Como a Selic afeta a sua vida e o seu dinheiro
Mínima histórica da taxa de juros impacta a poupança, mas torna o crédito imobiliário acessível e reduz endividamentos
A taxa básica de juros serve de referência para diversas operações financeiras. No Brasil, ela é referenciada pelo Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic) e impacta, por exemplo, títulos federais, produtos de renda fixa, taxas de juros de empréstimos, crédito imobiliário e quotas de imposto de renda. Além disso, a Selic ainda dita o rendimento de investimentos populares, como é o caso da poupança. Entender como e no que a taxa básica de juros afeta a economia pode ajudar a identificar oportunidades de obtenção de crédito e conseguir investimentos que rendam de forma satisfatória. A Beta Redação conversou com alguns especialistas que contextualizam o cenário atual, dão dicas sobre a vida financeira e trazem algumas projeções para os próximos anos.
Segundo o economista-chefe da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Porto Alegre, Oscar André Frank Junior, tanto o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) corrente quanto as expectativas para o futuro apresentam variações abaixo das metas definidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), de 4,25% para 2019 e 4% em 2020. Em linha com esse cenário, o Comitê de Política Monetária (Copom) segue reduzindo os juros para incentivar a atividade econômica, o que proporciona expansão de demanda agregada e, por sua vez, pressiona os preços na direção da meta. Hoje, a Taxa Selic está em 5% ao ano, e deverá cair para 4,5% ainda em dezembro.
“Para 2020, creio que haverá dois cortes adicionais de 0,25 ponto percentual nos primeiros meses do ano, mantendo-se em 4% no restante do ano. Esse ciclo de juros baixos é possível porque, primeiro, ainda existe grande capacidade ociosa — tanto do maquinário instalado nas indústrias quanto de mão de obra — ; segundo, a aprovação da Reforma da Previdência diminui o efeito dos gastos do governo sobre a inflação (no médio e longo prazos); terceiro, as taxas de juros vêm declinando no exterior (fruto da desaceleração do PIB global); e, finalmente, porque o Banco Central goza de credibilidade junto aos mercados e aos formadores de preços”, contextualiza Junior.
De acordo com o economista, a política monetária atua de diferentes formas sobre a economia:
— Barateamento do custo de crédito para as famílias, empresários e o governo federal;
— Quanto menor a Taxa Selic, mais barata é a tomada de dívida para consumo, investimentos e o financiamento dos déficits fiscais, ou seja, gastos públicos superiores à arrecadação de impostos;
— Maior viabilidade econômica dos projetos de investimento;
— Os juros representam o custo de oportunidade do investimento. Hoje, projetos com retorno inferior a 5% ao ano não são rentáveis, pois esse mesmo rendimento pode ser obtido através do mercado financeiro, com riscos muito baixos. A partir do recuo projetado para a Selic em dezembro (de 5% ao ano para 4,5% ao ano), planos de negócios com rentabilidade entre 4,5% e 5% ao ano tornaram-se viáveis, favorecendo a geração de emprego e renda;
— Menos poupadores tomam recursos no exterior, há taxas de juros mais baixas para aplicar no Brasil, onde os ganhos deixam de ser tão atrativos. Esse fenômeno produz um efeito colateral sobre a taxa de câmbio: são necessários mais reais para comprar um dólar (desvalorização da cotação). Nesse caso, os exportadores são beneficiados, enquanto as despesas com os importados se torna maior.
Ainda segundo Junior, a Taxa Selic reduz o custo do endividamento do crédito pessoal. Além disso, a tendência é de maior aquecimento da economia e de geração de empregos, viabilizados pelo incremento dos investimentos privados e públicos. Por fim, o consumidor também lida com uma taxa de câmbio mais depreciada, a partir da elevação do gasto necessário para aquisição de bens no exterior. Consequentemente, volta-se para o consumo doméstico.
