Ballet: a harmonia entre esforço, tensionamento físico e beleza

Tendinite no joelho e até mesmo lesão na tíbia são desgastes comuns no treinamento da dança clássica

Milla Lima
Redação Beta
6 min readJun 14, 2022

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Sapatilhas de ponta, feitas de madeira ou cerâmica, podem potencializar lesões. (Foto: Izabela Fortes/Arquivo Pessoal)

O filme “Cisne Negro”, de Darren Aronofsky, mostra o enorme esforço humano que pode existir no mundo do ballet — um estilo de dança iniciado na Itália renascentista do século XV, que cresceu ainda mais na Inglaterra, Rússia e França. Neste longa-metragem, a protagonista Nina, interpretada por Natalie Portman, tem alucinações engatilhadas pelo clima de constante pressão e violência psicológica durante a produção da peça “O Lago dos Cisnes”.

A busca pela perfeição pode trazer à tona sentimentos destrutivos. No final da narrativa do filme, Nina comete suicídio durante a performance. Ela deixa claro que só alcançaria a excelência se vivesse exatamente o que a personagem viveu na peça. Aquela produção audiovisual mostra uma peculiaridade do ballet, que mesmo transmitindo delicadeza, pode mascarar dos seus apreciadores: isto é, a grandiosa dedicação e o treinamento exigente vivenciado por bailarinos e bailarinas.

Natalie Portman ganhou o Oscar como Melhor Atriz. (Foto: Reprodução/Cultura Genial)

O início da carreira no ballet costuma começar cedo. Entretanto, são muitos os benefícios para as crianças neste ambiente. Tais como encorajamento da disciplina física, controle e consciência corporal, senso de confiança, aprimoramento da concentração e interesse pelas artes. Nesta fase, embora tudo ainda seja bastante lúdico, é o momento em que a base da prática é instaurada. Para Izabela Fortes, bailarina e estudante de fisioterapia, o começo foi aos 5 anos.

“Todo o mundo cor-de-rosa do ballet com tutus e princesas me encantava. Quando pequena, amava assistir os filmes de dança da Barbie e ficar tentando copiar. O ballet, hoje, é a minha paixão e é essencial para definir quem eu sou”, afirma Izabela, que pratica a dança há 14 anos.

Já para Cássia Cerato, assessora estudantil e bailarina, a jornada no ballet foi iniciada ainda mais cedo, aos 3 anos. Com o propósito de perder a timidez e de seguir os passos da irmã mais velha, Cássia deu uma chance à oportunidade que sua mãe proporcionou.

“Logo me apaixonei pela prática e a timidez foi sendo trabalhada com o tempo. Para mim, o ballet significa, entre muitas coisas, estar em um porto seguro onde esqueço dos problemas do dia a dia. Posso me expressar, me conectar e desabafar através de movimentos, e me divertir de um jeito que não consigo de outras formas. O ballet, pra mim, também é sinônimo de superação e disciplina, pois me ensinou lições para a vida. Por tudo isso, a prática continua me atraindo”, conta.

Cássia acredita que a prática do ballet ajuda na definição dos músculos. (Foto: Arquivo Pessoal/Cássia Cerato)

Transição da sapatilha comum para a de ponta

Após a fase da infância no mundo do ballet, chega um momento importante na vida das bailarinas, a transição para a sapatilha de ponta, que normalmente acontece entre os 11 e os 12 anos. Porém, o mais relevante é o tempo de prática do ballet clássico, que exige entre 3 a 4 anos, com uma frequência de duas a três aulas semanais. Além disso, as características individuais, como de força e flexibilidade, também chamam a atenção.

A professora de ballet Bárbara Ataíde, certificada pela The Royal Academy of Dance, de Londres, afirma que o cuidado para a troca de sapatilhas deve ser rigoroso, pois as consequências de uma transição precoce podem ser grandes.

“A transição das bailarinas para a sapatilha de ponta não é uma tarefa fácil e exige muito pulso e experiência do professor. É preciso bastante controle físico e emocional. Por isso, o professor, nesta etapa, deve ser sincero e dizer se é possível, à aluna, que ela comece nas pontas ou aguarde mais um pouco. Ainda nesta etapa, a prática segura da dança é primordial para uma boa transição sem lesões e com bailarinas felizes”, explica Bárbara, que começou auxiliar em aulas de ballet logo no final da infância, aos 12 anos.

