Brasileiros contam como estão enfrentando a pandemia no exterior

Viajantes e imigrantes relatam ações governamentais distintas e adaptação à rotina de isolamento social em outros países

Thaís Lauck
Redação Beta
10 min readApr 15, 2020

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Por Thaís Lauck, Renan Silva Neves e Henrique Bergmann

Há mais de 100 dias o mundo enfrenta o novo coronavírus. O primeiro caso foi detectado no dia 31 de dezembro de 2019 na cidade de Wuhan, na China. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), ainda não existe vacina nem medicamento específico para prevenir ou tratar da doença. Altos índices de contágio e de mortes chamam a atenção da população mundial para a necessidade de uma mudança de hábitos. Nos países afetados pela pandemia, os governos agiram na tentativa de combater a propagação do vírus e poupar vidas. Espalhados pelo mundo, brasileiros se adaptaram às mudanças impostas pelos governantes dos países em que residem.

Na China, rotina está voltando ao normal

Diego vive na China desde 2005 (Foto: Arquivo Pessoal)

Vivendo em Dongguan, na China, desde 2005, o empresário Diego Klaus, 36 anos, natural de Campo Bom, no Rio Grande do Sul, relata que a vida no país está voltando ao normal. Contudo, aponta que na sua cidade todas as pessoas seguem usando máscaras. “Tivemos duas semanas de quarentena em casa após o dia 8 de fevereiro, quando voltamos do Brasil. Ficamos em isolamento social até 1º de março, com todos os estabelecimentos e restaurantes fechados, mas podíamos sair de casa”, conta Diego.

Europa ainda exige colaboração da população

Ao contrário da orientação ao país asiático em meados de abril, na Europa a situação ainda exige a colaboração maciça da população. Em Roma, capital da Itália, a orientação do governo é de isolamento total. Previsto inicialmente até 13 de abril, foi prorrogado para 4 de maio. Apenas supermercados, farmácias e locais para pagamentos de contas estavam abertos até esta terça-feira, dia 14, segundo Janaína Aguiar Pereira, 47 anos, gaúcha de Rosário do Sul. “Estou em isolamento há um mês. Inclusive, no meu prédio não mora quase ninguém, então, até aqui estou isolada, porque são poucos andares e só tem uma guest house (estabelecimento comercial que oferece quartos a turistas), que está fechada, porque trabalha com turismo”, comenta Janaina.

A consultora de imagem mora no país há 17 anos e afirma que não pensou em retornar ao Brasil por causa da pandemia. “Já moro aqui há muitos anos. Decidi ficar e encarar isso junto com os italianos”, reforça ela, que aprova a maneira como o governo está lidando com a situação, embora pense que as decisões foram tomadas tardiamente. “Há policiais, bombeiros, militares o tempo todo na rua, multando e atacando as pessoas, seja em carros ou a pé. Realmente, Roma está respeitando o isolamento”, completa Janaína. “Só assim para poder dar um stop na pandemia. Acho que o governo foi rígido, mas justo”, diz. O período de isolamento é, contudo, uma mistura de sentimentos. “No início é de incredulidade. Depois, tédio, por vários dias e aquela falta de liberdade. Junto disso veio a impotência, e agora é gratidão por estar viva. Mas, acima de tudo, acho que ainda está a tristeza, pelas pessoas que sofreram com a doença e as que perderem a vida em razão dela. O ser humano ficou impotente diante disso”, finaliza Janaína.

Vivendo desde julho de 2018 em Reims, na França, a gaúcha de Dois Irmãos Deborah Ferraz Manfredini, 26 anos, está em isolamento desde o dia 17 de março. No país, estão abertos supermercados, farmácias, clínicas veterinárias, hospitais, tabacarias, mecânica e hotéis. Há quase um mês, a rotina dela mudou completamente. “Estou assistindo séries e filmes, lendo livros e estudando sobre vinhos”, diz Deborah, afirmando que nem todos os franceses respeitam o isolamento. “No início sim, porém, depois da terceira semana e com a chegada da primavera, as pessoas têm se deixado levar e saído de casa com mais frequência, passando mais tempo fora.” Sobre as medidas adotadas pelo governo francês, Deborah aponta falhas. “No início achei boas e coerentes, porém, com o passar do tempo parece que estão esperando que a situação se resolva por si só, pois as únicas reais medidas foram o isolamento social e o confinamento. Não houve testes para a população em massa, nem distribuição de máscaras, álcool ou luvas para proteção quando saímos ao supermercado, por exemplo.”

