Centro cultural de Novo Hamburgo é restaurado

Casa das Artes, espaço fechado há mais de 20 anos, volta a ser ocupada por artistas de diversos segmentos e representa vitória para o município

Jéssica Mendes
Redação Beta
6 min readApr 5, 2019

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Fachada manteve arquitetura de sua construção, na primeira década do século XX. (Foto: Jéssica Mendes/Beta Redação)

Após 24 anos de espera, a população de Novo Hamburgo passou a contar novamente com um espaço cultural histórico da cidade. A Casa das Artes, antiga Secretaria Municipal de Educação e Cultura (Semec II), foi reaberta em 18 dezembro, após dois anos em processo de restauração. O local, que também abrigou o Instituto de Belas Artes de Novo Hamburgo (IBA), manteve preservadas a fachada e uma parede interna presentes em seu projeto arquitetônico desde a construção, na primeira década do século XX.

O novo espaço ganhou forma com uma sala de exposições de 170 m² e o auditório multiuso Kinho Nazário, com capacidade para 130 pessoas, que será palco de apresentações de teatro, música, saraus literários, seminários, oficinas e cursos temáticos. Uma sala de reuniões também foi projetada e poderá ser utilizada pelas entidades culturais cadastradas no município. Uma cafeteria deve ser aberta em breve no local.

A chefe de gabinete da Secretaria Municipal de Cultura (Secult), Melina Vianna, explica que a estrutura interna foi planejada para receber todos os públicos e variados tipos de projetos. “A sala de exposições é equipada e estruturada para as complexidades que uma exibição artística precisa, como locais para suspensão das obras”, diz. A casa também é equipada com rampas e elevadores para garantir a acessibilidade de pessoas com deficiência.

Sala de exposições, com 170m², tem estrutura para suspensão de obras e outros equipamentos apropriados para receber as mostras. (Foto: Jéssica Mendes/Beta Redação)

O espaço foi inaugurado com o trabalho de Cláudia Sperb, intitulado 30 Anos de Paixão — Xilogravuras, e desde então se mantém em uso por outros artistas escolhidos através de edital. Já o auditório passou a abrigar, na quarta-feira (3/4), a Mostra Cinemas do Brasil, que ocorrerá até o dia 15 de maio.

Amanda Kehl, 26 anos, é carioca e moradora de Novo Hamburgo há 13 anos. Sua segunda vez visitando o auditório do prédio foi no dia da abertura da mostra, para a sessão do filme 33 (2003), de Kiko Goifman, que faz parte do projeto Ciclos de Cinema 2019. Ela acompanha a cena cultural da cidade e avalia de forma positiva o espaço que, por estar em área central, chama atenção da população. “Além de ser uma opção muito boa para o consumo de cultura, é gratuita e os filmes são ótimos”, opina.

Meia década como espaço cultural

Um pedaço da história da Casa foi resgatado pelo historiador do Arquivo Público Municipal de Novo Hamburgo Paulo Daniel Spolier. Em 1958, conta o especialista, o local entrou para o cenário cultural da cidade. Ao ser doado para a prefeitura, abrigou a já existente Escola de Arte das Irmãs Emília Margret Sauer e Elisabetha Clara Sauer, passando a se chamar Instituto de Belas Artes de Novo Hamburgo (IBA).

Antes disso, a área contemplou a farmácia Campini, aberta em 1928 e que ficou em funcionamento por sete anos, até 1935, e o clube de treinamento para atiradores da Sociedade de Amigos do Tiro de Guerra nº 251. A sucessora Escola de Arte, após 10 anos no espaço, foi reconhecida pelo Ministério da Educação como o primeiro curso superior de Novo Hamburgo. Essa elevação serviu de incentivo ao movimento que criou a Associação Pró-Ensino Superior em Novo Hamburgo (Aspeur), que deu origem à Universidade Feevale.

