Comunicação como direito e não como mercadoria

Na última semana, a Unisinos sediou evento que buscou refletir as práticas de democratização da mídia

Ariane Laureano
Redação Beta
4 min readOct 4, 2017

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Promovido pelo grupo Processocom, a atividade trouxe pesquisadores de diversos países

“A ignorância em relação à existência de regimes corporativistas, oligárquicos e anacrônicos vigentes no Brasil, que excluem milhões de profissionais, empresários, artistas e comunicadores do grande mercado das mídias e favorecem a umas poucas famílias, é uma realidade que deve ser conhecida, analisada e desconstruída, principalmente na universidade”, afirma o pesquisador do PPG da Unisinos, Alberto Efendy Maldonado. Líder do grupo Processocom e doutor em Ciências da Comunicação, o professor defende que o pensamento construtivo, transformador e questionador é fundamental para garantir a estabilidade de questões socioculturais e políticas.

Foi pensando nessa pluralidade e nas inúmeras possibilidades de mídia que o grupo Processocom realizou o II Colóquio Internacional de Investigação Crítica em Comunicação, que ocorreu na última quinta (28) e sexta-feira (29). O evento contou com as contribuições do grupo “Democratizar a Comunicação”, da Universidade Nacional de Córdoba, da Argentina. A equipe falou sobre as práticas da sociedade civil pela democratização da comunicação e da cultura, antes das medidas do novo governo nacional argentino. O evento teve a participação de pesquisadores de sete países latino-americanos. Em sua segunda edição, a temática central foi o professor Armand Mattelart e suas contribuições no campo da Comunicação.

Natália Traversaro, doutora em Estudos Latino-americanos pela Universidade Complutense de Madri e integrante do grupo, apresentou sua tese de doutorado, o qual analisa as propostas de comunicação de um grupo de Córdoba, chamado “Movimiento Barrios de Pie”. Ela investigou o trabalho comunitário que o grupo realizou e verificou de que maneira as políticas públicas da Argentina contribuíram para a realização de conteúdos audiovisuais no país. “Precisamos ver a comunicação como um direito e não como uma mercadoria”, afirmou a pesquisadora.

Outra contribuição foi da professora e pesquisadora da Unisinos, doutora em Ciências da Comunicação, Sonia Montaño, que falou sobre as adequações que precisam existir em relação às novas práticas de Comunicação. “Clicar se tornou a nova linguagem. A linguagem mais falada na atualidade” , ponderou a professora.

Sonia Montaño e Gustavo Fischer encerraram a primeira noite de debates (Foto: Ariane Laureano/ Beta Redação)

É preciso educar para questionar

O professor da Unisinos, doutor em Ciências Políticas e ex-presidente da Fundação Piratini Pedro Osório defendeu que deveriam existir políticas públicas eficazes para que ocorra a democratização da comunicação. “É preciso que exista um espaço de negociação e busca pela possibilidade da sociedade se manifestar sobre os meios de comunicação. Limitar a participação de políticos controlando veículos de comunicação e ter incentivos à mídia alternativa”, afirmou em entrevista concedida à repórter.

Em contrariedade a essa condição ideal, em março deste ano, o presidente Michel Temer retirou da Lei de Revisão do Marco Regulatório da Radiodifusão o trecho que proibia políticos de exercer a função de diretor ou gerente de “concessionária ou permissionária” do setor.

Democracia no Brasil não existiria sem a efetiva democratização dos meios de comunicação. É com esse ideal que o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) engloba entidades dispostas a enfrentar os problemas desse setor no país. A associação pretende denunciar e combater a concentração econômica na mídia, a ausência de pluralidade política e de diversidade social e cultural nas fontes de informação, tornando-se obstáculos à consolidação da comunicação pública e cidadã.

Osório afirma que democratizar a comunicação também passa por educar a população e a maneira de consumir a mídia. “Essa educação pode se dar através de escolas, sindicatos, igrejas e passa fortemente pela aproximação com a cultura. Porque se eu não tiver educação, minha tendência é censurar. E é preciso o mínimo de discernimento para argumentar em relação àquilo que eles estão assistindo. A sociedade civil precisa de espaço para opinar sobre o que está acontecendo”, explicou.

Além de opinar, a população precisa se sentir representada na mídia. O ex-presidente da Fundação Piratini relembra uma viagem que fez ao interior do Rio Grande do Sul — em uma das retransmissoras do sinal da TVE — e conta que um cidadão se queixou da maneira pela qual a grande mídia noticiava a principal festa da cidade: “Nós não somos apenas linguiça e cuca, nossa cultura é muito mais do que isso”.

Por vezes, os estereótipos e o senso comum acabam reduzindo certos tipos de movimento. Osório destaca ainda a banalização que a grande mídia despende à questão tradicionalista. “É por isso que as tevês públicas são tão importantes. Pela diversidade dos seus conteúdos e dos tratamentos com as temáticas. Assuntos que não têm espaço na grande mídia geram excelentes espaços de discussões nas tevês públicas. A extinção da Fundação Piratini será trágica”. Para Efendy, “sem democratização da comunicação, o Brasil dificilmente superará a grave crise política, ética, social e econômica que atravessa”.

Discussão para além da sala de aula

O professor Pedro Osório garante que a universidade tem muito a contribuir para a democratização, mas é preciso de uma participação efetiva e ações mais energéticas. “Falta colocar em prática tudo aquilo que é produzido em sala de aula”, explicou. Efendy Maldonado vai pela mesma linha e diz que são poucos os pensadores e profissionais que trabalham e advogam pela democratização ainda são uma qualificada minoria. “Se para a grande maioria de estudantes, professores e profissionais a problemática da democratização é algo de segundo ordem, ou distante, ou nem sequer é considerada, o processo continuará lento. Esse exercício deveria começar nos laboratórios e nas salas de aula, deveria continuar no compromisso social de cada trabalho e ação realizada e deveria alcançar uma organização ampla, diversa, fecunda e forte”, finalizou.

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