Janaína (esquerda) mora na Itália há 17 anos (Foto: Arquivo Pessoal). Deborah (dir.) está em isolamento desde o dia 17 de março na França (Foto: Arquivo Pessoal)

Há 10 anos na Espanha, o paulistano Ary Santos, 38 anos, ex-jogador de futsal do Barcelona, é coordenador esportivo do clube de futsal CCR/Gavà, em Barcelona. Com isolamento previsto até 10 de maio, o retorno ao trabalho também é incerto. “Não temos previsão se essa temporada vai acabar e quando irá começar a próxima. Muitas crianças vão perder metade do ano letivo e atividades esportivas”, comenta Ary, destacando que há muitas notícias diferentes a todo o momento. “O governo não sabe muita coisa; a cada semana chega uma informação nova, por isso deixei de ver notícias. Espero que acabe logo tudo isso”, diz ele.

Sobre a população, Ary reconhece que os moradores estão cooperando com as regras de isolamento, uma vez que estão sujeitas a multa caso saiam para a rua. “Para ser sincero, não sei se está servindo muito, pois os contágios continuam altos. Além disso, muita gente está perdendo dinheiro e emprego por não trabalhar. É uma situação complicada de opinar, se o isolamento é correto ou não”, completa.

Na Alemanha, brasileira com sintomas da doença não teve acesso a teste

Morando na Alemanha desde setembro de 2018, a gaúcha Tainara Gomes dos Santos, 24 anos, enfrentou o medo da doença após ter contato com uma amiga que testou positivo para a Covid-19. “Fui obrigada a ficar em isolamento por 14 dias, período em que tive tosse seca e dor no peito na hora de respirar”, conta a brasileira, que é estudante da área de alimentos e estagiária em uma loja de produtos alimentícios. Mesmo com os sintomas, ela não pôde realizar o teste, uma vez que eram destinados, preferencialmente, aos grupos de risco. “Eu só poderia fazer o teste se tivesse febre”, diz a gaúcha, que já voltou ao trabalho.

Mesmo com sintomas da doença, brasileira não foi submetida ao teste do coronavírus (Foto: Arquivo Pessoal)

Sobre a situação geral do país, Tainara destaca que o isolamento já dura mais de um mês. “Nas primeiras três semanas, ninguém estava nas ruas, a não ser para ir ao mercado; mas lá não se via quase nenhum cliente, era engraçado, pois nas prateleiras não havia mais mercadorias”, conta ela, lembrando que as pessoas compravam comida para estocar em casa. “Nestas duas últimas semanas, as pessoas começaram a sair aos poucos para praticar esportes, andar de bicicleta ou caminhar na floresta, por isso foi decretada a regra de no máximo três pessoas juntas”, completa, dizendo, contudo, que há pouco movimento nas ruas. “É muito triste. Estamos torcendo para que tudo isso passe; não aguentamos mais ficar em casa”, diz. Por enquanto, as únicas coisas que seguem funcionando no país são açougues, farmácias, drogarias, mercados, padarias e confeitarias. “Na minha região, nas padarias e confeitarias, entram no máximo duas pessoas por vez. Já nos açougues, farmácias e drogarias pode entrar a quantidade que for, mas deixando 1,5 metro de distância entre um e outro. No mercado só entramos com carrinho”, conclui.

“Não queria que esse meu sonho australiano terminasse tão cedo”

Natural de Dois Irmãos, o designer gráfico e publicitário Gustavo Marmitt, 26 anos, mora na Austrália desde outubro de 2018. Questionado se em algum momento pensou em voltar para casa, pende entre o sim e o não. “Estar junto da família nessas horas é muito mais confortável, mais seguro. Sinto muita falta de casa, mas também sei que voltar agora seria muito arriscado. Por isso, entendo que, nesse momento, é seguro ficar onde estou, aqui na Austrália. Espero que as coisas melhorem e voltem ao normal. Não queria que esse meu sonho australiano terminasse tão cedo”, diz ele.

Gustavo segue trabalhando, mas, segundo ele, tomando os cuidados necessários. “Trabalho de luva o tempo todo, mantenho distância, lavo as mãos, passo álcool gel, chego em casa e logo troco de roupa para me proteger”, diz ele, afirmando que grande parte da população se mostra consciente diante da pandemia. “A grande maioria está respeitando, ficando em casa, e muito disso se deve à fiscalização rigorosa do governo, que não quer que pessoas saiam à toa”, diz Gustavo, apontando, porém, fluxo intenso em algumas praias australianas. “Algumas delas foram fechadas, outras seguem abertas. Porém, não é permitido ficar sentado; estão liberadas apenas para a prática de exercícios físicos, por exemplo”, conta o jovem. Outra mudança que ocorre na Austrália é em relação à forma de pagamento, incentivando as compras com cartão de crédito em substituição às cédulas de dinheiro. Com a pandemia, estão funcionando apenas farmácias, mercados e outros serviços que podem atuar por tele-entrega.

