Breaking: nova modalidade olímpica é também um meio de descoberta pessoal
Apesar das potencialidades, It’sa Gonçalves e FaBgirl relatam que o esporte ainda reproduz cultura machista e sexista
Nas Olimpíadas de 2024, que serão realizadas em Paris, na França, um dos esportes que fará sua estreia no evento é o breaking. Considerado não somente um esporte, mas também uma arte, o breaking consiste em competições de dança entre dois atletas, com dois rounds para cada. O DJ coloca uma música dentre estilos como hip-hop, rap e funk soul, e, a partir disso, o competidor desenvolve sua criatividade e habilidades naquele ritmo.
“É uma mistura de diálogo corporal com acrobacia, movimento de chão e a sua personalidade”, descreve It’sa Gonçalves, atleta de breaking e integrante do Cirque du Soleil. Aos 23 anos, ele já conquistou dois títulos nacionais na modalidade. Hoje, porém, está afastado da arte que ama por não se sentir incluído nas categorias de gênero existentes.
Já Fabiana Balduina, conhecida como FaBgirl, de 39 anos, define o breaking como “uma dança radical que te faz virar de ponta-cabeça". Segundo ela, é necessário muita coragem e habilidade para ouvir os rumos do coração. “Ele te dará os melhores caminhos”.
O breaking é dividido nas modalidades B-Boys, para o sexo masculino, e B-Girls, para o sexo feminino. Apesar de ter competido na categoria B-Girl, It’sa, uma pessoa não-binária que prefere utilizar pronomes e adjetivos masculinos, não se identifica com um dos dois gêneros. Mesmo assim, explica que foi bom ter competido, pois isso ofereceu a ele experiência e atitude suficiente para poder dizer que hoje não precisa mais se enquadrar em categorias que não o representam.
“Não estou participando, porque não tem uma categoria para eu participar. Não posso colocar minha integridade emocional em jogo por causa de uma medalha olímpica ou um troféu de campeão nacional”, afirma It’sa.
FaBgirl iniciou sua trajetória no breaking em 2001, quando não existia a categoria B-Girl. Assim como It’sa, as dificuldades de inclusão atravessaram o caminho de Fabiana no esporte. “Foi um começo muito difícil por questões socioeconômicas desfavoráveis e também por questões enraizadas estruturalmente na sociedade, como o sexismo e o machismo”, coloca. Hoje, Fabiana se considera mais preparada e confiante para enfrentar esse tipo de preconceito, mas confessa que está cansada de precisar reafirmar essa luta constantemente.
It’sa ressalta que, ainda hoje, a cultura do breaking e do hip-hop é conservadora, masculinizada e machista. “Tem pessoas que vendem esse slogan de ‘hip-hop é paz, união, amor e diversidade’. Depende pra quem, porque, se for pra mulher, é sexualização, machismo e assédio que ela vai ter”, alega.
Sobre as relações de preconceito arraigadas à modalidade, FaBgirl concorda e faz analogia com a frase “a arte imita a vida”. Ela argumenta que o que há de pior na sociedade também está presente no hip-hop e no breaking. “Usamos esse slogan como forma de idealização de algo que gostaríamos que fosse. Você entra na cultura realmente acreditando nisso — eu acreditei por muitos anos — até perceber que a dinâmica é outra”, critica a veterana.
Apesar das dificuldades de inclusão, foi no breaking que ambos descobriram partes de suas personalidades que até então não conheciam. Fabiana, por exemplo, diz que o breaking permitiu a ela descobrir a força que tinha. “Eu nunca me achei alguém realmente talentosa e, de repente, me tornei a ‘FaBgirl’, que é referência, alguém que saiu em livros didáticos, que está na história da dança breaking do Brasil”, comenta.
Para It’sa, a arte e o esporte o ajudaram a se descobrir como pessoa LGBTQIA+. “Foi dentro dessas culturas que eu consegui me acessar mais, me encontrar, e perceber que estou bem. É a sociedade que está doente”. Segundo ele, o breaking ofereceu subsídios para que pudesse adotar uma postura de defesa, mas, acima de tudo, uma possibilidade de descoberta de si.
Breaking nos Jogos Olímpicos de 2024
Tanto It’sa quanto FaBgirl temem que, com a inclusão do breaking nos Jogos Olímpicos, a essência do esporte se perca. “Pode haver certa desconexão com o que realmente nos colocou nas Olimpíadas, que é a própria expressão da arte, mas isso é apenas uma previsão”, diz Fabiana.
Já It’sa espera que a vivência do hip-hop como cultura de rua possa ser transmitida. “Que seja uma coisa verdadeira. Não gostaria de chegar em 2024 e não conseguir reconhecer uma batalha de breaking”, revela. Ele deseja que a “bolha” seja furada, e que esse esporte deixe de ser visto como “algo de marginal”, semelhante ao que ocorreu com o skate em Tóquio. “Não é o breaking que precisa das Olimpíadas. As Olimpíadas é que precisam do breaking”, argumenta.
It’sa acredita nas chances do Brasil conquistar uma medalha em Paris, ainda que o país não invista suficientemente em estrutura para o fomento da modalidade. FaBgirl, por sua vez, trabalha para integrar a Seleção Brasileira nos próximos Jogos Olímpicos. Ela também acredita que o breaking, a partir de 2024, terá um “boom” mundial, gerando mais visibilidade ao esporte.
Enquanto trabalha no Cirque du Soleil, It’sa Gonçalves pratica o esporte que ama, apesar de estar afastado das competições. Ele espera que um dia possa retornar ao breaking em uma categoria em que se sinta incluído, mas também possui o sonho de construir uma escola focada na metodologia do hip-hop. O atleta escreveu um artigo sobre como se sentiu aprovado no hip-hop e desaprovado na escola regular. No texto, ele mostra que é possível unir o ensino padrão com o ensino dinâmico e de rua. “Esse é meu maior sonho, meu maior plano de vida”, finaliza.