Basquete adaptado resgata a independência de pessoas em cadeiras de roda

Time da Associação dos Lesados Medulares do Rio Grande do Sul (Leme) treina todos os sábados, em Novo Hamburgo

Jordana Fioravanti
Redação Beta
5 min readDec 9, 2022

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Uma vez por semana, time da Leme treina na quadra do Sesi, em Novo Hamburgo. (Foto: Jordana Fioravanti/Beta Redação)

Uma quadra e cinco jogadores para cada lado. O relógio é acionado e começa mais uma partida de basquete. As regras são as mesmas, as marcações e a cesta estão no mesmo local. Só há uma peculiaridade: aqui, os atletas estão sentados. É assim, a cada sábado, no Sesi de Novo Hamburgo, na Região Metropolitana de Porto Alegre, quando o time de basquete em cadeira de rodas da Leme entra em cena.

Sidnei de Lima, 40 anos, era açougueiro antes de ter sua atividade profissional interrompida por uma lesão medular grave após ser alvo de um tiro de arma de fogo durante um assalto. Já são 23 anos convivendo com a cadeira de rodas e tamanha proximidade fez com ele fosse um dos precursores do basquete adaptado em Novo Hamburgo.

A história começou há 16 anos, junto da Associação dos Lesados Medulares do Rio Grande do Sul (Leme). O propósito era o de resgatar a autoestima e a independência de quem convive com a cadeira. Sidnei considera que tudo isso vai muito além da atividade, pois faz parte de um movimento que traz sentido e socialização para essas pessoas, somados aos benefícios que se refletem na saúde mental.

“Nós temos casos de pessoas que ficaram meses numa cama dizendo que a vida acabou. Às vezes, você acaba trazendo essas pessoas para cá. Na primeira vez, ficam meio assustadas; depois, começam a interagir, a gostar e a participar do basquete sobre rodas. Essa é a nossa ideia. Somar a cada dia e poder ajudar as pessoas, mostrando que elas têm condições”, enfatiza Sidnei.

Sidnei tem uma vida independente e relata que deve muito disso pelo desenvolvimento proporcionado pelo esporte. (Foto: Jordana Fioravanti/Beta Redação)

Para ele, o diferencial é que, a partir do momento em que se busca o esporte, o indivíduo se sente mais capaz, seja para trocar de cadeira ou cair e levantar, o que se reflete em outras situações de vida, oferecendo impulso para a superação constante.

Fundador da Leme e empresário de 48 anos, Mauro Klein atenta para dificuldades enfrentadas no processo. “Começamos com cinco cadeiras, mas precisávamos de 10 para completar o time. Então, fomos fazendo ações para conseguir isso”, relata. Segundo o fundador, uma cadeira adaptada para basquete custa em torno de 7 mil reais. O preço elevado se deve à necessidade de ser feita sob medida, de acordo com cada lesão (principalmente no suporte das costas), e por ter as rodas inclinadas.

“Já tivemos treinador, era o patrocinador que ajudava. Não conseguimos participar do Campeonato Gaúcho este ano, porque ficamos sem patrocínio e o custo de transporte adaptado e alimentação é muito alto”, explana o empresário. Outra mudança foi a troca de ginásio. O local onde treinavam ficava em Campo Bom, mas entrou em reforma, e a Administração Municipal de Novo Hamburgo ainda não dispõe de ginásio adaptado.

Após sofrer dacidente com moto esportiva Mauro, junto de três parceiros, fundou a Leme. (Foto: Arquivo pessoal/Mauro Klein)

Sem desigualdade

Diferente de outros serviços da Leme, para jogar basquete não precisa ser lesado medular. O time também reúne pessoas com deficiência física. Por conta disso, existe uma classificação que assegura igualdade entre os times em quadra. Conforme Mauro, a escala vai de 1 até 4,5 para definir o grau de comprometimento físico do atleta. Cada time de cinco pessoas pode somar, no máximo, 14 pontos.

Hoje, as cadeiras dos primeiros anos do projeto são usadas por novos jogadores, que escolhem a que melhor se encaixa, sem ter que investir recursos antes de saber se seguirá, ou não, no esporte.

Uma nova perspectiva

Com a expansão da modalidade, já ocorre o Campeonato Gaúcho, que tem partidas sediadas em diversas cidades do Rio Grande do Sul. É uma porta para a profissionalização dos atletas. “Os gurizinhos que começam a jogar com a gente com 12 ou 13 anos já pensam em acessar a Seleção Brasileira. Isso é muito legal, pois acaba abrindo portas para aquelas crianças que nunca imaginaram poder participar de uma seleção”, comenta Sidnei.

Se engana quem pensa que o basquete em cadeira de rodas é uma invenção recente. Arthur Rodrigues tem 43 anos e pratica a modalidade há 26. Atleta estreante da Leme, ele conta louros da trajetória: “Pensava que era só uma recreação e, de repente, me chamaram para jogar em São Paulo. Lá, eu conheci o Roberto Bial (irmão do Pedro Bial), que montou um time para jogar com ele”, recorda.

Arthur critica a falta de políticas públicas de incentivo ao esporte fora dos grandes centros, como São Paulo e Rio de Janeiro. Sobre a importância disso, ele é claro e sucinto: “Se eu não tivesse entrado para o esporte, minha mãe teria me internado, eu acho. Foi o esporte que abriu muitas portas para mim”, afirma.

Arthur jogava em Canoas, RS, e foi entrevistado pela reportagem em sua estreia no Leme. (Foto: Jordana Fioravanti/Beta Redação)

Sobre a Leme

“Há 20 anos, a Leme acolhe o lesado medular, ou seja, aquela pessoa que caminhava e agora não caminha mais, mas precisa seguir a vida”, explica Mauro. Ali, tem assistente social, academia, fisioterapia, bocha adaptada e o basquete em cadeira de rodas, além de um espaço de convivência adaptado, incluindo cozinha e churrasqueira. A associação presta suporte de acesso e informação. Todos esses serviços são oferecidos de forma gratuita e, para arrecadar fundos, a cada ano ocorre um baile, o trabalho na bilheteria da exposição de carros antigos da cidade e a venda da pizza solidária. Somam-se doações de Lions e Rotary Club.

Para entrar no time é preciso se associar à Leme. Basta ir até o endereço na rua Saldanha Marinho, nº 291, bairro Rio Branco, em Novo Hamburgo, portando RG, CPF, Cartão SUS e comprovante de residência. O telefone para ligações e WhatsApp é (51) 3065-3265.

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