Gustavo segue trabalhando na Austrália, mas reafirma a importância de cuidados básicos (Foto: Arquivo Pessoal)

Na Irlanda, jovem elogia ajuda do governo

Em Dublin, na Irlanda, Cleiton Martins, 23 anos, está em isolamento há um mês. Lá, há duas semanas decretaram o chamado lockdown até o dia 5 de maio, ou seja, as pessoas só podem sair de casa para ir ao mercado e farmácias. Natural de Socorro, em São Paulo, o jovem é estudante de inglês e trabalha com serviços gerais. “Há quatro semanas que não estou trabalhando nos dois empregos. Os dois locais, um hotel e um prédio comercial, estão fechados”, comenta ele. “Com o lockdown indo até o dia 5 de maio, completarei dois meses sem trabalhar e estudar, mas pelo menos o governo vem ajudando financeiramente”, diz Cleiton. O governo da Irlanda está apoiando com 350 euros semanais quem não pode trabalhar por conta do isolamento. O benefício vale tanto para irlandeses quanto para estrangeiros regularizados.

Dispensado dos dois empregos, Cleiton está recebendo ajuda do governo (Foto: Arquivo Pessoal)

Para quem segue trabalhando, também há regras. “Os que precisam trabalhar em locais que ficam a mais de dois quilômetros de distância necessitam autorização para ir a estes lugares”, conta Cleiton. Vale lembrar que as pessoas podem se exercitar apenas em um raio de dois quilômetros de sua casa e usar o transporte público próximo de sua residência. Restaurantes só podem fazer entrega em um raio de quatro quilômetros de onde estão localizados. “Perdemos a nossa rotina do dia. Moro com outros brasileiros, então consigo conversar bastante, invento jogos, cantamos e bebemos. É assim que tentamos nos distrair nesse momento”, conta Cleiton, que mora com mais três estudantes brasileiros.

Outro brasileiro que vive no país é William Hartmann, 25 anos. Ele mora em Cork e também teve o contrato de trabalho suspenso. Era funcionário de uma panificadora. Assim como Cleiton, receberá ajuda financeira. “O governo disponibilizou o benefício para todos que tiveram impacto no trabalho, mesmo para estrangeiros com visto apenas de estudante, que legalmente não tinham direito”, explica William.

A partir do lockdown, segundo o brasileiro, foi intensificada a fiscalização nas ruas. “Na semana passada o ministro da Irlanda divulgou comunicado autorizando a Garda (polícia irlandesa) a aplicar punições mais severas para quem não cumprir as ordens. As punições podem chegar a seis meses de prisão ou 2.500 euros de multa”, completa.

William voltaria ao Brasil em maio, o que pode não ocorrer em razão da pandemia (Foto: Arquivo Pessoal)

Asmático, William vem redobrando os cuidados neste período. “Moro com mais quatro pessoas, um brasileiro, uma polonesa, um espanhol e um casal irlandês. Ao mercado eu mesmo tenho ido, mas usando máscara, luvas e tomando todos os cuidados possíveis. Vou uma vez por semana e faço todas as compras necessárias, e quando preciso de algo extra, peço para alguém”, conta o jovem, comentando sobre o isolamento. “Tem sido um momento complicado e angustiante, por eu ser do grupo de risco essa aflição e angústia aumentam um pouco. Mas o fato de poder ficar em casa e ter suporte do governo irlandês me deixa mais tranquilo”, diz ele, que voltaria para o Brasil em maio. “Ainda não sei como estarão as coisas até lá. O governo também estendeu automaticamente por dois meses todos os vistos que venceriam até o dia 20 de maio. Então, se precisar, posso ficar aqui até julho”, conclui.

Isolamento total em alguns estados dos EUA

Apesar de a Casa Branca ter feito uma recomendação que as pessoas fiquem em casa, não se reúnam em número maior do que 10 e evitem, se possível, trabalhar na rua, cada estado dos Estados Unidos pode agir independentemente. Contudo, todos já fecharam as escolas e cancelaram eventos. Os estados da Califórnia e de Connecticut já estão fazendo o lockdown. Foram fechados restaurantes, bares e outros comércios. Em alguns estados, como Alabama e Arkansas, por exemplo, optou-se pela liberação de bares e restaurantes. A orientação federal não se aplica a mercados, farmácias e hospitais.

Moradora da Califórnia há três anos, a professora Elissandra Silva, 35 anos, natural de Gravataí, está em isolamento desde o final de março. “Oficialmente começamos dia 26 de março o lockdown em nosso condado, mas os parques, escolas e igrejas já estavam fechados desde a metade do mês”, destaca a educadora, que busca alternativas para se ocupar durante este período. “Pratico exercícios ao ar livre, leituras, filmes, séries, cozinho mais do que o normal e, como uma boa dona de casa, dou aquela organizada por cada canto”, conta Elissandra, aos risos.

(Arte: Thaís Lauck/Beta Redação. Fonte: IBGE)

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