Como as tradicionais lojas de discos de Porto Alegre resistem ao tempo

Eduarda Ferreira
Redação Beta
Published in
6 min readJun 24, 2023

Vendas de outros objetos de coleção e a ida para o mercado online foram algumas alternativas encontradas pelos comerciantes

Por dentro da Toca do Disco (Foto: Eduarda Ferreira/Beta Redação)

Os adesivos e posters dispostos por toda a fachada, bem como a infinidade de discos organizados em caixas por todos os lados deixam claro: estou prestes a entrar em uma das mais tradicionais lojas de discos de vinil de Porto Alegre. Localizada na Rua Garibaldi, no Bairro Bom Fim, a Toca do Disco surgiu em 1989, e desde então abriga uma grande coleção de LPs e CDs para todos os gostos.

As divisórias que organizam o espaço evidenciam o que é possível encontrar por ali: LPs novos e usados de bandas e artistas que vão desde Música Popular Brasileira, passando pelo Rock nacional e internacional, Blues, Jazz, chegando até aos discos de música gauchesca e música clássica que, segundo Rogério Cazzetta, são uma minoria. “Esses eu tenho umas duas ou três caixas ali, para se acaso alguém perguntar. Mas o forte mesmo da loja é o rock, principalmente dos anos 60 e 70, além de Blues e muito Jazz. São os estilos de música que eu gosto e foi onde tudo começou”, comenta o proprietário.

Com quase 34 anos de história, a loja partiu de uma proposta dos pais de Rogério, que queriam montar um negócio. “A ideia mesmo foi da minha mãe. Ela perguntou se eu não queria abrir uma loja de discos já que era um colecionador desde muito pequeno. Na época, eu dava aula de educação física para crianças”. Ele conta que para fazer desse negócio o seu novo propósito, juntou a paixão pelos discos aos conhecimentos já adquiridos pela vivência própria, de quem colecionava os LPs desde os 12 anos de idade, por influência de alguns primos. “Eles me mostraram os discos que abriram os caminhos para o meu gosto musical. Artistas como Johnny Winter, Rory Gallagher, Janis Joplin, Jimi Hendrix, Black Sabbath”, relembra.

Rogério e o filho, Francisco Cazzetta, quem também trabalha na loja da família. (Foto: Eduarda Ferreira/Beta Redação)

Atualmente, Rogério estima que conta com uma coleção de mais de 5 mil LPs, entre novos e usados, além de 3 mil CDs e cerca de 2 mil compactos (discos de aproximadamente 7 polegadas).

“No começo, eu só vendia os LPs, mas com o surgimento dos CDs, no início dos anos 2000, tivemos que nos adaptar. Com isso, a procura pelos discos de vinil despencou. Entre 2001 e 2006, mais ou menos, foi um período bem complicado. Ninguém queria saber mais de discos de vinil. A gente só conseguiu se manter porque a loja era nossa. Mas muita gente que pagava aluguel do espaço acabou quebrando”, relembra Rogério Cazzetta.

Para ele, já faz mais de uma década que os discos voltaram para um lugar de desejo, principalmente para os colecionadores. “Acho que foi mais ou menos em 2008 que o vinil começou a voltar ao interesse. Tenho clientes e amigos que se desfizeram das suas coleções ou trocaram por CD e até hoje se arrependem amargamente”, diz.

O que está retornando mais recentemente são os CDs. “Acredito que seja também pela questão do valor. O disco é uma coisa cara, sempre foi. Na época em que só existia disco novo e não existia CD, eles tinham um valor razoável. Mas hoje em dia, com a escassez de vinil - porque existe muito mais procura do que disco. Com um mercado aquecido, com discos sendo relançados, um vinil novo custa no mínimo 150 reais, isso, os nacionais. Então, o CD acaba saindo muito mais em conta”, explica.

Muito além dos LPs

Embora os LPs sejam o maior atrativo das lojas, muitas delas vendem também outros objetos de coleção. É o caso da Stoned Discos Mausoléu Antiguidades, que começou as atividades em 1992. “Depois que eu abri a loja, na rua Marechal Floriano, onde ela ficou por 30 anos, eu comecei a trabalhar com bonecos em miniaturas, posters, livros, revistas. Comecei a importar discos dos Estados Unidos, canecas personalizadas de bandas como Nirvana, Beatles, Rolling Stones. Tudo em torno dessa temática dos astros e bandas de rock”, explica Ivan Laurindo, proprietário da loja, que hoje fica na rua Manoel Bandeira, no Jardim Itu.

