Com mais de 10 mil desenhos, Vêrsa põe criatividade à prova diariamente

Premiado em concurso da Zero Hora, chargista acredita que estilo brincalhão o ajudou na profissão

Mateus Friedrich
Redação Beta
8 min readJun 13, 2020

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Apaixonado por desenhos desde a infância e formado em Artes Visuais pela Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS), o montenegrino Daniel Alonso Alves Vercelhese, ou apenas Vêrsa, como é conhecido desde o primeiro ano do Ensino Médio, coloca sua criatividade à prova todos os dias ao confeccionar charges dos mais variados temas. Aos 41 anos, o artista já desenhou mais de 10 mil ilustrações e, inclusive, foi premiado em um concurso da Zero Hora, em 2015.

Em entrevista concedida à Beta Redação, Vêrsa relembra os primeiros traços desenhados, revela como surgiu o apelido e comenta sobre a ascensão dos memes na internet.

(Foto: Ilustração Vêrsa)

Quando começou tua paixão pela arte, pelos desenhos e charges?

Desenho desde criança. Era uma brincadeira natural, todos os dias eu desenhava o que via no mundo, na TV, no cinema e nos livros. Aprendi a ler cedo e, nos gibis, vi que existiam histórias contadas com desenhos. Minha mãe é uma amante de livros, e isso influenciou minha relação com a leitura, a ficção, a fantasia e os mundos imaginários. Meu pai trabalhava numa fábrica, e eles descartavam quilos e quilos de papéis do escritório. Ele trazia as folhas para casa, com impressão descartada de um lado e do outro lado a lauda toda branca. Eram em média 500 folhas por mês, e eu desenhava na maioria. Em quase todas as fases da minha vida fiz coisas que estiveram relacionadas com desenho de alguma forma. Charges, conheci na adolescência. Sempre gostei de desenho de imprensa, cartum, charge e caricaturas. Meu pai assinava um jornal, e eu gostava de ver o que os chargistas faziam. Em 2001, o jornal da minha cidade abriu vaga para o cargo, eu mandei meus trabalhos e fui selecionado.

A questão da sátira surgiu junto com os primeiros desenhos ou foi complementada ao longo do tempo?

Sempre gostei de brincar e fazer piadas. No Ensino Médio eu era o tipo engraçadão. Com o tempo, fui descobrindo que podia aprimorar a forma, o estilo e a intenção das piadas e, assim, eu ganhava a atenção ou respostas que buscava. Nunca gostei de violência e, através do humor, eu conseguia criar um elo social pacífico e ao mesmo tempo me proteger. A ironia e o sarcasmo, o tempo certo de falar ou fazer graça são uma arte que se desenvolve na tentativa. Gosto do jogo de ideias e percepção que existe no humor. Passei a consumir muitas revistas satíricas e filmes cômicos. Ao mesmo tempo em que gostava de ler sobre psicologia e filosofia. Quando me deparei com a charge, que é a junção de desenho, crítica e humor, a paixão foi instantânea.

Daniel Alonso Alves Vercelhese ganhou o apelido de Vêrsa no primeiro ano do ensino médio. (Foto: arquivo pessoal)

E por que “Vêrsa”? Tem a ver com o teu trabalho relacionado aos desenhos ou é um apelido que te acompanha há mais tempo?

Meu sobrenome é Vercelhese. A pronúncia é exatamente como se lê, porém por ser um sobrenome um pouco diferente, ele sempre “bugava” a língua da galera. E meu primeiro nome é Daniel, então, pensa comigo, nunca fui o único Daniel na escola. Ganhei o apelido no primeiro ano do Ensino Médio, na Escola São João Batista, de Montenegro (RS). Tinha três “Danieis” na minha sala. Aí, o pessoal chamava meus xarás e eu pelos sobrenomes. Quando chegava ao meu, a turma engasgava — Vercel… Varce… Versailes… Verceléz.

Lembro exatamente como o apelido nasceu. Estávamos na sala de aula, durante o intervalo, falando bobagem e rindo. Só os guris, meus colegas e alguns de outras salas. Famosa cachorrada. De repente, um dos colegas falou:

— Vercelhese. Teu nome é muito difícil. Vou te chamar de Vercê.

Ele falou com a sílaba tônica no final e eu achei esquisito e fiz uma careta. Então outro dos guris disse:

— Não. Vercê é muito fresco, parece francês misturado com caipirês.

Todo mundo riu e, de repente, alguém falou Vêrsa. Com a tônica na primeira sílaba. Foram 30 segundos de silêncio, todos se olharam, fizeram caras de satisfeitos, e eu me senti num julgamento secreto para a escolha do meu novo codinome. Nesta época, eu assinava meus desenhos com minhas iniciais, DV. Eu achava muito impessoal, mas quando começaram a me chamar de Vêrsa, comecei a criar uma assinatura. Achei sonoro, a assinatura ficou bacana e o apelido virou quase meu novo nome.

Você teve seu trabalho divulgado pelo jornal Ibiá, de Montenegro, por muitos anos. Por quanto tempo fez ilustrações para o jornal e, mais ou menos, quantas charges já produziu na vida?

17 anos. De 2001 até 2018. Pelo menos uns 14 anos publicando todos os dias. Eu nunca contei com exatidão, mas somando as charges diárias, ilustrações editoriais e ocasionais caricaturas de autoridades, foram mais de 8 mil desenhos. Se contar os cartuns e charges que fiz para concursos e publicações ocasionais, passam de 10 mil, tranquilamente.

