Cid Benjamin afirma que luta armada foi um erro, mas deixou legado ao país

Em entrevista exclusiva à Beta Redação, jornalista analisa a conjuntura atual e incentiva jovens a se posicionarem contra governo que pretende limitar liberdades

Leonardo Oberherr
Redação Beta
5 min readNov 11, 2021

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Cid Benjamin foi um dos idealizadores do sequestro do embaixador estadunidense Charles Elbrick, em 1969 (Foto: Reprodução / Memórias da Ditadura)

Quem não viveu o período ditatorial do Brasil recorre aos acervos históricos para identificar o quão prejudicial e autoritária ele foi. Sobretudo, a crueldade aplicada contra aqueles que lutavam por um país livre e democrático.

Estas memórias estão presentes ainda na vida de Cid de Queiroz Benjamin. O jornalista, nascido em Recife no dia 26 de outubro de 1948, foi líder estudantil e fundador — ao lado de outros militantes — do Partido dos Trabalhadores (PT).

Além disso, foi vencedor do Prêmio Esso de Jornalismo em 1996 por uma série de reportagens sobre a Guerrilha do Araguaia para o jornal O Globo.

Sua luta começou na década de 1960, quando passou a integrar o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), fazendo parte da resistência armada. Junto da Ação Libertadora Nacional (ALN), em 1969, Benjamin foi um dos idealizadores e integrantes do sequestro do embaixador estadunidense Charles Elbrick, no mesmo ano — a ação resultou na libertação de 15 presos políticos (dentre eles, José Dirceu, Flávio Tavares, Gregório de Bezerra e Vladimir Palmeira).

Por ser um dos mentores do sequestro, Cid foi perseguido e preso em abril de 1970, sendo torturado pelo DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informação — Centro de Operações de Defesa Interna), do Rio de Janeiro. Teve sua liberdade negociada após outro sequestro, desta vez do embaixador alemão Ehrenfried von Holleben. Ele foi libertado junto de outros 40 militantes e foi morar na Argélia. Residiu ainda no Chile, em Cuba e na Suécia, retornando, anistiado, em 1979, quando passou a trabalhar como repórter de O Globo e Jornal do Brasil.

Confira a entrevista exclusiva da Beta Redação com Cid Benjamin:

Beta Redação: Se o senhor pudesse definir os motivos para ter escolhido o jornalismo como profissão, quais seriam?

Cid Benjamin: Eu me tornei jornalista meio por acaso. Fui estudante de engenharia, mas graças à qualidade dos colégios em que estudei (todos públicos), sempre escrevi bem. Abandonei a universidade devido à militância política no movimento estudantil. Depois do AI-5, em dezembro de 1968, me integrei à luta armada. Posteriormente fui preso e, depois, libertado em troca do embaixador alemão que tinha sido sequestrado pela guerrilha.

(Foto: Arquivo Pessoal / Cid Benjamin)

Passei dez anos no exílio e voltei com a anistia, em setembro de 1979. Embora tivesse trabalhado em diferentes lugares, não tinha uma profissão clara. Era como dizia uma amiga, um “especialista em generalidades”.

Como tinha trabalhado num jornal enquanto era estudante, e ainda antes da lei que instituiu o registro de jornalista, tinha direito adquirido. Pude então requerer o registro. Mas só dez anos depois, já tendo trabalhado em sindicatos e em associações de trabalhadores, consegui ingressar na grande imprensa. Aí, no início dos anos 1990, começou minha carreira para valer como jornalista.

Quais virtudes você considera indispensáveis para estes profissionais num momento em que a desinformação está “em alta”? Por quê?
Cultura geral, curiosidade para aprender novas coisas e bom texto. Para isso, é fundamental o hábito de leitura. Ninguém tem cultura geral e bom texto se não tem o hábito de ler. E ler muito.

Qual foi o legado da luta armada, das lutas daqueles tempos?
A luta armada, naquelas circunstâncias e da forma como foi feita, foi um erro político. Mas deixou um legado de inconformismo com a ditadura e as injustiças sociais. Eu me orgulho de ter feito parte de uma geração extremamente generosa, que se jogou por inteiro na luta contra as injustiças sociais. Esse exemplo é o maior legado que ela deixou. E foi um legado extremamente importante.

O que você diria aos jovens de hoje, que querem, almejam, lutam por um Brasil livre do bolsonarismo?
Que lutem. Que não se acomodem. E que se joguem na construção de um país e de um mundo melhor e mais humano. Acreditem numa coisa: isso os fará também pessoas mais felizes e mais em paz consigo mesmas.

No que diferem — se diferem — a direita de hoje e a daqueles tempos?
A direita, em qualquer tempo, se caracteriza por sentimentos de falta de solidariedade e de falta de humanidade. Para ela, o individualismo é o que importa.

Não me considero vítima. Sou um produto da vida que escolhi. E sou feliz.

Olhando para o passado, qual o sentimento de ter feito parte da história política do país de maneira tão ativa? Poderias falar um pouco da nostalgia daqueles momentos?
Vivi na clandestinidade. Fui preso. Fui torturado. Passei dez anos no exílio, quase sempre em condições adversas. Mas não me arrependo das opções que fiz. Claro que, se o tempo voltasse, não faria tudo da mesma forma. Trataria de evitar a repetição de erros cometidos. Mas a minha opção de vida, em termos gerais, teria sido a mesma. Não me considero vítima. Sou um produto da vida que escolhi. E sou feliz.

Atualmente, como é a sua relação com os demais integrantes dos movimentos que fizeste parte?
Em geral, muito boa. Claro que com o tempo — são algumas décadas —, alguns laços se desfazem. Mas boa parte de meus melhores amigos são amigos desde aquela época.

Como a participação de seu irmão, César Benjamin, incentivou a sua presença na luta armada? Vocês eram “parceiros” nas lutas?
Sou mais velho que ele seis anos. Por isso, talvez tenha sido mais fácil que minha trajetória o tenha influenciado do que o inverso. Mas fomos parceiros na luta armada — participamos juntos de várias ações armadas, e depois. Continuamos parceiros até hoje, ainda que nem sempre concordando politicamente em tudo.

Agradecimento ao professor Pedro Osório pelo auxílio à elaboração das perguntas.

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Leonardo Oberherr
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Estudante de jornalismo, amante de esportes e música. Inspirado por Leonardo Meneghetti, Galvão Bueno e PVC. #IDIDDAT