Carnavalescos de Taquara resistem e lutam contra a intolerância

Carnaval de Rua de Taquara, evento que quase foi extinto, busca apoio para voltar a realizar desfiles

Karolina Bley
Redação Beta
8 min readMay 7, 2022

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Bateria da Escola de Samba Mocidade Independente do Jardim do Prado, no início dos anos 2000. (Foto: Reprodução/Facebook)

O Carnaval de Taquara, apesar de não muito conhecido fora do Vale do Paranhana, já foi um dos maiores da região. Atraía pessoas das cidades vizinhas, da Serra, do Vale dos Sinos, do litoral e da capital gaúcha. Iniciou fortemente com os bailes nos clubes sociais, teve seu auge com o Carnaval de Rua, e, nos últimos anos, enfrentou sua decaída e quase extinção. Como um Carnaval, que chegou a colocar cerca de 15 mil pessoas assistindo aos desfiles nas ruas, perdeu sua força?

Não há registros oficiais que confirmem a data do primeiro Carnaval em Taquara. Porém, no documentário “Origens do Carnaval de Taquara” — produzido por Vanessa Sanches, Maurício Sanches e José Lopes da Silva — os foliões mais antigos alegam que os bailes carnavalescos iniciaram na década de 30. Haviam três locais, fundados por imigrantes alemães, que concentravam esses bailes: Clube Comercial de Taquara, Sociedade 5 de Maio e Sociedade Atiradores. Os salões ficavam lotados e extremamente decorados. No Clube Comercial e no 5 de Maio, uma corte era eleita todos os anos. A Corte dos Solteiros e a Corte dos Casados. Já no Atiradores, ocorria o “enterro dos ossos”, quando todos iam mascarados para a festa.

Baile de carnaval no Clube Comercial de Taquara. (Foto: Reprodução/Facebook)

As festividades em Taquara foram crescendo, ao ponto de, nas décadas de 50 e 60, os bailes dos clubes receberem fantasias usadas no carnaval do Rio de Janeiro. No final dos anos 60, o ícone carnavalesco Clóvis Bornay chegou a prestigiar as festas realizadas pelos taquarenses.

Carnaval é resistência

O Carnaval costuma ser uma festa de celebração e acolhimento de todas as pessoas. Porém, por muito tempo, não foi assim em Taquara. Os clubes sociais tinham em suas cláusulas uma regra que proibia a entrada de pessoas negras em suas festas. Era o reflexo da sociedade racista que dividia a cidade, inclusive nos momentos de alegria, como no Carnaval.

Para as pessoas pretas, não seria essa proibição que os deixariam de fora da celebração. Em 1908, surgiu a primeira fundação de negros em Taquara, a Sociedade 13 de Maio, popularmente conhecida como Salão do Figueira. Lá, apenas negros entravam e eram realizados bailes anuais. Também comemoravam a data da abolição da escravatura no Brasil — motivo do nome do local. Já em 1948, surge a Sociedade Recreativa União da Mocidade, conhecida como Sociedade dos Morenos, com o mesmo intuito: realizar bailes anuais para aqueles que eram excluídos de outros clubes.

Na primeira imagem, a corte da Sociedade Flor do Sul (Salão da Palmira), na década de 70. Na segunda, único registro encontrado de Dona Palmira, ao centro. (Fotos: Reprodução/Facebook)

No ano de 1956, Palmira Antônia de Souza fundou a Sociedade Flor do Sul, chamada de Salão da Palmira. Esses três locais representavam a resistência dos taquarenses negros frente ao forte racismo da época. Os espaços eram utilizados para que realizassem seus próprios bailes de Carnaval e para que celebrassem sua cultura.

Não demorou muito para que os brancos começassem a apreciar ritmos musicais de origem afrodescendente. Palmira abriu suas portas àqueles que uma vez negaram sua presença. Então, na década de 70, iniciaram-se os carnavais com mistura de culturas em Taquara.

