Colégios militares fomentam discussão na educação

Proposta de Bolsonaro para militarizar escolas públicas gera questionamentos entre professores

Matheus Miranda
Redação Beta
5 min readMay 3, 2019

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Presidente Jair Bolsonaro com alunos do Colégio Militar de São Paulo. (Foto: Carolina Antunes/PR)

A implantação de um novo modelo de escola no Brasil divide opiniões entre os professores da rede pública de ensino. Após decreto assinado pelo presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), pelo ex-ministro da Educação Ricardo Vélez Rodríguez, e ministro da Fazenda, Paulo Guedes, a proposta determina a implantação do modelo cívico-militar nas escolas públicas do país, o qual também fomenta a criação de novos colégios militares.

De acordo com o Ministério da Educação (MEC) e decreto assinado pelas autoridades responsáveis, existe um setor responsável para promover e acompanhar a implantação do novo modelo, a Subsecretaria de Fomento às Escolas Cívico-Militares, sob os cuidados da subsecretária Maria Amarilio da Cunha Silva. Segundo o MEC, as escolas que adotarem esse modelo terão como base a gestão dos colégios militares do Exército, Polícia Militar e Bombeiros Militares.

Para a professora da rede pública e na Unisinos, doutora em Linguística Aplicada e Jornalista, Mariléia Sell, de uma forma geral, as instituições, nas quais se enquadram o exército, os manicômios, as escolas e outras instituições, possuem a função de disciplinar os corpos e controlar as mentes das pessoas para que se consiga uma pretensa ordem social. “No início da era da industrialização, eles precisavam de pessoas minimamente disciplinadas que soubessem se portar ordeiramente para serem operários. E a escola surge com esse objetivo nada nobre, que é de pacificar os corpos”, explica.

Mariléia acredita na importância de uma escola que ajude os alunos a construírem seu pensamento critico. (Foto: Facebook pessoal/Mariléia Sell)

Mariléia afirma que a escola moderna tem uma natureza diferente do exército, na qual aplica-se a função pedagógica do ensino, do aprendizado e de fazer com que o aluno tenha a capacidade de pensar, sendo o professor mediador desse processo. “O exército tem uma outra função. Tem uma disciplina rígida, de ficar de prontidão, de alerta. A escola tem uma outra natureza. Não podemos comparar essas duas instituições”, salienta.

No ponto de vista da professora, transformar as escolas públicas em escolas militares é um retrocesso. “Eu não estou dizendo que a disciplina não seja necessária. Ela é importante na sala de aula, que seriam as combinações e os acordos pedagógicos de convivência. Mas isso é diferente de uma rigidez que o exército apregoa, de domar esses corpos, dominá-los e sujeitá-los”, reafirma.

Ela lembra da forma de pensar que os militares podem implantar em seus alunos. “Então, que tipo de sociedade e cidadão eu quero dentro de uma escola militarizada? Um cidadão que não pensa, um cidadão que não questiona, uma cidadão que obedece”, reflete.

Professores militares defendem o sistema

Há 22 anos lecionando no Colégio Militar de Porto Alegre, o professor Ronaldo Queiroz explica que há confusão com relação ao ensino militar. “A escola militar possui as mesmas características das demais escolas. Os alunos entram a partir do ensino fundamental, cursam o ensino médio, e depois uma minoria de alunos seguem a carreira militar. Os outros demais alunos vão para as universidades. No colégio militar não se desenvolve militarismo nenhum”, esclarece.

De acordo com Queiroz, não há atividades que caracterizam militarismo nos colégios militares. Ele explica que há clubes que funcionam a tarde, e as atividades oferecidas ficam a critério dos alunos que quiserem participar. “Tem clube militar, de ciências e de história”, informa o professor. Ele complementa que não há diferença do colégio militar para outras escolas. “O que difere o colégio militar é que ele é federal, e assim como as demais escolas federais, a qualidade é excelente. O Brasil é um país extremamente desigual. Então quando tu diz que a escola pública brasileira vai mal, não é verdade. A escola pública brasileira para os pobres vai mal. A escola pública brasileira para a classe média e para os ricos vai muito bem”, justifica.

(Foto: Facebook pessoal/Ronaldo Queiroz)

Queiroz ainda diz que existe um conceito e uma pesquisa que foi realizada na França pelo sociólogo Pierre Bourdieu, que desenvolveu o conceito de capital cultural. Na opinião dele, nas escolas onde há alunos de classe média e classe média alta são escolas de maior rendimento. Já as de classe baixa são as de piores rendimento. Portanto, o capital cultural é a posição econômica de determinadas famílias, o que vai dar o diferencial. “Por isso as universidades públicas precisam ter cotas, porque a cota é uma das formas de produzir justiça social”, finaliza.

Segundo o professor, os militares governaram o país por 21 anos, e nunca houve militarização nas escolas. Ele afirma que o colégio militar forma cidadãos como qualquer outra instituição de ensino, e não há manipulação de pessoas para obediência.“As escolas militares passaram a ser destacadas como escolas de excelência e o Bolsonaro, que é da direita, quer ganhar com isso. Então há esse discurso, de que vão militarizar as escolas no Brasil, como se o colégio militar de Porto Alegre tivesse um excelente rendimento porque foi militarizado. Isso não é verdade”, elucida.

Militares não são especializados em educação

Fatos do passado são lembrados por Vitor Necchi, jornalista e professor. Ex-aluno do Colégio Militar de Porto Alegre durante a década de 1980, ele explica que na época que estudava ainda havia a ditadura militar, a qual se encerrou em 1985. “Se até hoje persiste no país vestígios e marcas do golpe, imagina naquela época e dentro de uma instituição militar. Havia muito machismo, preconceito, homofobia e violência. Crianças de pouca idade, a partir dos nove, dez anos, eram tratadas com brutalidade e rispidez”, relembra.

Vitor acredita que militares são especialistas em hierarquia, mas não em educação. (Foto: Facebook pessoal/Vitor Necchi)

O professor acrescenta dizendo que o preconceito, o assédio moral, a violência e o desrespeito eram incorporados à dinâmica do dia a dia. “No entendimento deles, procedendo dessa forma, estariam formando homens disciplinados e corretos”, comenta.

Para Necchi, os militares são especialistas em hierarquia, disciplina e guerra, mas não possuem preparação em pedagogia e assuntos educacionais. Ele aponta que a infância e a adolescência são fases delicadas na formação emocional, intelectual e social. “Militares não são as pessoas mais adequadas para lidar com a formação escolar. Vejo com muita preocupação a possibilidade de que escolas públicas estaduais passem a operar sob diretrizes militares”.

Na opinião de Necchi, os militares brasileiros não fizeram um acerto de contas com a história, tendo os arquivos da ditadura ainda fechados. “A tortura não foi criminalizada, tanto que o atual presidente do país, que é militar, celebrou em pleno Congresso Nacional a ditadura, enalteceu um dos piores torturadores, e nada aconteceu com ele”, discorre.

Conforme Necchi, não há como a democracia se consolidar enquanto houver desaparecidos, enquanto os familiares não conseguirem sepultar os corpos escondidos pelos militares. “Uma instituição tão pouco afeita à democracia e aos direitos humanos não é o melhor parâmetro para a educação de crianças e adolescentes”, finaliza.

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