Na ponta dos dedos

Processo de alfabetização de pessoas com deficiência visual acontece através do toque

Vanessa Fontoura
Redação Beta
4 min readApr 9, 2019

--

Caderno e lápis sobre a mesa. No quadro, sinais gráficos que parecem não ter sentido algum. A tarefa é repassar para o papel aquela imagem e, com cada letra, formar uma palavra. Esta etapa tão importante para o desenvolvimento de uma criança se inicia na Primeira Infância. Porém, a rotina de alfabetização se altera para quem tem deficiência visual.

Gislaine de Oliveira Figueiredo, 25, é deficiente visual desde que nasceu. Apesar disso, a estudante de administração conta que passou por uma infância comum. Aos 5 anos, quando ingressou na Escola Estadual Senador Salgado Filho, em Alvorada, teve seu primeiro contato com a alfabetização através do Braille. “Foi então que descobri que não iria escrever como uma criança normal da minha idade”, relata.

Segundo o coordenador do Portal da Deficiência Visual ,Wagner Maia, o Braille é um sistema de leitura e escrita tátil reconhecido como método de alfabetização. O ensino através deste método, segundo Maia, segue as mesmas etapas de aprendizado da leitura e escrita de uma criança sem deficiência visual. “Começa com um contato com as letras na educação infantil e segue durante o desenvolvimento da criança”, explica.

Gislaine conta que aprendeu a linguagem em menos de um ano. Porém, somente aos sete conseguiu aceitar que aquele seria o único modo para desenvolver a leitura e a escrita.

“Entre eu aprender e aceitar o Braille teve diferenças. Eu achava que iria para escola e usaria o papel e a caneta igual a todos. Quando cheguei lá descobri que seria diferente. Mas eu tinha que aprender, pois não havia outra solução”.

Gislaine é deficiente visual desde a infância e foi alfabetizada através do Sistema Braille (Foto: Vanessa Fontoura/Beta Redação)

Os visualizadores de tela

De acordo com Gislaine, a comunicação computadorizada acontece através de uma leitura de tela feita através de softwares livres e gratuitos, como o NVDA. “É só baixar no computador, ativar e ele sai falando tudo o que é feito na tela, no teclado e até com o mouse”, conta. Ela afirma que, através desses programas, é possível ler e escrever.

Por se tratar de um sistema de leitura e escrita reconhecido como método de alfabetização, Gislaine entende que a linguagem em Braille é uma importante forma de iniciação para pessoas com deficiência visual. Porém, a estudante não percebe o Braille como o principal meio de aprendizado, mas sim o computador através dos visualizadores de tela.

Além disso, Gislaine conta que nunca leu um livro sequer escrito em Braille durante a faculdade. Tudo foi automatizado através do computador. Segundo ela, as publicações adaptadas possuem o dobro ou o triplo do tamanho de livros comuns e não são facilmente encontrados em bibliotecas. “Um livro de um volume para vocês possui três volumes para nós. O que para vocês cabe em uma folha para nós ocupa duas ou três”, explica.

À esquerda, um livro escrito em Braille, à direita, um livro impresso em tinta (Fonte: Elias Sperandio/Studio Braille).

Dificuldade na didática de ensino

Quando estava na sétima série, Gislaine passou a utilizar o computador durante as aulas. A iniciativa facilitou a comunicação com os professores. “O Braille é ótimo para aprender a ler e escrever, mas o conteúdo escolar fica muito atrasado. Os teus colegas estão aprendendo uma coisa e tu ainda está aprendendo o que a professora passou no mês passado ou há três meses”, conta.

Antes dos computadores, Gislaine precisava transcrever a matéria para os professores, que não conseguiam acompanhar seu desenvolvimento em tempo real. “Na minha escola só sabiam o Braille eu, meus colegas que não enxergavam e a professora da sala de recursos”, relembra. Além disso, poucas instituições possuíam impressoras em Braille, pois eram muito caras, e os livros existentes continham muitos erros gramaticais.

O Ministério da Educação desenvolve, em parceria com a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão, o programa Livro Acessível. A iniciativa oferece livros didáticos e paradidáticos em Braille para alunos cegos e com deficiência visual matriculados na educação básica. O programa faz parte do Plano Nacional do Livro Didático (PNLD), que disponibiliza, em Braille, os mesmos livros utilizados pelos demais alunos.

Sobre o Braille

Esta forma de escrita é comemorada nacionalmente no dia 8 de abril, desde 2010. A data é uma homenagem ao nascimento de José Alvares de Azevedo, primeiro professor cego do país.

No Brasil, o sistema Braille foi oficialmente adotado em 1854. Em 1999, o MEC criou a Comissão Brasileira do Braille (CBB) e, em 2017, foi concluído o trabalho de atualização da Grafia Química Braille.

No Rio Grande do Sul, segundo a Secretaria de Educação, a rede pública estadual conta com o Atendimento Educacional Especializado realizado por professores especialistas, aos quais elaboram e organizam recursos pedagógicos de inclusão. O atendimento ocorre na sala de recursos da própria escola no turno inverso da escolarização.

--

--