Cerca de 716 mil pessoas vivem da agricultura familiar no Rio Grande do Sul

Atividade corresponde a 27% do PIB gaúcho, de acordo com a Fetraf-RS

Letícia Costa
Redação Beta
5 min readJun 16, 2021

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As famílias de Odari Justin, agricultor de 57 anos, e do agrônomo Rafael Hilário, de 31 anos, estão entre as 716 mil pessoas que sobrevivem da agricultura familiar no Rio Grande do Sul, de acordo com o último Censo Agropecuário, divulgado em 2017. A prática consiste na forma de cultivo de terra e produção rural, cuja administração e mão de obra são desenvolvidas por um grupo familiar. A trajetória das duas famílias que trabalham com a produção de orgânicos mostra que, embora ainda gere dúvidas quanto à viabilidade econômica, é possível sobreviver apenas do ramo sem dificuldades financeiras.

Ao lado da esposa, Justin já trabalhou em um sítio no Vale do Sinos considerado referência na prática de agricultura familiar. A trajetória dessa família ainda conta com a experiência vivida no norte do Brasil, que, posteriormente, contribuiria para a realidade da família atualmente. Uma conversa de Justin, natural de Itati, no Litoral Norte gaúcho, com um amigo do ramo o fez perceber que voltar para a sua terra para trabalhar por conta poderia ser uma decisão acertada. “Quando falei para o meu amigo que era do Vale Três Forquilhas, ele, que é um estudioso e conhece toda a prática geográfica do Brasil, disse que minha cidade tinha um dos melhores solos brasileiros. Isso me deixou muito pensativo”, conta.

A conversa que aconteceu ainda nos anos 90 fez com que Justin não tirasse aquela ideia da cabeça, e em 1992 começaram os planos para voltar para a terra natal, onde ele está hoje com seus familiares na produção de orgânicos. “Deduzi que, se quisesse mesmo trabalhar com orgânicos, a minha terra natal seria o melhor lugar, e aos poucos fui construindo o que tenho hoje”, destaca.

Odari Justin com a esposa e filhas na propriedade em que vivem em Itati. (Foto: Odair Justin/Arquivo Pessoal)

O agricultor, que mora com a esposa Marlene, as quatro filhas, genros e cinco netos em sua propriedade em Itati, conta que a renda das cinco famílias vem do mesmo lugar. “Dois genros trabalham comigo na parte da agricultura e as mulheres trabalham na agroindústria, industrializando os produtos que comercializamos. São cinco famílias que sobrevivem da agricultura e venda dos produtos”, explica o agricultor, que todos os finais de semana vem para Porto Alegre para a comercialização dos orgânicos na Feira Ecológica do Bom Fim, no Parque da Redenção.

Banca Cantinho da Natureza, da família de seu Odari, fotografada em um momento raríssimo de pouca movimentação. Na foto, as filhas atendendo. (Foto: Anahi Fros/Divulgação FEBF)

Justin ressalta que é muito grato aos consumidores da feira, que garantem o sustento e a oportunidade da família de manter a agricultura e esse estilo de vida. “É um sonho que vivemos, espero que minhas filhas, meus netos e todos nós possamos continuar sobrevivendo da agricultura, fazendo alimentos saudáveis e vivendo em um ambiente gostoso e saudável”, evidencia o agricultor. “Sempre digo que devemos ser alguma coisa diferenciada neste mundo, e é isso que procuro fazer aqui no meu cantinho”, finaliza.

A prática da agricultura familiar também é o sustento de Rafael Hilário e da esposa Mayara Barros Lima, 32 anos. O casal mora em um sítio no Lami, zona sul de Porto Alegre, e também comercializa produtos na Feira Ecológica do Bom Fim aos finais de semana, além de realizar a venda dos produtos nos bairros Tristeza e Auxiliadora.

