A universidade pode ser um território popular

Coletivo de profissionais da Educação oferece aulas gratuitas para pessoas em situação de vulnerabilidade financeira e social

Caren Rodrigues
Redação Beta
4 min readNov 24, 2020

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Coletivo Território Popular é aberto para a comunidade e oferta todas as matérias necessárias para o Enem. (Foto: Facebook/Território Popular)

O acesso a cursos preparatórios para vestibulares sempre foi uma dificuldade para alunos de baixa renda. Pensando nisso, em 2015, surgiu em Porto Alegre o Coletivo de Educação Território Popular. Criado por professores que atuam de forma voluntária, o grupo atende e acompanha alunos em situação de vulnerabilidade social, buscando garantir o ingresso às universidades.

“A gente planejou como primeira ação uma pré-prova, em que criamos a página no Facebook do Território. Então, usamos o espaço do Sindicato dos Professores e foi muito legal, a gente teve muitas pessoas presentes”, conta Fernanda da Silva Moreira. A professora licenciada em Ciências Biológicas, foi uma das 12 profissionais que se mobilizaram na criação do projeto.

Segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), em 2019, houve o aumento de matrícula em universidades em 2,4% na rede privada e 0,1% na rede pública. Em compensação, o número de inscritos no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) caiu 4,27% na última edição em comparação ao ano anterior, registrando 3,965 mil participantes. A queda vem ocorrendo desde 2015, ano com mais inscritos até então.

Franciele Rodrigues Canfild, de 20 anos, já concluiu o Ensino Médio e busca conseguir bolsa para um curso que acrescente na carreira que pretende seguir como comissária de bordo. Ela assiste às aulas do Coletivo há oito meses e elas tem ajudado a manter os estudos em dia, mesmo com dificuldades de acesso à internet. “O que mais me ajuda são as matérias de ciências da natureza e humanas. Neste momento, não estou trabalhando, então tento me organizar melhor, pois tenho mais tempo para focar 100% em estudar”, explica a jovem porto-alegrense.

Franciele quer ser comissária de bordo e busca um curso que acrescente à profissão (Foto: Arquivo Pessoal)

Caroline Niedzialek, de 40 anos, cursa Serviço Social e integra o núcleo pedagógico do Coletivo Território há dois anos. Conforme ela, diante da quarentena causada pela Covid-19, manter o vínculo com os alunos tem sido a maior dificuldade. “A vida virtual se torna seletiva, por vezes excludente, porque envolve questões práticas: ter acesso à internet, disponibilidade de computador ou celular e estar num ambiente que deixe a pessoa à vontade para falar”, comenta a profissional.

O Coletivo tem disponibilizado atividades impressas aos alunos que não possuem internet, porém, afirma não ter registro de retirada das mesmas. Fernanda Moreira ressalta que é feito o acompanhamento dos alunos por parte da equipe pedagógica para entender os motivos de evasão. “Sabemos que há alunos que não comparecem às aulas ao vivo, por exemplo, mas acessam o material no Google classroom”, explica.

Caroline ainda completa dizendo que a evasão, infelizmente, é um problema que acompanha o trabalho dos professores. “Nossos estudantes vêm das camadas populares. São trabalhadores, cuidadores, muito impactados pela questão econômica, pela mobilidade. Então, essa pauta é sempre discutida nos nossos núcleos de trabalho e nas nossas assembleias, refletindo sobre como podemos atuar de maneira que os vínculos não se quebrem e que esses estudantes permaneçam com a gente”, afirma.

Natielle Machado Rodrigues, de 22 anos, já concluiu seus estudos na Escola Júlio de Castilhos, em Porto Alegre, e tem aulas pelo Coletivo desde março. Ela pretende cursar Ciências Contábeis e, por isso, tem buscado se manter atenta aos estudos. “Em Física, as aulas tem me ajudado muito, mesmo sendo online. É a matéria que eu tinha mais dificuldade de entender e passei a ter mais facilidade por conta das aulas do professor serem ótimas”, ressalta.

Natielle Rodrigues concluiu o ensino médio e pretende cursar Ciências Contábeis. (Foto: Arquivo Pessoal)

Ela consegue acompanhar as atividades por meio do celular e revela que, no início, o acesso foi difícil, mas hoje já está mais adaptada. “Eu tenho procurado estudar toda a tarde, pois agora não trabalho mais. Então, tento organizar os horários para atender também a lojinha online que tenho no Instagram”, relata.

O reforço oferecido pelo Coletivo Território Popular é aberto para a comunidade em torno do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS) e atende também localidades mais distantes. O programa contempla estudantes do ensino público, com foco naqueles que possuem baixa renda. São oferecidas cerca de 30 vagas por seleção. “Também levamos em consideração outros quesitos sociais, como racial, de gênero e maternidade”, explica a professora Fernanda Moreira, salientando a importância de trabalhos como o do Coletivo. “Esse tipo de iniciativa é mais uma ferramenta de luta na busca por emancipação dos sujeitos e da democratização do acesso ao ensino superior”, afirma.

A assistente social Caroline reforça a fala de Fernanda, pois acredita que o trabalho do Território é basilar para a sociedade. “Além de sermos um coletivo de educação, um pré-universitário popular, somos um movimento social, que procura pensar o ingresso e a permanência na universidade como um direito fundamental e universal”, pontua.

Para esses professores, a garantia de acesso à educação é prioridade na sociedade. “Não enxergo o Território numa postura messiânica, de achar que resolveremos todos os problemas que perpassam a nossa realidade. Contudo, nossos esforços são mediados pela fé na educação pública, gratuita e de qualidade e pela vontade de tornar as universidades um Território Popular”, completa a assistente social.

A instituição busca manter a frequência dos alunos avaliando condições de acesso. (Foto: Facebook/Território Popular)

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