O resgate do Boizinho da Praia

Projeto incentiva costumes antigos do litoral norte gaúcho por meio de oficinas artísticas

Paula Câmara Ferreira
Redação Beta
4 min readJun 15, 2018

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Participantes do Boizinho da Praia no programa Galpão Nativo, da TVE/RS. (Foto: Arquivo Pessoal Grégory Caruccio Figueiredo)

Você lembra de alguma lenda ou rito da sua cidade? Parece uma pergunta incomum, mas na verdade muitas regiões acabam por não celebrar suas tradições, e culturas se perdem em meio ao cotidiano. O projeto Boizinho da Praia surgiu a fim de não deixar isso acontecer com a cidade litorânea de Cidreira (RS).

Buscando ensinar a história local e lendas da região aos jovens da comunidade, a iniciativa conta com oficinas de violão, de canto, de tambores e percussão. Segundo o cientista social Ivan Therra, o Boizinho da Praia possui encontros focados em culturas da beira, danças e movimentos praieiros. “Sempre temos um momento de contação de histórias da praia, que vai ambientar toda ação, definindo a passagem da história a ser conhecida e socializada”, explica.

Para Ivan, o resgate de um auto folclórico, em desuso há mais de 50 anos, é importante para a cultura local e também valioso para a formação social dos jovens. “O fato de estarmos fortalecendo a nossa gurizada da praia, aumentando a autoestima e o sentido de pertencimento, através de uma ação cultural identificada com as nossas comunidades, é fundamental para o desenvolvimento dos sujeitos e para a construção de pensamentos que contemplem o coletivo”, explica.

Origem do Boizinho

Natural de Porto Alegre, Ivan conta que a ideia veio de pesquisas sobre as culturas populares da região praieira gaúcha iniciadas em 1995. Após dez anos de estudos, o cientista social conheceu alguém que vivenciou as brincadeiras sobre o “boi”, e o projeto aos poucos foi ganhando forma.

“Soubemos dessa tradição em 2005 através do relato da nossa amiga Nega Di. Quando criança, ela brincava de boizinho na beira da praia com os moradores da Vila da Fumaça e da Vila da Viola, duas antigas vilas africanas que existiam aqui em Cidreira. A partir disso revivi esse auto de origem africana, muito importante para o povo praieiro”, conta.

Em 2014, o Boizinho da Praia transformou-se em um projeto de cultura na educação. “Fomos contemplados pelo Programa Mais Cultura nas Escolas, do Ministério da Educação e do Ministério da Cultura . Assim, passamos a oferecer aos estudantes e comunidade escolar a possibilidade de participação no Boizinho da Praia através de várias oficinas”, relembra Ivan.

Ivan Therra e os participantes do Boizinho da Praia na EEEF Herlita Silveira Teixeira. (Fonte: Arquivo Pessoal/ Ivan Therra)

Até o início deste ano, os encontros ocorriam na Escola Estadual de Ensino Fundamental Herlita Silveira Teixeira. Devido o local ter sido interditado, hoje as atividades são realizadas no ponto de cultura Flor da Areia, sempre aos sábados.

Importância na comunidade

O cientista social acredita que o auto folclórico original da região praieira gaúcha é praticamente uma ópera popular. Ele conta a história da relação de poder e desejo entre empregados e um patrão abastado e dominador.

“Costurando esta relação de classes está a magia do Boizinho da Praia e de todos os elementos que compõem o rico imaginário popular da região. No auto estão o ‘Boto Encantado da Barra do Imbé’, ‘A Sereia da Cidreira’, ‘O Minhocão, da Lagoa do Armazém’, ‘As Benzedeiras do Mar’, ‘O Mestre Julinho’, ‘O Pajé da Tribo dos Carijòs’ e tantos outros seres encantados da beira da praia”, explica Ivan.

A pedagoga Liziane da Silva Barbosa, que auxilia no projeto desde 2014, explica que a iniciativa é de extrema importância para a comunidade, pois os jovem passam a se reconhecer como parte da história local. “Os participantes entram no projeto sem muito compromisso, mas a medida que permanecem vão desenvolvendo noções de identidade e comprometimento”.

Para a estudante do 2° ano do Ensino Médio Jas Vasconcelos, 16 anos, o Boizinho da Praia é uma parte importante de sua vida.“É um resgate da cultura da nossa cidade, que traz os moradores da praia para tocar e cantar um pouco da sua história e das coisas do cotidiano que acabam sendo esquecidas”, conta.

Jas começou a frequentar as oficinas alguns meses depois do projeto iniciar na Escola Herlita, há 4 anos. “A minha atividade preferida lá, além de cantar, é tocar os tambores e as percussões, pois sou bem interessada nisso”, relata empolgada.

O jovem Grégory Caruccio Figueiredo, 19 anos, que foi um dos primeiros a participar da iniciativa, também defende que o Boizinho é uma forma de mostrar a cultura local. “Muitas pessoas têm a oportunidade de conhecer e aprender sobre as histórias, músicas, instrumentos, vestimentas e cultura de nossa região litorânea, podendo assim passar para outras futuramente”, conclui.

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Paula Câmara Ferreira
Redação Beta

Estudante de Jornalismo. 25 anos. Apaixonada por: animais, livros, música e séries.