O trabalho é a única fonte de renda da família e, segundo Hilário, varia de 2 a 3,5 salários mínimos para cada um, dependendo da época do ano. “É como qualquer outro, com suas obrigações e exigências, além de ser muito físico, tem que ver até quando o corpo aguenta”, destaca Hilário.

Os custos de produção, segundo o agrônomo, giram entre R$ 800 a R$ 2.100 por mês, dependendo do insumo que o casal precisa comprar. “Esterco, por exemplo, é algo que precisamos comprar muito de uma vez para valer a pena pagar o frete. Em algumas épocas, como na primavera, plantamos mais, e aí é que o custo sobe um pouco”, explica.

O sítio em que o casal vive é compartilhado por mais de uma família, que trabalha de forma dividida. A parte que fica sob os cuidados do agrônomo e da esposa tem foco na produção de rúcula. A prática na produção dos orgânicos não é uma tarefa difícil para o casal:

“Sempre quis viver disso, tive o privilégio de trabalhar só com isso na minha vida, tive contato antes mesmo da faculdade de Agronomia. O certo é ir adquirindo experiência para não colocar recurso fora”, conta Hilário.

Rafael Hilário e Mayara Lima pretendem seguir trabalhando apenas com a prática da agricultura familiar. (Foto: Rafael Hilário/Arquivo Pessoal)

O agrônomo conta que um dos principais argumentos que escutava ainda ao longo da faculdade era de que a agricultura orgânica não se viabilizava economicamente. Ele afirma que busca trabalhar focado na prática, para que possa manter a viabilidade econômica e não precise buscar outro emprego. Ao mesmo tempo, Hilário acredita que o fato de a cidade proporcionar bastante acesso ao mercado garante uma vida tranquila para o casal, que pretende aumentar a família em breve.

“O fato de termos a feira da Redenção e toda uma comunidade já construída há mais de 30 anos gera muita facilidade. Trabalhamos para continuar mantendo nossa renda apenas com a agricultura familiar”, destaca.

Trabalhadores da agricultura familiar no Rio Grande do Sul podem receber serviços de assistência da Emater, entidade que presta assistência técnica, extensão rural e social, classificação e certificação das propriedades. No caso do agrônomo Rafael Hilário, que já possui experiência no ramo, a assistência é para o controle de pragas e identificação de insetos na produção de orgânicos, ou eventualmente para tratar de alguma doença nas suas plantações.

(Gráfico: Letícia Costa/Beta Redação)

Ainda conforme o Censo Agropecuário de 2017, dos 365 mil estabelecimentos do Rio Grande do Sul, cerca de 293 mil, o que corresponde a 80,5%, são da Agricultura Familiar. A área ocupada por este tipo de cultura, 5.476.463 hectares, representa 25,26% da área do estado, de acordo com o balanço. Embora as dificuldades da pandemia, a agricultura familiar tem procurado se reinventar.

Nos casos de Hilário e Justin, o trabalho não parou, já que a Feira Ecológica do Bom Fim, no Parque da Redenção, não só manteve as atividades como ampliou o espaço para manter as condições sanitárias pela importância econômica para o setor. Mais de 99,9% dos feirantes que comercializam produtos no local sobrevivem de plantio e venda.

A agricultura familiar, de acordo com o coordenador da Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras da Agricultura Familiar no Estado (Fetraf-RS), Douglas Cenci, corresponde a 27% do Produto Interno Bruto (PIB) do Rio Grande do Sul. “É importante destacar ainda que a prática é uma das que mais empregam na região”, afirma.

Cenci ressalta que o trabalho dos agricultores é responsável por alimentar o estado e, de certa forma, contribui para a alimentação do país. “Isso porque, em nível nacional, produzimos cerca de 70% dos alimentos”, explica o coordenador da Fetraf-RS.

Cenci ressalta que o trabalho dos agricultores é feito com preservação da cultura, terra, água e o ambiente em si. “Quando falamos desta preservação, é porque a agricultura familiar, de acordo com os dados do próprio Cadastro Ambiental, consegue produzir conciliando a preservação”, finaliza.

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