Busca por melhores empregos gera alta nos pedidos de demissão

Cristina Bieger
Redação Beta
Published in
7 min readJun 10, 2022

O primeiro trimestre de 2022 apresentou as maiores taxas de pedidos de desligamentos no Brasil, segundo o CAGED

Por Cristina Bieger e diego mello

Mesmo com o desemprego em alta, o número de demissões voluntárias não para de crescer (Imagem: Flickr)

A pandemia, iniciada em 2020, fez o brasileiro se adaptar e reinventar, buscar novas soluções para problemas antigos e sair de sua zona de conforto. O trabalho na modalidade home office, se tornou um novo estilo de vida para quem busca mais tempo e economia. Essas mudanças fizeram o brasileiro, de modo geral, abandonar velhos hábitos e, inclusive, deixar o emprego em busca de novas e melhores oportunidades.

Nessa nova realidade, o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), órgão nacional que fiscaliza os empregos no país, registrou o maior número de pedidos voluntários de saídas do trabalho desde sua criação, em 1965. O destaque é para os três primeiros meses deste ano, onde os recordes foram atingidos mês a mês.

Em março, uma a cada três pessoas que desfizeram o vínculo empregatício foi por conta própria, resultando em 603 mil pedidos de demissão, o maior número desde janeiro de 2020. No âmbito nacional, o total do trimestre mostra 1,8 milhão de pedidos de demissão voluntária.

Desse modo, ao olharmos para os quase 12 milhões de desempregados, é natural que os números causem estranheza, porém, são diferentes diagnósticos que levaram aos pedidos de desligamento, como o trabalho informal, uma maior independência de horários, a exaustão, baixos salários e o estágio quase pós pandemia seriam os principais motivos.

Para Bruno Imaizumi, economista da LCA Consultores, dois motivos se destacaram: o primeiro é o início do processo de normalização do mercado de trabalho, onde muitas pessoas aceitaram empregos com remuneração menor durante os dois anos de pandemia e, agora, com uma melhora das questões sanitárias, elas voltam para posições mais condizentes com suas habilidades. Um segundo motivo, seria a volta ao trabalho presencial, aderido por muitas empresas, o que fez os trabalhadores repensarem as relações de trabalho e optarem em permanecer no home office, por questões como economia de tempo e dinheiro.

O que mostram os dados

Thais Waideman Niquito, doutora em Economia Aplicada, explica que para entender as demissões e o desemprego, são dois dados a serem analisados e de forma distinta. O primeiro sendo a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), pois “para ser considerada desempregada, uma pessoa deve estar buscando ativamente emprego, mandando CV, fazendo entrevistas, etc. Apenas estar sem ocupação não caracteriza desemprego. E a PNAD é a pesquisa que captura isso”, explica a especialista.

Gráficos demonstram a divisão de trabalho da população brasileira e a taxa de desocupação por regiões (Fonte: PNAD)

Desse modo, ao olharmos para os dados da pesquisa, percebemos que 11,1% da população está desocupada, o que em número, são quase 12 milhões de pessoas. Nesse índice, a região sul é a que possui o menor percentual, 6,5% do total, e a região nordeste é a que se destaca, com 14,9%.

“O CAGED, por sua vez, é mais um registro administrativo, de quantas pessoas foram desligadas e admitidas em um mês. Ele é declarado pelas empresas que tiveram essa movimentação, ou seja, captura apenas uma parcela do mercado de trabalho formal”, difere Thais.

Os dados mostram, portanto, um crescimento do número de pedidos de demissão voluntária desde o início da pandemia, em 2020. Em março daquele ano, foram 330,92 mil. Um ano depois, em março de 2021, o número subiu para 437,42 mil, crescimento de 38% na comparação entre os dois anos.

A opção pela mudança

Ana Paula Peres do Amaral é moradora da cidade de Alvorada e leciona no bairro da Restinga, na capital. Após o período de aulas on-line, a professora, que trabalhava 10 horas diárias dividida em duas escolas, optou por se desligar da escola de ensino fundamental, onde lecionava Artes, para trabalhar somente na escola de educação infantil, onde neste novo período, faz somente oito horas por dia. “São três horas, mais ou menos, gastas por dia no percurso, então estava muito puxado”, conta Ana.

As demandas somadas das duas escolas consumiam muito do seu tempo diário, reduzindo inclusive seu horário de almoço devido ao deslocamento. Com a escolha, Ana Paula ganhou tempo, já que não precisa sair mais tão cedo de casa para dar conta da carga horária. “Estou ganhando um pouco menos, mas com um horário bem melhor”, finaliza Peres.

Bruno, economista da LCA Consultores, explica essa mudança de pensamento das novas gerações. Enquanto antes o sucesso estava atrelado ao tempo de serviço em uma mesma empresa, hoje, principalmente o jovem, procura melhores oportunidades, mesmo que isso signifique trocar de empresa com mais frequência.

