Cineasta Neville d’Almeida participa de sessão comentada de seu filme “Mangue Bangue”

Depois de 30 anos desaparecido e de seu lançamento ter sido censurado, essa foi a terceira vez que o longa-metragem foi exibido no Brasil

Alessandro Sasso
Redação Beta
4 min readNov 12, 2019

--

Atriz Maria Gladys em cena do filme Mangue Bangue (1971). (Foto: Divulgação)

A Cinemateca Capitólio realizou uma sessão de Mangue Bangue (1971), na última sexta-feira, 8, que contou com a presença do diretor do filme, Neville d’Almeida. Essa foi apenas a terceira vez que a película foi exibida no Brasil, já que por conta dos mecanismos de censura seu lançamento não foi permitido na época.

Mangue Bangue é um filme experimental produzido em uma parceria com o artista Hélio Oiticica, que retrata a vida no Mangue, zona de prostituição do Rio de Janeiro, paralelamente com a efervescência da liberdade sexual e do uso excessivo de drogas. A obra ficou desaparecida por 30 anos, sendo encontrada em 2006, no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, local onde havia sido exibida pela segunda vez na história.

A primeira sessão do filme no Brasil foi em 2012. A busca de Neville d’Almeida por transgredir os padrões do cinema em suas produções é o motivo das dificuldades para exibir suas obras. “Procuramos nesse filme a libertação do cinema. Resolvi fazer algo com tudo que eu nunca vi nas telas antes”, relata o diretor. Neville acredita que o cinema possui valores muito conservadores em relação às demais vertentes do mundo artístico. “É tudo muito dentro dos trilhos, dentro de uma moral, de uma linguagem. As coisas que as pessoas fazem todos os dias, fizeram e farão não estão no cinema tradicional”.

O filme foi apresentado dentro do tradicional “Projeto Raros”, da Cinemateca Capitólio — que já exibiu mais de duzentos filmes — integrando a programação da Mostra de Cinema de Invenção, onde o homenageado é justamente Neville d’Almeida. “Essa obra é muito importante e simbólica dentro do recorte de produções experimentais brasileiras dos anos 60 e 70”, afirma Leonardo Bomfim, curador da mostra.

Neville d’Almeida exaltou a importância da exibição de filmes raros e experimentais. (Foto: Alessandro Sasso/Beta Redação)

Para o diretor, a homenagem é simbólica e importante, já que, segundo ele, é um dos diretores mais censurados da história do Brasil. “Acho totalmente emocionante receber essa homenagem. Fiquei surpreso com a lista de filmes e com a qualidade da curadoria. Nunca foi feito no Brasil uma mostra tão extensa e significativa, buscando longa-metragens praticamente desconhecidos, porém importantíssimos”, afirma o diretor.

Neville d’Almeida afirma que a censura existe até hoje, porém com outra faceta. “Atualmente eu vejo que isso ainda está igual. O que muda é a forma como acontece, pois agora tem várias formas. O cerceamento do cinema agora está no Ministério da Cultura, nas comissões de seleção de filmes em festivais, nos patrocinadores, nas diretorias, nos órgãos públicos”, afirma. A preocupação do diretor é que todas as formas de cinema possam ser assistidas, e não apenas as que atendem interesses comerciais específicos. “É preciso democratizar o cinema e a arte. Esses mecanismos (de censura), que são como barreiras, não estão colaborando para o livre espaço de exibição das mais variadas vertentes obras cinematográficas”, conclui.

“Fico muito feliz de ter a oportunidade de assistir filmes como esse, ainda mais de graça. É uma maneira de valorizar o cinema brasileiro, dessa parte importante da história”, afirma a estudante de Relações Internacionais Carolina Moreira. O estudante de psicologia Lucas Medeiros demonstra seu apreço pela Cinemateca. “O Capitólio é como uma segunda casa pra mim. Assisti outros filmes da Mostra de Cinema Experimental e foi muito interessante”, afirma. O presidente da Fundacine RS, Beto Rodrigues, relata que pretende manter projetos como esse. “Ano que vem pretendemos renovar essas mostras especiais e trazer conteúdos melhores ainda. Também queremos realizar mais noitadas de filmes no Capitólio”, afirma.

Ator Paulo Villaça durante cena do filme Mangue Bangue (1971). (Foto: Divulgação)

A Mostra de Cinema de Invenção foi uma das 26 atividades da programação especial da Cinemateca Capitólio deste ano, aprovado na Lei de Incentivo à Cultura, com produção cultural da Fundação de Cinema do RS (Fundacine) e Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Mais de 20 produções dos principais nomes do cinema experimental brasileiro foram exibidos entre 29 de outubro e 10 de novembro.

--

--