Parte da coleção de bonecos em miniatura encontradas no espaço da Stoned Discos. (Foto: Ivan Laurindo/arquivo pessoal)

Aos 70 anos, ele conta que possui entre 10 e 15 mil discos de vinil disponíveis para venda, além de todos os outros objetos de colecionador. “Beatles maníaco”, como ele mesmo se intitula, Ivan acredita que os exemplares “discos Bootlegs” dos Beatles são os mais raros de toda a sua loja. “Esses Bootlegs são discos alternativos que não saiam na discografia oficial do artista. São super raros e os que temos aqui chegam a custar até 3 mil reais”, explica. “No geral, as pessoas não têm comprado muitos CDs e DVDs como antes, mas continuam comprando os outros objetos: as estatuetas, quadros, livros, essas coisas colecionáveis. Mas para ouvir música, a preferência é pelo disco de vinil, sem sombra de dúvidas”, avalia.

Os discos de bandas de rock como The Beatles estão em maior número na loja de Ivan. (Foto: Ivan Laurindo/arquivo pessoal)

Essa também é a percepção de Luís Carlos Fonseca, de 65 anos, dono da Classic Rock. A pequena loja localizada na Galeria Chaves, desde 1994, também conta com DVDs, CDs e camisetas, além dos vinis. “Acredito que eu tenha cerca de 5 mil discos. Não é uma quantidade muito expressiva e a maioria dos discos são de Rock. Mas acredito que tenho o que mais vende em Porto Alegre, que é o Rock, junto com um pouco de MPB, Jazz e Blues. No geral é rock gaúcho, nacional e internacional”, afirma. Para ele, embora o CD ganhe espaço pela diferença de preços, ele acaba perdendo pela qualidade. “Acho que muita gente se decepcionou com o CD porque estraga muito mais fácil. A volta do disco foi um pouco disso. A única coisa que estraga o vinil é traça e cupim. Mas se acondicionado direitinho ele fica ali, em perfeito estado, só passar um paninho úmido e deu”, explica.

Alternativas frente às tecnologias

Se no começo dos anos 2000 os comerciantes de discos de vinil tiveram que se adaptar à chegada dos CDs, agora o desafio é concorrer com as lojas online ou se adaptar a elas. Nesse cenário, há quem quase não venda mais na loja física, como é o caso da Stoned. “Hoje, a gente vende para o Brasil todo pela internet. Nossa loja é 98% online, quase nem chega a 2% a venda da loja física. Na loja online, vendemos muito. Todos os dias, eu e a minha esposa despachamos pelo menos uns 10 pacotes com envios pelos correios”, conta Ivan.

“O que as pessoas mais procuram são discos usados em boas condições. É isso que o colecionador gosta. O produto que é original da época em que foi lançado, e dá aquela nostalgia. Os que estão sendo relançados, mesmo que sejam lacrados, não é a mesma coisa. Os discos antigos tem uma simbologia que é diferente”, conta.

A Toca do Disco também possui loja online, que é administrada pelos filhos de Rogério. “Eu não tenho uma média de quantos discos vendemos por lá, às vezes, em um final de semana temos 15–25 vendas. Não é linear. Aqui na loja, o dia que mais vende é no sábado, quando as pessoas têm mais tempo para vir e escolher os discos”, explica. Ele conta que os discos mais raros de sua coleção são LPs de Blues importados e as primeiras edições de discos brasileiros que não foram relançados. “Eu tenho na loja online um disco do Liverpool, banda gaúcha que mais tarde ficou conhecida como Bixo de Seda. É a primeira edição e que talvez seja o mais caro que tenho aqui, vale em torno de R$ 1.200”.

E apesar dos preços, há quem invista nos discos de vinil e não os troque por nada. “Funciona assim como quem coleciona moedas. Muita gente tem discos que nunca abriu. Tenho clientes que têm mais de 3 mil LPs, a maioria lacrados. O cara diz que ouve os CDs, mas os discos não. Eles são para a coleção”, finaliza Rogério.

--

--