Na opinião do diretor executivo da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), Filipe Pontual, a queda da Selic é positiva, também, porque facilita o acesso ao crédito para financiamento imobiliário. “É uma queda que estruturalmente faz sentido. A inflação está baixa e parece que ficará assim por mais um bom tempo. Talvez tenhamos mudado de patamar para sempre. Uma prova de que a baixa é consistente é o fato de que as taxas de juros de médio e longo prazo — de 5 e de 10 anos — também caíram bastante. E isso afeta o crédito imobiliário, por exemplo, que fica mais acessível para as pessoas. Crédito este normalmente adquirido para financiamentos de 25 ou 30 anos, sendo que o prazo médio acaba sendo, na prática, de cerca de 10 anos. Então, a notícia é excelente”, argumenta.
Poupança desvalorizada
Atualmente, a quantidade de poupadores chega 160,1 milhões de pessoas e o saldo em contas-poupança dessas pessoas é de R$ 785,7 bilhões. Os dados são da Abecip. Pontual destaca que, em 2019, a captação líquida da poupança está negativa, isto é, os depósitos ainda não superaram as retiradas. O diretor entende esse indicador como um reflexo da retomada lenta da economia. Mesmo assim, segundo ele, o saldo da poupança está aumentando por conta dos juros.
“Manter o dinheiro na poupança é uma coisa muito particular de cada pessoa. O que eu observo é que, hoje, existem instrumentos variados, que permitem aprender mais sobre diversas possibilidades de investimento. Depende do apetite de cada um. Quem pode esperar um prazo longo pode fazer investimentos diferentes ou fazer um mix. E para quem tem um horizonte de tempo mais curto e quer poder tirar o dinheiro a qualquer momento, a poupança pode ser mais interessante. A gente encontra investidores grandes e pequenos que gostam da modalidade. É uma coisa muito pessoal”, analisa.
Pontual atribui a popularidade da poupança ao fato de ser um investimento muito simples, normalmente sem custo e fácil de entender. “As pessoas sabem que é só colocar o dinheiro lá, vai render pouquinho, mas vai render todo mês. Pode sacar a hora que quiser, não precisa assinar nenhum documento e tem uma garantia de reposição de eventuais perdas. No passado, essa garantia era dada pelo governo, mas hoje é do Fundo Garantidor de Crédito de até R$ 250 mil por CPF. Por isso, é natural que seja a primeira aproximação que o brasileiro tende a ter com alguma forma de poupar recursos”, complementa.
Conforme pontua Junior, a caderneta de poupança é uma herança do processo hiperinflacionário do Brasil, nas décadas de 1980 e meados da década de 1990. Ele conta que se por um lado instrumentos como o chamado overnight (investimento de renda fixa de curto prazo) protegiam os patrimônios das famílias do aumento excessivo de preços, criaram, ao mesmo tempo, distorções ao diminuir os incentivos pela busca de outras aplicações.
O overnight, atualmente, é permitido apenas às instituições financeiras. Quando podia ser feito por pessoas físicas, funcionava como um Certificado de Depósito Bancário (CDB) de 24 horas. Ou seja, se emprestava o dinheiro para o Banco num dia e retirava, com rendimentos, no outro. Essa modalidade protegia as economias das pessoas da desvalorização diária e desenfreada numa época de inflação descontrolada. O overnight deixou de ser ofertado às pessoas físicas em 1991.
Junior recorda que os juros altos eram usados com o intuito de manter o equilíbrio macroeconômico. Por isso, a renda fixa assumiu a condição de investimento, não mais apenas uma reserva de valor. “É fundamental entender que o brasileiro tem ao seu dispor outras alternativas de renda fixa tão seguras e líquidas quanto a poupança, e que remuneram mais. Logo, não considero essa modalidade atrativa. De acordo com a regra vigente, a caderneta remunera 70% da taxa Selic. Se os juros básicos alcançaram 4%, a poupança pagará 2,8% ao ano, ou seja, menos do que a inflação. Portanto, a pessoa estará perdendo dinheiro”, atesta.
