Carinho no fim da vida

Cuidados paliativos não prometem a cura, mas conferem conforto aos pacientes

Matheus Miranda
Redação Beta
5 min readNov 21, 2018

--

Respeitar a autonomia dos pacientes é a premissa da equipe de cuidados paliativos do Hospital Santa Casa. Foto: (Matheus Miranda/Beta Redação)

Há seis meses um diagnóstico mudou o horizonte da aposentada Maria*, 60 anos, hospitalizada na Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. Acostumada às caminhadas e à alimentação saudável, ela hoje enfrenta um câncer de rim, que não tem mais chance de ser tratado.

Vista como uma mulher que sempre tomou conta da própria vida, além de ser o norte da família, Maria gostaria de ter mais tempo para fazer as coisas que não fez. “Sempre trabalhei e me cuidei muito. Fazia caminhadas, tinha uma alimentação saudável. De seis meses para cá, parei aqui no hospital, com um câncer. Minha cabeça deu um nó”, relata a paciente.

Segundo o médico Fernando de Abreu e Silva, Maria não tem um bom prognóstico: “É um câncer de rim. E o câncer se comporta como uma planta. Ele manda raízes para lugares diferentes. E as raízes do câncer vieram acompanhadas de metástases”, explica. “O que se pode fazer por ela é dar uma boa qualidade de vida enquanto durar a vida dela, pois o que ela não quer é sofrer”, diz o médico.

É em momentos como esse que entram práticas médicas que aliviam e dão suporte no fim da vida. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), os cuidados paliativos consistem na assistência promovida por uma equipe médica multidisciplinar, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida do paciente e de seus familiares, conferindo prevenção da dor e alívio do sofrimento, além de tratamento de demais sintomas físicos, sociais, psicológicos e espirituais.

“Ela tem uma doença avançada, que não tem possibilidade de tratamento, nem de quimioterapia, e o máximo que estamos fazendo são todos os cuidados para manter a qualidade de vida dela”, reforça Karine Zancanaro, enfermeira líder do Programa de Cuidados Paliativos da Santa Casa, que acompanha o caso de Maria.

Ainda que esteja ciente de sua condição e procure aceitar o fato de estar diante de uma doença que ameaça a sua vida, Maria busca uma esperança. “Aqui no hospital estou sendo bem tratada pela equipe de médicos e enfermeiros. É um tratamento muito bom. Só que, no fundo, está difícil enfrentar a doença. Dizem que não tem conserto. Mas, para Deus, nada é impossível. Estou lutando, pedindo a Deus que me guie. Entreguei nas mãos Dele. Tenho fé”, diz, esperançosa.

Falar sobre morte é doloroso e nem sempre aceitável. Sobreviver torna-se um anseio. Na visão do médico Fernando de Abreu e Silva, a sociedade evita falar sobre o assunto, pois mexe muito com as emoções do ser humano. “A morte é inevitável, precisamos entender isso. E só passamos a apreciar bem a vida quando entendemos que existe a morte e procuramos encontrar sentido na vida. O sentindo da vida é aquele que tu mesmo dá para ela”, reflete.

O paciente que está sob cuidados paliativos é incentivado a falar sobre a própria morte, decidindo como será esse momento. “Poder falar sobre o teu próprio fim de vida, sobre tua mortalidade e escolher a roupa que quer vestir, se quer ser cremada ou sepultada é muito importante. É sentir-se humana, presente e dona de sua situação até na hora da morte”, destaca Fernando.

Mesmo com mais de 50 anos de profissão, Fernando enche os olhos de lágrima ao falar sobre a dor dos pacientes. “É emocionante lidar com cada paciente, porque cada um deles tem uma maneira de enfrentar a mortalidade. Para mim, tem sido importante compreender e confortar essas pessoas”.

Proteção nos últimos momentos

Uma pesquisa divulgada pela Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP) afirma que menos de 10% dos hospitais brasileiros têm equipes preparadas para oferecer esse tratamento. São apenas 177 programas registrados nos 2.500 hospitais brasileiros com mais de 50 leitos, sendo que a maior parte desses serviços se concentra na região Sudeste.

A Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre faz esse trabalho há 5 anos. “Esse movimento do surgimento dos cuidados paliativos é relativamente recente e vem para trazer a humanização, trabalhando muito a questão de autonomia do paciente, na qual ele possa participar da tomada de decisões. É fundamental ter comunicação para que essa autonomia seja estabelecida”, explica Rodrigo Castilho, médico e coordenador do Programa Gerenciado de Cuidados Paliativos do hospital.

Na opinião de Rodrigo, os hospitais não oferecem equipes de cuidados paliativos por questões culturais. O avanço da tecnologia acabou afastando a possibilidade da morte, curando doenças que antes eram consideradas irreversíveis: “A morte começou a ser inaceitável. Houve uma não aceitação da morte. Parou de ser um processo natural. As pessoas não podiam mais morrer”, explica o médico. “Os cuidados paliativos têm se desenvolvido, relativamente, de uma forma muito recente. É algo que está sendo restaurado neste século”.

Outro fator resulta na escassez de equipes especializadas de cuidados paliativos: a falta de disciplinas que falem sobre o tema nos cursos de medicina. Segundo a Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP), dos 302 cursos de graduação em medicina no país, somente 14% oferecem disciplina sobre o assunto. Em apenas 18 cursos (6%) a cadeira está no currículo obrigatório. “Nós, profissionais da saúde, não temos em nossa formação a ideia de como cuidar do paciente dessa forma. Então, temos que buscar esse conhecimento para poder trabalhar na área”, considera Rodrigo.

A equipe de cuidados paliativos é orientada a não focar na doença, tornando-a um problema secundário. Existem outros cuidados que podem melhorar a qualidade de vida dos pacientes. “Nós focamos nos indivíduos, e aquilo que eles nos trouxerem, que esteja afetando em todos os aspectos de suas vidas, é o que nós vamos melhorar”, explica a enfermeira Karine. A filosofia dos cuidados paliativos é de que o ser humano não é composto apenas pelo lado físico. “Precisamos estar cientes de que as pessoas são compostas por questões sociais, emocionais e também espirituais. A questão espiritual entra para o cuidado integral do paciente”.

Para Rodrigo, é importante que não se desista do paciente, e que haja um esforço para que ele sinta-se melhor. “ É necessário que se perca o preconceito e que se aprenda, tanto a sociedade como a área médica e hospitalar, que cuidado paliativo é para aumentar o tempo de vida, proporcionando proteção, estimulando a vida dos pacientes, respeitando suas vontades e cuidando da família”, ressalta.

Para trabalhar com pacientes que enfrentam doenças que ameaçam a vida, Rodrigo considera fundamental que o profissional tenha empatia e que se coloque no lugar do outro. “Dar a notícia de que a pessoa tem uma doença terminal ou pouco tempo de vida gera desconforto. Mas se tivermos compaixão, mesmo diante da situação péssima que ninguém quer vivenciar, a gente vai saber o que é o melhor para aquele momento”.

O conselho de Maria, que há tempos não volta para casa, é que as pessoas aceitem as situações da vida e tenham felicidade. “Não leve a vida tão a sério. Não se estresse. Faça tudo com calma. Para tudo tem uma solução. Não deixe de aproveitar a vida. Aproveita, faz tudo aquilo que tem vontade. Pois no decorrer do tempo nos preocupamos muito com o que os outros vão pensar a nosso respeito e deixamos de fazer várias coisas, de ser feliz”, finaliza.

*O nome da fonte foi omitido para preservar sua identidade.

--

--