Cerca de 716 mil pessoas vivem da agricultura familiar no Rio Grande do Sul
Atividade corresponde a 27% do PIB gaúcho, de acordo com a Fetraf-RS
As famílias de Odari Justin, agricultor de 57 anos, e do agrônomo Rafael Hilário, de 31 anos, estão entre as 716 mil pessoas que sobrevivem da agricultura familiar no Rio Grande do Sul, de acordo com o último Censo Agropecuário, divulgado em 2017. A prática consiste na forma de cultivo de terra e produção rural, cuja administração e mão de obra são desenvolvidas por um grupo familiar. A trajetória das duas famílias que trabalham com a produção de orgânicos mostra que, embora ainda gere dúvidas quanto à viabilidade econômica, é possível sobreviver apenas do ramo sem dificuldades financeiras.
Ao lado da esposa, Justin já trabalhou em um sítio no Vale do Sinos considerado referência na prática de agricultura familiar. A trajetória dessa família ainda conta com a experiência vivida no norte do Brasil, que, posteriormente, contribuiria para a realidade da família atualmente. Uma conversa de Justin, natural de Itati, no Litoral Norte gaúcho, com um amigo do ramo o fez perceber que voltar para a sua terra para trabalhar por conta poderia ser uma decisão acertada. “Quando falei para o meu amigo que era do Vale Três Forquilhas, ele, que é um estudioso e conhece toda a prática geográfica do Brasil, disse que minha cidade tinha um dos melhores solos brasileiros. Isso me deixou muito pensativo”, conta.
A conversa que aconteceu ainda nos anos 90 fez com que Justin não tirasse aquela ideia da cabeça, e em 1992 começaram os planos para voltar para a terra natal, onde ele está hoje com seus familiares na produção de orgânicos. “Deduzi que, se quisesse mesmo trabalhar com orgânicos, a minha terra natal seria o melhor lugar, e aos poucos fui construindo o que tenho hoje”, destaca.
O agricultor, que mora com a esposa Marlene, as quatro filhas, genros e cinco netos em sua propriedade em Itati, conta que a renda das cinco famílias vem do mesmo lugar. “Dois genros trabalham comigo na parte da agricultura e as mulheres trabalham na agroindústria, industrializando os produtos que comercializamos. São cinco famílias que sobrevivem da agricultura e venda dos produtos”, explica o agricultor, que todos os finais de semana vem para Porto Alegre para a comercialização dos orgânicos na Feira Ecológica do Bom Fim, no Parque da Redenção.
Justin ressalta que é muito grato aos consumidores da feira, que garantem o sustento e a oportunidade da família de manter a agricultura e esse estilo de vida. “É um sonho que vivemos, espero que minhas filhas, meus netos e todos nós possamos continuar sobrevivendo da agricultura, fazendo alimentos saudáveis e vivendo em um ambiente gostoso e saudável”, evidencia o agricultor. “Sempre digo que devemos ser alguma coisa diferenciada neste mundo, e é isso que procuro fazer aqui no meu cantinho”, finaliza.
A prática da agricultura familiar também é o sustento de Rafael Hilário e da esposa Mayara Barros Lima, 32 anos. O casal mora em um sítio no Lami, zona sul de Porto Alegre, e também comercializa produtos na Feira Ecológica do Bom Fim aos finais de semana, além de realizar a venda dos produtos nos bairros Tristeza e Auxiliadora.
O trabalho é a única fonte de renda da família e, segundo Hilário, varia de 2 a 3,5 salários mínimos para cada um, dependendo da época do ano. “É como qualquer outro, com suas obrigações e exigências, além de ser muito físico, tem que ver até quando o corpo aguenta”, destaca Hilário.
Os custos de produção, segundo o agrônomo, giram entre R$ 800 a R$ 2.100 por mês, dependendo do insumo que o casal precisa comprar. “Esterco, por exemplo, é algo que precisamos comprar muito de uma vez para valer a pena pagar o frete. Em algumas épocas, como na primavera, plantamos mais, e aí é que o custo sobe um pouco”, explica.
O sítio em que o casal vive é compartilhado por mais de uma família, que trabalha de forma dividida. A parte que fica sob os cuidados do agrônomo e da esposa tem foco na produção de rúcula. A prática na produção dos orgânicos não é uma tarefa difícil para o casal:
“Sempre quis viver disso, tive o privilégio de trabalhar só com isso na minha vida, tive contato antes mesmo da faculdade de Agronomia. O certo é ir adquirindo experiência para não colocar recurso fora”, conta Hilário.
O agrônomo conta que um dos principais argumentos que escutava ainda ao longo da faculdade era de que a agricultura orgânica não se viabilizava economicamente. Ele afirma que busca trabalhar focado na prática, para que possa manter a viabilidade econômica e não precise buscar outro emprego. Ao mesmo tempo, Hilário acredita que o fato de a cidade proporcionar bastante acesso ao mercado garante uma vida tranquila para o casal, que pretende aumentar a família em breve.
“O fato de termos a feira da Redenção e toda uma comunidade já construída há mais de 30 anos gera muita facilidade. Trabalhamos para continuar mantendo nossa renda apenas com a agricultura familiar”, destaca.
Trabalhadores da agricultura familiar no Rio Grande do Sul podem receber serviços de assistência da Emater, entidade que presta assistência técnica, extensão rural e social, classificação e certificação das propriedades. No caso do agrônomo Rafael Hilário, que já possui experiência no ramo, a assistência é para o controle de pragas e identificação de insetos na produção de orgânicos, ou eventualmente para tratar de alguma doença nas suas plantações.
Ainda conforme o Censo Agropecuário de 2017, dos 365 mil estabelecimentos do Rio Grande do Sul, cerca de 293 mil, o que corresponde a 80,5%, são da Agricultura Familiar. A área ocupada por este tipo de cultura, 5.476.463 hectares, representa 25,26% da área do estado, de acordo com o balanço. Embora as dificuldades da pandemia, a agricultura familiar tem procurado se reinventar.
Nos casos de Hilário e Justin, o trabalho não parou, já que a Feira Ecológica do Bom Fim, no Parque da Redenção, não só manteve as atividades como ampliou o espaço para manter as condições sanitárias pela importância econômica para o setor. Mais de 99,9% dos feirantes que comercializam produtos no local sobrevivem de plantio e venda.
A agricultura familiar, de acordo com o coordenador da Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras da Agricultura Familiar no Estado (Fetraf-RS), Douglas Cenci, corresponde a 27% do Produto Interno Bruto (PIB) do Rio Grande do Sul. “É importante destacar ainda que a prática é uma das que mais empregam na região”, afirma.
Cenci ressalta que o trabalho dos agricultores é responsável por alimentar o estado e, de certa forma, contribui para a alimentação do país. “Isso porque, em nível nacional, produzimos cerca de 70% dos alimentos”, explica o coordenador da Fetraf-RS.
Cenci ressalta que o trabalho dos agricultores é feito com preservação da cultura, terra, água e o ambiente em si. “Quando falamos desta preservação, é porque a agricultura familiar, de acordo com os dados do próprio Cadastro Ambiental, consegue produzir conciliando a preservação”, finaliza.