Bárbara é professora de ballet e jazz infantil na Escola de Ballet Lenita Ruschel. (Foto: Arquivo Pessoal/Bárbara Ataíde)

Para Cássia, o momento de adaptação à nova sapatilha foi emocionante, algo que mudou sua perspectiva e proporcionou uma virada de chave na prática da dança clássica.

“É quando tu, finalmente, te identifica com as bailarinas que tu acompanha. Eu me senti muito bem, muito feliz e eufórica. Lembro, até hoje, do dia em que experimentamos as sapatilhas para ver o tamanho certo, que a professora explicou tudo, como amarrava e como costurava”, conta Cássia, com nostalgia, ao lembrar de um momento especial.

Parece fácil, mas não é

Nos anos seguintes, Cássia precisou treinar e se dedicar ainda mais, a partir do aumento do nível de dificuldade. As dançarinas que escolhem prosseguir, entendem o desafio que precisam tomar para si e para seus corpos. Além disso, neste momento, é comum o interesse crescer. Com uma idade mais avançada, as cobranças tornam-se maiores. Um dos recursos de Izabela, por exemplo, foi recorrer ao pilates para ajudar na preparação física para o ballet.

“Considero um ótimo aliado para bailarinas. Além de melhorar o condicionamento físico e a consciência corporal, o pilates atua na prevenção e no tratamento de lesões”, diz.

Entretanto, nenhuma bailarina consegue fugir da realidade das lesões. Das três dançarinas entrevistadas para esta matéria, todas enfrentaram episódios nos quais se lesionaram com a prática. Para Izabella, a situação ficou séria quando ela sofreu uma lesão na tíbia, por estresse. Apesar disso, a paixão pelo ballet sempre a manteve empenhada.

“Fiquei dois meses parada e precisei repensar toda a minha relação com a dança. Na volta, tive que reaprender algumas coisas e foi muito frustrante. Mas aquele período sem dançar só me fez perceber que a dança é essencial na minha vida”, admite a estudante de fisioterapia.

Izabela afirma que o ballet ensina sobre respeito, pontualidade e persistência. (Foto: Arquivo Pessoal/Izabela Fortes)

A lesão de Cássia foi mais branda, pois possibilitou que ela continuasse praticando o ballet de forma leve. Mesmo após sofrer uma tendinite no joelho, “fazia aula todos os dias”, conta.

Já para Bárbara, as lesões no joelho e no tornozelo só foram superadas com uma pausa e tratamento. “Com fisioterapia e acompanhamento, voltei logo para as aulas”, explica aliviada.

Mesmo assim, a prática continua com certo mistério, como se a exigência que requer fosse um segredo desconhecido pelo público. Distraídas pela suavidade que as dançarinas passam, o público não percebe o quanto os movimentos precisam de força e controle.

“Não é porque o ballet também é uma forma de arte e os bailarinos aparentam leveza, que não exige do corpo. É necessário muita força para saltar, girar, permanecer na sapatilha de pontas, ficar estático em equilíbrio e sustentar a perna para cima. Os movimentos de ballet clássico envolvem o corpo como um todo, de modo que se você soltar uma parte sequer, já era! Desde aulas com duas horas de duração, sem parar de se mover, até uma apresentação saindo e entrando do palco, resistência e força são essenciais para chegar até o fim”, esclarece Cássia.

Cássia diz ter aprendido como se posicionar e se expressar em público por causa do ballet. (Foto: Arquivo Pessoal/Cássia Cerato)

Izabela concorda e entende que a prática não é apenas um esporte. “Realmente, a dança se difere dos esportes, pois é também uma arte. Temos toda a exigência física somada ao desafio de transmitir sentimentos. As pessoas não imaginam o esforço necessário para fazer parecer fácil”, explica.

A assessora estudantil e bailarina Cássia ainda explica o motivo de todos os sacrifícios valerem a pena. Por mais que a prática do ballet seja sobre ordem e simetria e tenha atraído seus olhos perfeccionistas, Cássia já se frustrou inúmeras vezes e, por isso, rompeu com o que não existe, a perfeição. “A beleza está justamente em entender que a perfeição não existe. O ballet ajuda a encontrar dentro de si essa calmaria e grandeza que a dança traz”, conclui Cássia.

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