Fachada do prédio antes da restauração. (Fotos: Arquivo Coletivo Consciência Coletiva)

Na sequência, com a saída do IBA, o prédio foi ocupado pela Junta de Alistamento do Serviço Militar, pela Secretaria Municipal de Educação e por órgãos vinculados ao Ministério de Educação e Cultura (MEC), como o Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral).

Com a inauguração do Centro Municipal de Cultura, em 1982, toda a parte administrativa da Semec foi transferida à Praça 20 de Setembro e o antigo IBA passou a se chamar Semec II, servindo de base para entidades municipais ligadas à cultura. O início da década de 1990 marcou a queda da atividade teatral no município e, consequentemente, a diminuição na ocupação do espaço. Aliado à falta de manutenção e à ação de vândalos, o prédio passou por um processo severo de deterioração, dando início aos movimentos pró-cultura, que perduraram até o início da sua restauração.

Coletivo Consciência Coletiva realizou diversas manifestações em prol da restauração do prédio. (Foto: Arquivo Consciência Coletiva)

Luta pela reabertura

Se hoje a área é ocupada e serve de núcleo cultural para a comunidade hamburguense foi porque, no passado, diversos movimentos culturais pressionaram o poder público pela sua reabertura, que chegou a ficar em ruínas devido ao abandono. Um dos grupos a encabeçar a busca por essa valorização foi o Coletivo Consciência Coletiva. A iniciativa nasceu em 2013, a partir de grupo de artistas de várias áreas que se juntaram para realizar intervenções e manifestações públicas para impedir a derrubada de prédios históricos.

O ex-integrante do Coletivo e artista Kauê Mallmann, 29 anos, participou das manifestações pela proteção e restauração da Semec II e conta que o grupo esteve diretamente ligado à restauração, criticando a situação de abandono do prédio. As manifestações se intensificaram quando, em 2015, parte da fachada desabou, atingindo e ferindo um pedestre que passava pelo local. “Tivemos muitas reuniões com a gestão municipal. A pressão do Coletivo foi constante, com idas ao jornal, manifestações públicas, protestos e intervenções”, diz Mallmann.

A pressão fez com que a prefeitura de Novo Hamburgo concretizasse o projeto de restauração, através de patrocínio da RGE Sul. O financiamento foi proporcionado pelo Pró-cultura RS — Lei de Incentivo à Cultura do Estado, com o apoio do IPHAE e planejamento e gestão das empresas Lahtu Sensu Administração Cultural e Cida Cultural.

Em maio de 2016, o prédio da antiga Semec II começou a ser restaurado. A importância da reabertura do local é reforçada por Mallmann. “Fico muito feliz com essa retomada, porque meu pai foi técnico de som e luz do Teatro Municipal por 10 anos. Eu fui nas últimas peças que ocorreram em 1994, quando tinha quatro anos, então, possuo um vínculo afetivo muito forte com aquele lugar”, comenta.

O artista avalia positivamente a restauração do prédio pela empresa responsável. Porém, critica o funcionamento do espaço que, segundo ele, está subutilizado. “Com exceção das mostras que têm acontecido com frequência, o auditório ainda não tem utilização e é o único público da cidade, já que o Teatro Municipal está fechado”, pontua. O Teatro Municipal Paschoal Carlos Magno, no Centro de Cultura, está em reforma desde o início de 2017.

Auditório possui 130 lugares e está disponível para ocupação através do decreto Decreto Municipal 8.565/2018. (Foto: Rafael Petry/Secult)

A Secult esclarece que busca incentivar a ocupação da Casa de duas maneiras: através de editais de seleção para o espaço da galeria e por meio das demandas da comunidade cultural, respeitando o Decreto Municipal 8.565/2018, que estabelece os valores de ocupação para o auditório Kinho Nazário. Os valores para ocupação são definidos conforme os preços cobrados do público. Espetáculos e eventos artístico-culturais realizados por entidades, coletivos ou instituições sem fins lucrativos com cobrança de ingressos, por exemplo, possuem preço fixo de R$ 50 para utilização do espaço.

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