Com oferta maior que a demanda, área da TI atrai profissionais que desejam mudar de carreira

Cristina Bieger
Redação Beta
Published in
6 min readApr 14, 2022

Projeções do setor indicam criação de quase 800 mil novas vagas até 2025, mas mais da metade não deve ser preenchida por falta de qualificação

Saber programar deve se tornar uma habilidade necessária em todas as profissões (Imagem: Flickr)

A digitalização cada vez maior da vida prática impacta o mercado de trabalho. Em alta desde muito antes da pandemia, o setor da tecnologia vê explodir a procura por profissionais. Um levantamento feito pelo Linkedin no Brasil, mostra que a área é líder no número de vagas abertas para recém-formados, com mais de 8 mil ofertas de emprego entre janeiro e março de 2021.

Uma projeção da Brasscom (Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação e de Tecnologias Digitais), mostra que o setor deve criar 797 mil novas vagas de trabalho no Brasil até 2025. No entanto, as estimativas mostram também que faltarão profissionais para ocupar 67% destes postos de trabalho, ou 532 mil vagas. Os números mostram o déficit de profissionais de TI no país, demanda impulsionada ainda mais durante a pandemia.

Outro dado apresentado pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas) em 2019, mostra que cerca de 53 mil estudantes se formaram no Ensino Superior em cursos da área de tecnologia. Caso a média se mantenha estável nos próximos anos, a Brasscom estima que a oferta profissional deva continuar abaixo da necessária e, em 2025, por exemplo, essa média de formação anual na área representará menos de um quarto do exigido para ocupar as 206.940 vagas projetadas para o ano.

Tendência de mercado

De olho nesta demanda, a Revelo, plataforma de recrutamento direcionada para a área de tecnologia fundada em 2014, criou um programa voltado para capacitação de curto prazo de profissionais em parceria com 42 startups de educação tecnológica. Segundo eles, a procura por esta formação na plataforma cresceu 670% em 2020, em relação a 2019. Entre janeiro e outubro de 2021, o aumento foi de 480%, em relação ao mesmo período do primeiro ano da pandemia.

Os profissionais mais procurados são aqueles que desenvolvem sites (chamados de dev web) e os desenvolvedores full stack — que projetam as interfaces gráficas — , que podem contribuir em todas as etapas de um novo projeto de aplicativo. E como a contratação ainda é um desafio para as empresas, elas tendem a oferecer melhores salários e benefícios para quem pretende ingressar na área.

Para a doutora em Ciência da Computação (UFRGS), Margrit Reni Krug, e professora da Unisinos, “pode-se dizer que nesta área não haverá retrocesso, pois cada vez mais as empresas necessitam de informação para as tomadas de decisões sejam elas operacionais, táticas ou estratégicas, e para isso, necessitam armazenar os dados e transformá-los. Outro fator, refere-se ao crescimento do uso da internet para transações comerciais, o que impõe a necessidade de criação de aplicativos e todos os outros aspectos envolvidos”, explicou ela em entrevista por e-mail.

Uma área ainda em ascensão

Desde o início da internet, os programadores foram profissionais necessários. A partir de 1980, quando a Informática e dispositivos móveis começaram a se tornar mais presentes no nosso dia a dia, essa necessidade aumentou. Para o professor Nilton Renê Alberto Brustolin, Bacharel em Ciências da Computação pela Universidade de Caxias do Sul (UCS), “com a popularização da tecnologia, que está presente em dispositivos que víamos somente em filmes e desenhos como os Jetsons, tal como o aspirador de pó automatizado, é que se percebeu a necessidade de termos programadores nas mais diversas áreas. A quantidade de informações disponíveis hoje em dia também corroborou com o “boom” da programação”, explica.

A área da programação vem em uma crescente nas últimas décadas, se caracterizando como a profissão da atualidade e do futuro (Imagem: Flickr)

Nilton, que é professor do curso de Análise de Desenvolvimento de Sistemas no Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS — campus Feliz) cita uma frase de Steve Jobs, quando ele fala que “todo mundo deveria aprender a programar um computador, porque isso ensina você a pensar”, e segundo ele, resume o cenário atual pelo qual passamos. “Eu acredito que cada vez mais, vamos ter que integrar todos os dispositivos com todas as áreas”, completa.