“O diagnóstico é que, na região Sul do país, percebemos maiores níveis de infraestrutura, de renda per capita e PIB per capita do que em outras regiões, permitindo que a parcela privilegiada da população priorize a qualidade de vida, tempo e trabalho remoto, ao invés do salário”, afirma Bruno.

Outro caso, é o de Luciana Macedo, moradora de Canoas e que trabalhava como enfermeira em um posto de saúde em Novo Hamburgo. O recente pedido de demissão foi em prol de um projeto próprio, na área da estética. “Sempre fomos uma classe desvalorizada, é uma linda profissão, mas não estava me sentindo realizada profissionalmente. A pandemia de Covid 19 nos deixou na linha de frente, sem saber o que esperar, precisávamos trabalhar dia após dia’’, relata Luciana.

Ao longo de toda a pandemia, Luciana trabalhou em Novo Hamburgo, e com a rotina, a grande quantidade de horas fora de casa e a falta de energia se tornaram problemas maiores, “Comecei a pensar em uma outra profissão que eu gostasse, que me desse mais qualidade de vida, que eu fizesse meus horários. A área da beleza sempre me encantou, e tem o cuidado semelhante à enfermagem. Mas um cuidado com a saúde e beleza, e não mais saúde e doença’’, explica Luciana.

A inspiração para o negócio próprio veio dos pais, além do desejo de ser dona do seu próprio horário e conquistar sua independência. Luciana desenvolveu seu trabalho voltada para o design de sobrancelhas, micropigmentação, unhas e cílios, sempre buscando novas técnicas e procedimentos para aumentar a experiência e assim, abrir seu próprio estúdio.

Página criada por Luciana no início do mês de maio (Foto: Rede social)

“Ninguém busca o trabalho informal, é a última opção que se tem em um momento de crise. Quanto ao empreendedorismo, tem que tomar cuidado para não romantizá-lo. Boa parte das empresas que são abertas fecham em pouco tempo. O que vimos nesses dois anos de pandemia, em geral, foi mais um empreendedorismo por necessidade”, complementa Bruno Imaizumi.

Outro exemplo é Janaina Mendel, de 34 anos, que em dezembro de 2021 pediu demissão de seu emprego de quatro anos como analista de vendas para empreender e trabalhar apenas com a fotografia. “Houve muita demanda e serviço nos primeiros meses, mas mesmo assim ainda me sobravam dois dias livres na semana, o que para uma pessoa muito ativa como eu, não estava me fazendo bem. Mesmo trabalhando fotografando pessoas, faltava aquele clima organizacional. E no início de um novo negócio, sabe-se que o investimento muitas vezes é maior que o lucro, então, em abril desse ano voltei a trabalhar como CLT em uma empresa, a fim de me manter 100% ativa no mercado, e aumentar a renda”, explica.

Janaina ainda sonha em trabalhar somente com a fotografia, que é sua paixão (Foto: enviada pela entrevistada)

Para Janaína, a decisão de mudança trouxe um misto de sentimentos, como arrependimento, medo, dúvidas, euforia e insegurança, mas ela não voltaria atrás da decisão que tomou. “É preciso saber lidar muito bem com o emocional nesse período, eu não consegui sozinha, e procurei ajuda médica. O retorno financeiro é demorado em um início de negócio, minha sorte sempre foi ter meus pais com o capital de giro deles. Caso não fosse isso, acredito que sozinha eu não teria conseguido”, complementa. Apesar disso, ela ainda sonha em conseguir trabalhar somente com a fotografia.

Outro projeto iniciado de forma indireta foi a Anira — Comida Natural, idealizado e concretizado por Joice Schneider. Ela, que anteriormente trabalhava como CLT e produzia pães de fermentação caseira nas horas vagas, tomou a decisão de empreender com a marca devido ao grande número de vendas e questões de saúde do pai. Nesse caso, o trabalho em casa proporcionou ajudá-lo de forma mais próxima e fácil.

Nesse processo de troca, Joice comenta que o medo e a insegurança foram sentimentos muito presentes. “Bem no início, quando tive a ideia, já contatei uma consultoria voltada para mulheres empreendedoras. Essa consultoria me deu muita segurança e foi fundamental para o planejamento e organização do negócio”, explica.

Joice começou a produção em casa, o que reduziu os gastos com o aluguel, além da ajuda do pai, tornando as coisas mais fáceis. “Quando a gente começa a empreender, principalmente empreendedora solo, a renda, comparada com o que eu recebia antes era muito menor, mas como eu tinha um planejamento e sabia os passos que queria dar, eu sabia que isso era por um momento. Eu tinha essa segurança”, complementa Joice.

Joice se dedica à produção de alimentos orgânicos e naturais (Foto: enviada pela entrevistada)

Apesar da profissão atual ser uma renda suficiente, Joice comenta almejar mais, crescer e evoluir para aumentar a renda. “Eu não voltaria atrás da minha decisão, pois gosto muito do que faço, principalmente pelos propósitos da Anira, como a valorização dos produtores locais e dos alimentos orgânicos, que me motivam a continuar com esse trabalho. Isso pulsa muito forte dentro de mim”, finaliza Joice.

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