Investir é financeiramente saudável
Para o economista da CDL-POA, todos deveriam ter algum tipo de investimento, “porque se trata da mola propulsora do crescimento sustentado”. De acordo com Junior, é algo “absolutamente vital”, pois pensar em investimentos significa pensar no futuro. Ele salienta que é necessário qualificar a educação financeira da sociedade para que os cidadãos sejam bem orientados na perseguição de uma estabilidade financeira.
“Todos nós, em alguma escala, necessitamos formar uma reserva de emergência, para lidarmos com questões inesperadas do dia a dia, formar uma reserva aquisitiva, que viabilize a compra de bens e serviços, construir uma previdência complementar, uma vez que as regras de acesso aos benefícios ficaram mais restritivas com a Reforma da Previdência”, enfatiza.
O educador financeiro Adriano Severo afirma que qualquer pessoa que consiga fazer sobrar um pouco da sua renda pode fazer investimentos. Ele evita fixar uma porcentagem ideal daquilo que deve ser separado da renda mensal para investimentos.
“Não gosto de estipular um mínimo pois cada pessoa tem a sua realidade. Prefiro dizer que é o máximo que a pessoa conseguir. Pode começar guardando valores pequenos e, conforme sentir-se confortável, ir aumentando essa quantia até chegar em um ponto de guardar o máximo possível. Existe famílias que vivem com um salário mínimo e, para essas pessoas, se definirmos um percentual, acaba se tornando algo muito distante e desmotivador”, exemplifica.
Como alternativas à poupança, Adriano cita os Títulos Públicos, o Tesouro Selic (que pode ser resgatado a qualquer momento), além de produtos como Certificado de Depósito Bancário (CDB), Letra de Crédito Imobiliário (LCI) e Letra de Crédito do Agronegócio (LCA). “A única desvantagem desses investimentos, em relação à poupança, é o fato de não ser possível fazer o resgate em finais de semana e feriados. Outra situação em que seria vantajoso deixar o dinheiro na poupança é se o dinheiro for usado em poucos dias e precisar pagar taxas de aporte e resgate, muitas vezes os ganhos são inferiores a esses aportes”, encerra.
Mudança de paradigma
De acordo com a economista-chefe do Banco Inter, Rafaela Vitória, apesar de ser, possivelmente, o tipo de investimento mais conhecido, a poupança já perdeu o posto de mais popular. Ao menos, se considerarmos o volume investido. “No Brasil, hoje, os fundos de investimento possuem patrimônio sob gestão de cerca de R$ 5 trilhões, dos quais a renda fixa é o tipo mais investido, com R$ 2,2 trilhões”, esclarece.
A economista explica que a queda na taxa de juros não impacta na recomendação dos investimentos por parte do Banco Inter. “Apesar da renda fixa ter retornos menores a partir dessa queda, sempre recomendamos uma carteira de investimentos diversificada de acordo com o perfil de risco do investidor. Para se obter maiores retornos no cenário de juros baixos, o investidor precisaria antes estar disposto a correr mais risco com investimentos de maior volatilidade como renda variável, fundos imobiliários, fundos multimercados e crédito privado”, revela.
Junior concorda com Rafaela. Para ele, tende a ocorrer a migração dos capitais aplicados em renda fixa para renda variável. “A queda da remuneração da poupança e de outros ativos de renda fixa amplia a procura por educação financeira, de modo que outras alocações (ações, fundos imobiliários, derivativos) também estejam presentes no portfólio de pessoas físicas e jurídicas. Nesse sentido, o mercado financeiro, ainda muito pouco explorado no Brasil em relação a diversos países, é fundamental para que o nosso futuro seja mais promissor”, pontua.
Rafaela informa que o Banco Inter conta, atualmente, com 3,7 milhões de correntistas. No terceiro trimestre de 2019, a instituição financeira alcançou 338 mil clientes ativos na Plataforma Aberta Inter (PAI) — espaço destinado ao gerenciamento de investimentos dos clientes do banco — , o que representa um crescimento anual de 297% no percentual de investidores (representando 10% da base de clientes do Inter).