Células do amor e da esperança

Apesar das limitações no Brasil, uso de células-tronco anima pacientes como Mateus Barros, de Canoas, que busca recursos para fazer tratamento nos Estados Unidos

Dankiele Tibolla
Redação Beta
7 min readSep 12, 2017

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Mateus com o irmão Miguel, doador das células-tronco para ajudar o irmão (Foto: Arquivo Pessoal)

As pesquisas para uso de células-tronco como tratamento de câncer, doenças neurológicas, diabetes e doenças cardíacas, entre outros, vêm avançando no mundo inteiro. Mesmo apresentando evoluções aos pacientes que testaram o tratamento, o uso das células-tronco gera muitas polêmicas em vários países, principalmente no Brasil.

As células-tronco são células que têm a capacidade de se autorrenovar, podendo também se transformar em outras células e se multiplicar. Algumas são capazes de desempenhar funções específicas no corpo. Elas podem ser divididas em dois tipos: células-tronco adultas, que são células que podem ser encontradas no sangue do cordão umbilical e na medula óssea, responsáveis por repor outras células que morrem no nosso organismo, além de reparar tecidos danificados; e as células-tronco embrionárias, encontradas no embrião com no mínimo cinco dias de fecundação, estas responsáveis por originar órgãos e tecidos no corpo humano.

Desenvolvimento embrionário desde o zigoto até o indivíduo adulto. (Arte: RNTC — Rede Nacional de Terapia Celular)

Um dos casos mais conhecidos de tratamento com células-tronco é o da ex-atleta Laís Souza, 28 anos, que ficou tetraplégica depois de sofrer um acidente enquanto treinava para as Olimpíadas de Inverno. Após injeções de células na medula, ela voltou a ter sensibilidade em algumas partes do corpo.

Histórias como a de Laís são fios de esperança que fazem com que cada vez mais brasileiros decidam viajar para o exterior em busca desse tratamento. É o caso de Mateus Barros, seis anos, que no final do ano viajará para Carolina do Norte, nos Estados Unidos, em busca de melhorias no seu sistema neurológico.

Mateus Barros era um menino como qualquer outro, oriundo de uma família de seis filhos, morador de Canoas. Ele cresceu fazendo bagunça, pulando, falando, correndo e outras tantas sapequices que uma criança de três anos é capaz de fazer. Há três anos, no dia 4 de fevereiro de 2014, sua vida mudou. Mateus caiu na piscina de casa, ficou em parada respiratória por mais de 25 minutos, e a consequência disso foram várias sequelas. “O Mateus ficou 33 dias na UTI. Quando ele voltou do coma, era uma criança vegetativa, não comia, não mexia um dedinho”, relembra Denise, mãe do menino.

Quando Mateus ganhou alta, já não era mais o menino sapeca que todos conheciam, o rosto não expressava reação alguma, o corpo não apresentava movimentos. “Mateus foi para casa se alimentando por sonda, os bracinhos e as pernas dele eram muito rígidos, o que dificultava o manuseio da família com ele, não chorava, não sentava”, conta a fisioterapeuta Alessandra Sanches, que acompanha o menino desde o primeiro ano do acidente.

Mateus em sessão de fisioterapia. (Foto: Dankiele Tibolla/Beta Redação)

Segundo Alessandra, Mateus ficou com o sistema neurológico comprometido, mas depois de muita fisioterapia e fonoaudiologia começou a apresentar uma melhora significativa.

“Hoje ele não utiliza a sonda, come alimentos pastosos, consegue ficar sentado, consegue controlar o tronco com mais facilidade, chora quando não gosta de alguma coisa. São mudanças que certamente deram mais qualidade de vida para ele”, conta a fisioterapeuta.

Mateus se alimentando com a fonoaudióloga Gisele. (Foto: Dankiele Tibolla/Beta Redação)

Com a nova condição de Mateus, a família foi obrigada a se adaptar a uma rotina diferente. Na época, Denise Barros, que estava grávida de nove meses de Isabele (hoje com três anos), ainda desconhecia o estudo com células-tronco. “Eu ganhei a Isabele três dias antes de ele acordar do coma. A gente não sabia que ele poderia ter uma chance se eu tivesse colhido o cordão umbilical da Isabele, as células-tronco”, explica Denise.

Depois de procurar o Hemocord, banco de tecido e cordão umbilical, Denise resolveu engravidar novamente para fazer a coleta das células através do cordão umbilical, e assim nasceu Miguel.