Hoje, o espaço onde localizava-se o Salão da Palmira é um terreno baldio e os bailes de carnavais seguem acontecendo, porém, somente com o Bloco Infantil do Clube Comercial. Esse é o Bloco mais antigo da cidade ainda em atividade, que teve seus carnavais acontecendo de forma ininterrupta, até a chegada da pandemia de Covid-19. A última edição ocorreu em fevereiro de 2020.

Um embalo para a economia

O Carnaval de Rua dos taquarenses teve início somente em 1986. O prefeito da cidade na época, Nereu Wilhelms, era um grande incentivador da festa. As escolas de samba foram formadas por foliões remanescentes dos bailes que ocorriam nos clubes e sociedades. Duas delas surgiram a partir de frequentadores do Salão da Palmira: a Escola de Samba Unidos da Pinheiro e a Escola de Samba União de Bairros.

Na década de 90 até meados de 2008, o Carnaval de Rua de Taquara movimentou com intensidade a região. Com presença de blocos carnavalescos de cidades como Osório, Novo Hamburgo e São Leopoldo, as escolas taquarenses conseguiam colocar desfiles completos na Rua Júlio de Castilhos, no Centro da cidade. Haviam carros alegóricos, mestre-sala e porta-bandeira, ala das baianas, instrumentos renovados para as baterias. A maioria dos materiais eram financiados por apoio de empresas privadas que patrocinavam o evento, já que o carnaval fazia a economia do município girar e se fortalecer.

Registro de um dos primeiros Carnavais de Rua de Taquara. (Foto: Reprodução/Facebook)

Mesmo fazendo parte do calendário de eventos de Taquara e ajudando no setor econômico e cultural da cidade, no final dos anos 2000, o Carnaval perdeu força. Uma das maiores festas brasileiras ainda era vista de forma pejorativa por muitos moradores, e, sem o interesse de empresas que antes apoiavam, os desfiles de carnaval deixaram de acontecer.

Segundo o documentário “Origens do Carnaval de Taquara”, existe mais de um fator para esse enfraquecimento, como a intolerância religiosa, o racismo, a falta de apoio e incentivo do poder público, e o acesso próximo ao litoral — o que afasta a população em feriados. Hoje existem apenas duas escolas de samba em Taquara, a Escola Mocidade Independente do Jardim do Prado e a Escola Unidos da Pinheiro, ambas com atividades limitadas.

Desfile da Escola de Samba Mocidade Independente do Jardim do Prado, no início dos anos 2000. (Foto: Reprodução/Facebook)

A tentativa de um resgate

Organizado pela sociedade civil, o último Carnaval realizado em Taquara foi em 2020. Intitulado de “Carnaval Cultural de Taquara”, o evento foi pago com recursos que os carnavalescos angariam durante o ano, sendo o poder público responsável somente pela logística, como disponibilização de policiais para segurança no local. Já a iluminação, sonorização e os artistas convidados ficam por conta das escolas de samba e do Coletivo Pró-Cidadania, responsável pela realização dos últimos carnavais. O Carnaval Cultural acontece na Rua Coberta de Taquara, sem desfiles, com os foliões tocando instrumentos e animando os que por ali passam.

Produtora do documentário “Origens do Carnaval de Taquara”, a representante do Pró-Cidadania, Vanessa Sanches, relata que com auxílio da Lei Aldir Blanc está sendo possível um projeto de retomada do Carnaval de Rua em Taquara. “Seguimos fazendo ações de fortalecimento ao Carnaval em 2021 e 2022. Estávamos perdendo interesse de ritmistas e, por meio de projetos culturais e da Lei Aldir Blanc, conseguimos reestruturar nossos instrumentos”, diz.

3º Carnaval Cultural de Taquara, realizado em fevereiro de 2020. (Fotos: Reprodução/Facebook)

Havia planos para que o Carnaval de Rua retornasse para Taquara ainda em 2022, fora de data, como em outros locais do país, mas os carnavalescos negaram. A ideia proposta pelo setor público era de realizar o evento em um salão fechado, o que, para as escolas de samba, não fazia sentido.

