Churrasquinhos de calçada podem voltar após quase 50 anos de proibição

Prática é proibida desde 1975, conforme o Código de Posturas da Capital e pode cair caso projeto seja aprovado na Câmara

Luiza Soares
Redação Beta
5 min readJun 23, 2022

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O Código de Posturas, em vigor desde 1975, pode ser revogado e liberar os churrasquinhos de rua em Porto Alegre. (Foto: Cesar Lopes/PMPA)

Uma legislação de quase 50 anos pode estar perto de ser revogada e permitir que os gaúchos celebrem um de seus rituais mais característicos em plena rua.

Uma proposta do vereador Felipe Camozzato (Novo) na Câmara Municipal de Porto Alegre pede a revogação do inciso XXVII do artigo 18 do Código de Posturas. O Projeto de Lei Complementar (PLC 044/2021) que tirar da legislação a proibição de “acender fogo fora dos locais determinados” na cidade.

Em vigor desde 1975, no governo de Thompson Flores, a Lei determina multa de até um salário mínimo caso ocorra o descumprimento.

A proposta explica que alguns itens do Código são incompatíveis com o modelo de democracia liberal e contemporânea que a cidade almeja, além de também não corresponder com o regime de liberdade e individualidade.

Para Camozzato, é importante “a sociedade ter a liberdade de ocupar as ruas e os espaços urbanos”.

“O Código de Posturas acaba enquadrando os churrasquinhos porque fala expressamente no texto sobre a excepcionalidade de poder fazer fogo em churrasqueiras em parques públicos autorizados. Demais churrasquinhos, por exemplo, aqueles tradicionais, de torcida, de amigos, da família, não poderiam acontecer e isso nos chamou atenção”, explica Camozzato.

Apesar da prática ser proibida há quase 50 anos, os churrascos de calçada já são uma tradição para a população de Porto Alegre, com grupos que se reúnem nos corredores de ônibus aos domingos, quando o espaço fica liberado para o lazer dos moradores, além de calçadas e canteiros.

Porém, há espaços na cidade que possuem churrasqueiras públicas, como praças, que estão autorizadas pela lei para a população realizar churrascos.

O prefeito Sebastião Melo já anunciou à imprensa que é favorável ao churrasquinho de rua, afirmando que pretende flexibilizar a legislação. Melo afirma que o Código de Posturas não corresponde mais com a sociedade na época em que foi elaborado e propõe que o material seja reavaliado pelos vereadores.

Porto Alegre possui churrasqueiras públicas, localizadas em praças, autorizadas pela prefeitura. (Foto: Danny de Jong/Unsplash)

“Recentemente, a fiscalização sobre os churrascos de rua foi intensificada pela mudança na atuação da Guarda Municipal, tornando mais premente a revogação do referido dispositivo. Ademais, frisa-se que o art. 18 possui outros incisos, como o IX, que asseguram o desembaraço dos logradouros públicos, de modo que a presente Proposição não enseja nenhum prejuízo ao trânsito de pedestres ou, ainda, à boa convivência nas vias públicas da cidade”, trecho do Projeto de Lei Complementar 044/2021.

Somente recentemente, após uma lei de 2018 dar mais poder de fiscalização na cidade, a Guarda Municipal passou a monitorar os casos de churrascos instalados nos espaços públicos que infrinjam o inciso XXVII, mesmo estando em vigor desde 1975.

Com a pandemia, não houve tantos casos de fiscalização por conta do isolamento social, mas, a partir do final de 2021, a atividade retomou a atenção dos policiais municipais.

A Diretora Geral da Fiscalização (DGF) do município e ex-comandante da Guarda Municipal, Lorecinda Ferreira Abrão, explica que a Guarda não recebe muitas denúncias pela realização ilegal de churrascos em canteiros, calçadas e praças. De acordo com ela, os guardas municipais apenas orientam o indivíduo a encerrar o churrasco. As multas não são aplicadas.

“Nós temos algumas praças em Porto Alegre que já têm churrasqueiras públicas. Isso não é algo recorrente em relação a fiscalização, até por que a gente nunca fiscalizou no sentido de coibir churrascos de família em praças, a não ser que esteja acontecendo alguma degradação à natureza”, explica Lorecinda.

Porém, apesar de não receberem muitas denúncias quanto a atividade, a ex-comandante revela que, em dias de partidas de futebol de Internacional e Grêmio, são as ocasiões em que mais ocorrem churrasquinhos nas vias públicas, nas proximidades dos estádios.

Nesses casos, a Guarda Municipal e a fiscalização da prefeitura solicitam que o churrasco seja feito em um lugar mais apropriado. “Dia de jogos com certeza e, claro, a gente ainda está num período de inverno, provavelmente no verão as pessoas terão a tendência de sair mais paras ruas pra fazer esse tipo de atividade”, conta.

Os perigos dos churrasquinhos de calçada

Por se tratar de uma atividade que possui riscos a saúde da população e do meio ambiente, os churrascos de rua precisam ser realizados com cautela e com atenção para não ocorrer incêndios.

Uma das preocupações para aprovar o projeto de lei, são os cuidados para evitar queimaduras ao acender o churrasco. (Foto: Cristine Rochol/PMPA)

Segundo o Comandante do 1º Batalhão de Bombeiros Militar de Porto Alegre, Ederson Fioravante Silva Lunardi, não devem ser usados produtos inflamáveis ou tóxicos para dar ignição às chamas nas churrasqueiras, independentemente do local onde estão posicionadas.

“É aconselhável que, ao realizar eventos em locais não especificamente destinados a churrascos, se tenha o cuidado de, em caso de acidentes, saber as primeiras medidas a serem adotadas. Deve ser evitado o uso de álcool, líquido inflamável, que dispersa gases quando jogado na churrasqueira, assim a pessoa acaba inalando esses gases tóxicos prejudiciais à saúde, e ainda, ao acender causa explosão”, explica o comandante.

O comandante Lunardi ressalta a importância dos cuidados quando há acidentes com queimaduras, como não aplicar gelo nas lesões, pois ele tende a queimar a pele e causar um agravamento, e, em casos leves, expor o local lesionado a água corrente fria. Nos demais casos, é preciso procurar auxílio médico o mais rápido possível.

A revogação do inciso

Camozzato explica que, para tentar revogar o inciso, foi feita uma pesquisa entre os hospitais da Capital para estudar a quantidade de acidentes envolvendo queimaduras em espaços públicos, especialmente em casos de churrasquinhos.

“Uma preocupação que acaba acontecendo e acho super válida é ocorrer o perigo do incêndio, perigo da queimadura ou mesmo com a perturbação da fumaça”, explica.

Para ele, a aprovação do projeto de lei complementaria o outro projeto que visa tornar Porto Alegre a capital mundial do churrasco, lançado pela própria prefeitura. No início do mês, o projeto Capital Mundial do Churrasco reuniu, no Parque Harmonia, diversos assadores renomados para promover a cultura do churrasco e movimentar o turismo local.

“Curiosamente, dias atrás, teve um evento pra lançar a ideia de que Porto Alegre seja a capital mundial do churrasco. Foi ali no Parque Harmonia, que está concedido, e teve churrasco a céu aberto e churrasqueiras não oficializadas pela prefeitura. Eu mexi com o prefeito: ‘esse evento está ilegal’ e todos acabaram dando risadas e ele falou ‘pois, é, temos que mudar essa lei mesmo’”, revela o vereador.

Atualmente, o projeto de lei elaborado pelo vereador está em tramitação na Comissão de Constituição e Justiça, na Assembleia Legislativa do Estado e ainda não tem previsão para que seja aprovado.

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