajudará qualquer um a entender um pouco mais sobre o TEA.

Tiktokers: Willian (@molarize); Giovanna (@professora.autista); e Rubi (@tdahnoespectro).

Filmes: Em um mundo interior (GloboPlay); e Tão forte e tão perto (HBO MAX).

Séries da Netflix: Amor no Espectro; Uma Advogada Extraordinária; e Atypical.

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