A reportagem conversou com Marianna de Almeida Cunha, representante do Departamento de Cultura da Secretaria Municipal de Educação, Cultura e Esportes de Taquara. Em conversa por telefone, Marianna afirmou que a Secretaria apoia o Carnaval e mantém contato com os interessados na realização do evento. Segundo ela, o Departamento de Cultura da cidade entrou em acordo com os integrantes das escolas de samba e com o Coletivo Pró-Cidadania sobre a não realização do carnaval em 2022.

A terceira edição do Carnaval Cultural de Taquara, realizada em 2020, foi o último carnaval que ocorreu na cidade. (Foto: Reprodução/Facebook)

O carnavalesco da escola de samba Mocidade Independente do Jardim do Prado, José Lopes da Silva, diz que as pessoas envolvidas no Carnaval de Rua de Taquara desejam não depender tanto da participação do poder público na realização das próximas edições. José gostaria de ver o retorno do Carnaval, com o mesmo público numeroso de antes, e com uma organização nova para o evento.

Para que o Carnaval em Taquara possa ocorrer sem depender de investimento da Prefeitura, Vanessa fala que os planos para 2023 é a busca por verbas. “Ficamos atentos a editais para ver se conseguimos financiamentos para toda a estrutura de uma festa de Carnaval de Rua. Desde segurança, sinalização, fantasias e outros elementos que precisam de recursos”, pontua a produtora cultural.

Enquanto isso, as escolas de samba buscam por recursos próprios, tanto financeiro, quanto para conquistar novos membros. Durante o ano todo, ocorrem ensaios e oficinas de percussão com as pessoas que ainda restam nas escolas, dos mais velhos aos mais novos. Ocorrem também as clássicas rodas de samba regadas à feijoada.

Com recursos da Lei Aldir Blanc, a Mocidade Independente do Jardim do Prado realiza oficinas de percussão. (Foto: Reprodução/Facebook)

José Lopes lembra com carinho do auge do Carnaval em Taquara. “O que mais sinto falta é a participação em massa do povo. Já conseguimos colocar cerca de 15 mil pessoas assistindo ao Carnaval de Rua, chegamos a ter 12 escolas de samba em Taquara. O desfile começava logo que caía a noite e terminava quando amanhecia, no dia seguinte. Era uma coisa muito boa, uma loucura. E aí, foi enfraquecendo. Sinto falta daquele empenho do pessoal e daquela força que tínhamos antes”, diz José, saudoso.

Quando questionada sobre como a população de Taquara poderia ajudar no fortalecimento da festa, Vanessa diz que precisam parar de ofender as festividades. “Nenhum outro evento cultural é tão xingado pelo taquarense quanto o Carnaval de Rua. Numa experiência recente, foram em grupos de Facebook reclamar sobre o barulho dos nossos ensaios. Eles ocorrem à tarde, não à noite. Quando são outros eventos culturais, não há essas reclamações”, coloca.

Zezo Crippa desfila como passista no Carnaval de Rua na década de 90. (Foto: Reprodução/Facebook)

Além disso, denuncia preconceitos da população: “Falam que não deve ser aplicado dinheiro público no Carnaval, que é para aplicar na educação e na saúde. É sempre esse tipo de discurso falso, para, na realidade, maquiar um preconceito que se tem contra a festa popular, que recepciona populações pobres, negras e LGBTQIA+. É uma festa que atende uma população que ninguém quer dar espaço”.

O carnavalesco José Lopes não consegue mais falar com tanta alegria sobre o evento que, um dia, já foi o mais esperado da cidade. “Participar de uma escola de samba em Taquara é muita luta. É lutar e resistir ao máximo contra a intolerância”, aponta, de forma franca.

Assista ao documentário “Origens do Carnaval em Taquara/RS”:

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