Mateus era um dos 1 mil inscritos para receber o tratamento de células gratuito, mas devido ao fato de que as células não eram suas, não se encaixou no programa. “De 1 mil crianças inscritas, apenas 108 foram selecionadas, e ele estava nessas 108, porém as células tinham que ter 70% de compatibilidade e serem dele mesmo”, explica Denise. As células de Miguel são 50% compatíveis com o irmão.

Miguel brincando com o irmão. (Foto: Dankiele Tibolla/Beta Redação)

É através de venda de doces e eventos beneficentes que a família está arrecadando o dinheiro necessário para o tratamento. Em média, um tratamento desse porte custa em torno de R$ 180 mil.

Dificuldades do estudo no Brasil

Segundo Karolyn Sassi Ogliari, médica, pesquisadora e diretora geral do banco de células-tronco Hemocord, as principais dificuldades dessas pesquisas no nosso país se relacionam com as burocracias e as taxas de impostos para trazer a matéria-prima. “Além das agências reguladoras, que engessam muito o processo, tem material testado e aprovado pelo FDA (Food and Drug Administration, nos EUA) para uso em seres humanos e pesquisa com células humanas, porém, se não houver registro no Brasil, não pode ser utilizado. Esse registro, que é de valor altíssimo e abusivo, acaba impedindo até que medicações novas e aprovadas no exterior entrem no Brasil”, explica Karolyn, que também é professora do curso de Medicina da Unisinos e tem no currículo um pós-doutorado pelo Instituto de Células-tronco de Harvard (Harvard Stem Cell Institute), nos Estados Unidos.

Potencial das células-tronco. (Arte: RNTC — Rede Nacional de Terapia Celular)

Outra questão que dificulta esse tratamento e joga contra é a cultura religiosa. As pesquisas com células embrionárias ainda recebem muitas críticas de algumas linhas religiosas, que consideram os embriões como uma vida em formação.

No Brasil, existe apenas a legislação para células-tronco embrionárias. Segundo a Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005, é autorizada, apenas para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro, que sejam inviáveis ou congelados no mínimo por três anos. É necessário o consentimento dos genitores. Na Tailândia, um país de cultura religiosa budista e de leis menos severas, o tratamento com células-troncos já é comercializado.

De acordo com Karolyn, a pesquisa é permitida no Brasil e na maioria dos países, com todos os tipos de células-tronco, desde que tenha sido devidamente aprovada por comitês de ética. “O uso de células-tronco hematopoiéticas, as que são provenientes da medula óssea de um adulto ou extraídas da placenta e sangue do cordão umbilical, são usadas em tratamentos no Brasil e no mundo há anos. Essas células são utilizadas desde a década de 50 em transplantes de medula óssea. O sangue de cordão umbilical é utilizado para o mesmo fim, no mundo, há quase 30 anos. Estudos têm mostrado que as células-tronco contidas no sangue de cordão umbilical possuem propriedades especiais, pois são coletadas ainda quando bem jovens. Com isso, quando utilizados em transplantes, têm proporcionado menores índices de rejeição pós-transplante e menor índice de recidiva (reaparecimento da doença ou sintoma), refletindo em uma maior sobrevida após o transplante.”

Existe uma certa burocracia, no processo de autorização, para viajar a outros países e fazer a implantação de células-tronco. Para quem necessita ou conhece alguém que gostaria de participar dos testes, Karolyn cita cinco passos:

1- O primeiro passo é certificar-se que todo o tratamento disponível e já aprovado para a determinada doença está sendo proporcionado ao paciente em questão, e esse não deve ser abandonado;

2- Deve-se consultar o banco de dados de referência mundial para averiguar se há ensaios clínicos (tratamentos em pacientes de forma experimental) em andamento e recrutando pacientes para testar um determinado tratamento. Os ensaios clínicos nessa fonte são realizados em instituições hospitalares e passam por aprovação em comitês de ética para pesquisa;

3- Entrar em contato com o centro e ver se o paciente se encaixa nos critérios de inclusão da pesquisa para aquele tratamento. Em caso positivo, seguir as instruções da própria instituição, tais como realizar a entrevista de triagem pelos profissionais de saúde e assinar consentimento informado;

4- Geralmente, a própria instituição fornecerá um documento de comprovação de participação de estudo clínico em instituição internacional para que seja providenciado visto de viagem específico;

5- Sempre haverá interação entre os médicos que tratam o paciente no país com a equipe médica responsável pelo ensaio clínico.

Quem quiser ajudar o pequeno Mateus pode participar de um almoço beneficente no dia 08/10, ao meio-dia, no valor de R$ 20, na Rua Tupi, 228 — Santuário São Cristóvão, bairro Igara, em Canoas (RS), ou acessar:

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