Certificados de coragem humanizam atendimento médico na infância

Hospitais recorrem a procedimentos lúdicos para realizar exames em crianças

Felipe Silva
Redação Beta
5 min readApr 9, 2019

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Com Renata Garcia

Processo de humanização ocorre em exames de tomografia. (Foto: Felipe da Silva/Beta Redação)

Entre corredores frios e salas silenciosas, há um lugar cheio de balões e pirulitos para as crianças. No canto do quarto, um aparelho barulhento contrasta com o clima infantil. O tomógrafo, utilizado para a realização de diagnóstico por imagem, assusta os pequenos pacientes e, muitas vezes, até os adultos. Em alguns casos, basta o sorriso do enfermeiro e uma troca rápida de palavras gentis para o medo dar lugar à brincadeira. Em pouco tempo, o tomógrafo deixa de ser um monstro e vira brinquedo de um parque de diversões.

Na sexta-feira, 5 de abril, foi a vez de Ismael Demétrio Dias Gonçalves, 4, enfrentar o medo para receber o certificado de coragem no Hospital São Francisco de Assis. O menino passou pelo seu primeiro exame de tomografia. Ele chegou acompanhado pelos tios, Rafael Rosa e Marilaine Gonçalves, e pela prima, Eduarda Rosa. Nas brincadeiras pelos corredores, Ismael parecia desconhecer o que iria fazer no hospital.

Na sala de espera, o menino era só risos. Na hora de entrar no quarto da tomografia, a descontração deu lugar ao espanto. “Eu não quero, vamos embora?”, pediu à tia. Nos primeiros sinais de instabilidade, a equipe, formada por técnicos de enfermagem e tomografia, inicia o processo para tranquilizar o paciente.

“É bem legal entrar ali, é como estar dentro de um brinquedo no parque de diversões”, brinca o técnico Daniel. Frases motivacionais e comparações com brincadeiras são recursos utilizados pela equipe para mexer com o imaginário da criança e dissolver o medo. Mas Ismael não se deixa convencer facilmente. “Eu quero ir para casa, vamos na pracinha”, reclama o menino entre choros e esperneios. Diante da resistência do paciente, medidas extras foram necessárias para convencer a criança.

“Olha o balão, vamos?”

“Não”.

“Olha o pirulito?”

“Não”.

A equipe ainda tentou um remédio para acalmar Ismael, mas a estratégia também não teve sucesso. Já sem muitas opções, recorreram a Eduarda, 11, prima do menino. Ela entrou na sala de mãos dadas com o pequeno e prometeu que faria o exame com ele. Mais alguns longos minutos de conversa. Novamente, sem sucesso.

Em casos como esse, é necessário recorrer à última medida para realização do exame: aplicação de sedativo, visto que a tomografia não pode ser realizada o paciente inquieto. Tatiane explica que esse procedimento também está previsto no projeto. “É um procedimento bastante seguro. Nós sempre entramos em contato com um médico do hospital que nos passa a dosagem indicada”, esclarece.

Hospitais gaúchos humanizam tratamentos infantis

No Rio Grande do Sul, a humanização de exames é oferecida em três hospitais: o Hospital da Universidade Federal de Pelotas (HEUFPEL), o Hospital da Criança Santo Antônio de Porto Alegre, e o Hospital São Francisco de Assis (HSFA), em Parobé. Cada instituição tem uma especialidade. Enquanto o HSFA foca nos exames de tomografia, em Pelotas, o serviço acontece para exames de sangue. No Hospital da Criança os certificados são entregues para pacientes que realizam procedimentos cardiovasculares.

Muito mais do que modernos equipamentos e qualificação da equipe, as novas iniciativas de saúde apostam em um olhar diferenciado para os pacientes. Esse movimento é baseado na publicação da Política Nacional da Humanização, de 2003. A partir dessa medida, criada pelo Ministério da Saúde, os órgãos públicos passaram a atender requisitos de atendimentos resolutivos e acolhedores.

Pioneirismo no Vale do Paranhana

Com a adoção de práticas humanizadas para a infância, o Hospital São Francisco de Assis, de Parobé, revolucionou os atendimentos na região do Vale do Paranhana. A iniciativa foi apoiada por todos os profissionais da instituição, desde a coordenadoria até a equipe de enfermagem. O objetivo é motivar as crianças atendidas, além de eliminar medos, inseguranças e traumas. O hospital atende a população de 23 municípios da região.

Desde 2018, o HSFA humaniza os exames de tomografia. O projeto, que atende cerca de 800 crianças por mês, tem o objetivo de aliviar o medo e, assim, facilitar a realização do procedimento. O diretor técnico do Centro de Diagnóstico de Imagem do HSFA, Daniel Hennemann, explica a importância dessa prática. “Pensamos que há uma falta de sensibilidade em determinados setores dos hospitais. Pessoas com deficiência não recebem o tratamento que merecem. Decidimos fazer diferente, porque sempre nos dedicamos em fazer o melhor, principalmente, pensando em crianças com Síndrome de Down e autismo, por exemplo”, relata.

A técnica de enfermagem Tatiane Duarte garante que a prática tem funcionado. “Somos até indicados por pacientes que realizam os exames: as crianças falam para os colega de escola que é tranquilo e que nós ainda damos pirulito. Os pais também se sentem mais seguros, principalmente porque possibilitamos que eles estejam sempre junto, acompanhando o exame”, declara.

No hospital de Parobé, os profissionais são orientados a entender o desenvolvimento da criança. O vínculo criado entre a equipe e o paciente é de extrema importância para obter bons resultados. Nas práticas humanizadas, aliás, a experiência do paciente conta muito. Por isso, o hospital São Francisco de Assis entrega, ao final dos exames, um “certificado de coragem” para a criança. A ideia é tratar o procedimento como um mérito dos pequenos, uma etapa vencida, além de tornar mais lúdica essa experiência que pode ser muito assustadora para eles.

A equipe que acompanha o procedimento no HSFA é formada por técnicos em tomografia e enfermagem, como Daniel Hennemann e Tatiane Duarte. (Foto: Felipe da Silva/Beta Redação)

A busca pela cura na humanização

Criado em 2003 com o intuito de melhorar a Saúde Pública no país, o HumanizaSUS une práticas humanizadas, desde a gestão técnica hospitalar até os centros de saúde. Diariamente, o resultado do trabalho de humanização resulta em empatia e entendimento do outro, o que ajuda a perceber o paciente como um ser humano com particularidades.

Além dos exames, o programa prioriza o atendimento de troca entre paciente e equipe médica em todas as políticas do SUS. O projeto vai desde rodas de conversas em unidades básicas até acompanhamento psicológico em casos que demandam mais complexidade. A enfermeira Maria Rosângela Mossmann explica que a proximidade com as famílias traz benefícios à saúde dos pacientes. “Diariamente recebemos o retorno por esse atendimento humanizado, seja pelas crianças ou seus familiares. É preciso fazer a diferença, de forma simples e eficaz”, comenta.

A enfermeira faz parte do corpo técnico da Estratégia da Saúde da Família (ESF) Nailor Balzaretti, em Gramado. Rosângela ainda relata que a humanização se estende a outros locais. “Como possuímos uma equipe de saúde da família, realizamos atendimentos domiciliares semanais, além de conversas nas escolas, aproximando ainda mais a comunidade dos serviços de saúde”, finaliza.

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Felipe Silva
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