Quais os teus desenhos preferidos e por qual motivo?

Nossa. É muita coisa. Mas claro, algumas eu julgo as melhores, principalmente, a premiada e as que repercutiram mais forte nas redes sociais.

Artista de Montenegro utiliza da crítica e do humor para produzir seus desenhos. (Fotos: Ilustração Vêrsa)

Então você já participou de concursos ou feiras estaduais e nacionais. Qual foi o desenho premiado?

Participei duas vezes do Salão de Humor de Piracicaba, uma vez do Salão Ibero Americano de Desenho de Imprensa, uma vez do Salão Internacional de Desenho para Imprensa, Concurso de Charges e Cartuns da Folha Ilustrada de 2017. Mas premiado apenas no Concurso Cartum ZH de 2015. Fiquei em primeiro lugar na Categoria Charge.

Charge premiada no Concurso Cartum ZH, de 2015, destaca a troca do afeto real pela vida virtual. (Foto: Ilustração Vêrsa)

Como é sobreviver disso e conviver com essa arte? Exige criatividade extra diariamente? Qual o segredo para produzir tantos desenhos e não perder a criatividade?

Em tempos de pandemia, nem te conto. Nunca foi fácil viver disso. Mas até onde compreendo, nenhuma profissão é fácil. Eu comercializo desenhos desde meus 15 anos, e nunca foi altamente lucrativo. Com o tempo fui descobrindo novos mercados e segmentos que pagam o justo, mas creio que pelo fato de sempre ter feito isso pela única razão de gostar muito, estudado muito e treinado muito, o dinheiro e a entrada no mercado foram meio que uma consequência. Porém, viver de imagem em nosso país exige versatilidade. O mercado é variado, vendo desenhos para o mercado de comunicação e editorial. Sou designer gráfico e, cedo, também aprendi as técnicas e busquei o conhecimento sobre criação de logotipia, edição de fotos e conceitos gráficos para a publicidade. Considero-me primeiro um profissional de criação de imagens. O desenho, a charge e o cartum são braços desse polvo chamado criatividade. E para não perder a criatividade, precisa ler, assistir filmes, ouvir música, conversar com pessoas, praticar, praticar e praticar. Gosto da frase que não existe “inspiração sem transpiração”. Criatividade não é um dom místico, é uma habilidade adquirida e que precisa ser alimentada constantemente.

Atualmente, você trabalha na assessoria de comunicação de Pareci Novo. Apesar disso, continua produzindo charges? Houve momentos de “desilusão” com as ilustrações, ao deixar de publicar no jornal, por exemplo?

Como eu disse antes, desenhar antes de um trabalho é um ato visceral. Portanto, se não me procuram para desenhar, eu invento coisas para desenhar. A assessoria de comunicação envolve mais a parte da minha empresa Desenharia, que é voltada à publicidade. A Desenharia cria ações de marketing e ilustrações publicitárias. Uso ilustrações para todos os meus clientes de publicidade, quando pertinente. A prefeitura de Pareci tem um mascote que já rendeu materiais bem legais para a molecada, por exemplo. Também atuo na criação de personagens para ações de RH e treinamento, as famosas cartilhas. Já a charge é uma linguagem muito diferente da publicidade. A charge pertence a um universo mais autoral, no qual a minha presença é muito forte. Desilusões ocorrem muitas vezes, seja por um cachê mal negociado ou um calote tomado. Ou quando o contratante não entende bulhufas do que você faz e trata tudo como um produto encaixotado, o que não é o caso, mesmo. Mas a profissão e o ato de ilustrar nunca me trouxeram tristezas. O que nos afeta são as relações políticas que envolvem a sociedade. Quanto a deixar o jornal, foi mais uma quebra de rotina. Eu nunca ganhei “dinheeeeeiro” com as charges e não tinha uma relação próxima com o jornal também, era tudo remoto e eu tinha liberdade criativa. Aproveitei a oportunidade como um menino que queria mostrar seu trabalho e descobri no caminho que eu levava jeito pra coisa. Eu adorava fazer as charges porque era um exercício e um desafio criativo todos os dias, e o retorno que eu tinha do público era muito positivo. Foram 17 anos de convívio com as pessoas reais da cidade, o pessoal na rua, na vida, porque era delas que eu tinha o retorno sobre as charges, por meio de comentários e sugestões. Eu segui um tempo fazendo as charges na internet, mas logo resolvi dar uma pausa. Depois de 17 anos entendi que uma parada poderia me fazer bem.

Como você tem percebido o movimento e ascensão dos memes na internet? Esse “novo conceito” acaba por substituir ou ofuscar as charges?

Essa é uma das ilustrações preferidas do chargista e faz referência à desonestidade humana. (Foto: Ilustração Vêrsa)

Charge e meme são coisas diferentes. Charge é uma opinião gráfica pessoal, uma obra autoral, geralmente, vinculada a um jornal ou veículo. Na charge, o humor é um artifício utilizado para mostrar uma crítica à sociedade e seus costumes. Pode ser através do choque, do riso ou do estranhamento, a charge almeja a reflexão. Meme é uma manifestação cultural, feita com imagens prontas, repetidas exaustivamente, sem autoria declarada e usada para fins de entretenimento. São níveis de intenção de humor completamente diferentes. Todas são válidas, mas são coisas distintas. É como comparar pichação com grafite ou salgadinho chips com um prato de um chef de cozinha.

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