Margrit Reni Krug, que coordena o curso de Análise e Desenvolvimento de Sistemas na Unisinos, afirma que tem havido um aumento considerável de alunos que vêm para uma segunda graduação. “São dos mais variados profissionais formados em outras graduações, tais como Direito, Odontologia, Medicina, Engenharias e Administração. Muitos chegam relatando a dificuldade de emprego em suas áreas e a baixa remuneração, se comparada às remunerações pagas para os profissionais da área de TI. Além disso, alguns comentam sobre a necessidade de cursar algo na área de TI para conseguir atender às demandas da sua própria área”, explica.

Migração de profissionais

Apesar dos atrativos da área e um mercado fervoroso por novos profissionais, a troca de profissão é um processo que exige dedicação e força de vontade. “É uma área em que ficamos um pouco perdidos no início, ainda mais eu, que não sabia muita coisa de tecnologia. Mas se você entende da lógica da programação, você consegue pegar qualquer linguagem e desenvolver coisas muito mais ágeis”, explica Raquel Gums, de 24 anos, formada inicialmente em um curso Técnico em Meio Ambiente, e agora trabalha com Análise e Desenvolvimento de Sistemas.

“Eu tenho duas áreas de formação, mas com certeza não pretendo voltar para o meio ambiente, porque é uma área na qual eu não me identifico muito. Eu me identifico mais com a questão da informática e desenvolvimento. Programação, exatamente, não é algo que eu estou focada atualmente, mas há vários nichos dentro da programação”, completa Raquel.

Dalvan Reuse Rech, de 24 anos, com formação em Licenciatura em História, tinha como objetivo migrar para a programação, mas não imediatamente. “Comecei a estudar programação em janeiro deste ano, e a minha ideia era estudar de seis meses a um ano e então, procurar emprego na área. Mas como o setor carece de profissionais, uma empresa aqui da cidade de Tupandi me fez uma oferta. A partir disso eu comecei a cogitar, e sendo uma profissão extremamente prática, é necessário que um bom programador programe muitas horas, efetivamente. E nada é melhor para aprender a programar do que passar a viver este trabalho no seu cotidiano. Então eu decidi fazer a transição o mais rápido possível para também evoluir o mais rápido possível”, explica.

“A minha troca foi bem intensa, porque a formação em História, como o próprio nome diz, estuda o passado, e a área da tecnologia é o inverso extremo, é uma forma de projetar o futuro, eu diria”, complementa.

Formada em Química Industrial, Robelsa de Fátima Vasconcelos, de 37 anos, trabalhava como consultora de vendas de consórcios quando decidiu mudar de área. Para ela, que sempre gostou de tecnologia, a falta de coragem e o fato de não falar inglês, um dos pré-requisitos para quem trabalha com programação, foram os motivos que a fizeram esperar tanto tempo. “Comecei a estudar em julho de 2021 e consegui um estágio na Azion. Decidi mudar por causa das possibilidades que estão surgindo no mercado e por ser uma área que te permite trabalhar em qualquer lugar e para empresas de qualquer lugar do mundo, é algo que não nos limita”, explica.

“Não saber falar inglês foi outro problema, quase não fui chamada para o estágio. As seleções de estágio pedem um conhecimento que nas outras áreas não é tão exigido, então temos que estudar muito. O processo de troca ainda está ocorrendo, mas estou muito feliz”, completa.

Para Dalvan, não há nada que cresça hoje no mundo mais do que a área da tecnologia. “A pandemia acelerou muito esse processo, mas é uma área que vem crescendo constantemente nas últimas três ou quatro décadas. Os potenciais futuros vão muito ao encontro de podermos linkar diferentes áreas dentro da tecnologia e da programação. A pluralidade torna essa área muito interessante”, finaliza.

Para quem deseja trocar de área ou ingressar no setor da tecnologia, o conselho de todos os entrevistados que fizeram este caminho se resume em duas palavras-chave: estudo contínuo e persistência.

--

--