Conheça a Abadá, uma das maiores associações de capoeira do mundo
Criada em 1988, Associação Brasileira de Apoio e Desenvolvimento da Arte-Capoeira reúne mais de 60 mil membros em mais de 50 países
A capoeira é uma das principais expressões culturais do Brasil. O esporte, que mistura arte marcial, dança e música, originou-se como uma forma de luta e resistência na época da escravidão no país. Quem desempenhou um importante papel na construção da capoeira foi o famoso Manoel dos Reis Machado, mais conhecido como Mestre Bimba. Ele foi o responsável por criar a capoeira regional e virou uma referência para muitas pessoas.
Uma delas, por exemplo, foi José Tadeu Carneiro Cardoso, o Mestre Camisa, que fundou a Associação Brasileira de Apoio e Desenvolvimento da Arte-Capoeira (Abadá), em 1988. Essa é uma das maiores associações de capoeira do mundo, com mais de 60 mil membros representados em todo o Brasil e em mais 50 países.
No Rio Grande do Sul, são mais de 5 mil alunos, e um dos principais representantes e coordenadores da Abadá é Carlos Henrique Dias da Silva, conhecido como Mestrando Sorridente. Nascido em Barra Mansa (RJ), o capoeirista está há mais de 35 anos estudando e praticando capoeira ao redor do mundo.
“As pessoas procuram a capoeira por diversos motivos. Às vezes é pela musicalidade, pela história, pelo esporte ou pela cultura mesmo. Enfim, são várias possibilidades. Eu comecei no esporte ainda em Barra Mansa, mas depois de quatro anos nessa trajetória conheci o Mestre Camisa. Fiquei encantado com o jeito dele de jogar. Foi aí que eu decidi sair da minha cidade. A capoeira já me levou para nove estados brasileiros e pelo menos 10 países. Agora eu estou em Porto Alegre, há 26 anos, por convite de dois capoeiristas que já moravam aqui”, explica o Mestrando Sorridente.
O capoeirista também diz que não há idade para iniciar uma jornada no esporte. Isso porque, de acordo com ele, a trajetória é construída e a evolução é individual. Para indicar o nível de cada aluno, existem faixas de graduação. A primeira delas é cinza. A partir da faixa vermelho-roxo, os capoeiristas já estão graduados para serem professores e, consequentemente, podem dar aulas de capoeira. Por outro lado, os mestrandos são faixa roxa e os mestres são faixa branca, a última.
“Todo lugar em que há um mestre, há uma valorização dessa pessoa. Na capoeira também é assim. Os mestrandos são pessoas com mais participação, que têm mais entendimento da cultura e que sabem desenvolver os alunos. Para ser realmente um mestre, é necessário ter ainda mais conhecimento e um trabalho mais sólido. Eu tenho 52 anos e seis deles foram como mestrando. Só que quem decide quando a gente vai ser mestre são os mestres. Isso quando eles percebem que estamos preparados”, conta o Mestrando Sorridente.
Fora do Brasil, a história é um pouco diferente. Isso porque os estrangeiros só conseguem conquistar a faixa roxa depois de praticarem capoeira em território nacional e depois de saberem falar português. “Essa é uma forma de preservar a nossa arte. Todas as linguagens da capoeira, aliás, são em português. Se um alemão ou um italiano fizerem capoeira, por exemplo, eles também vão falar ‘ginga’, que é um dos nossos movimentos”, esclarece.
Além da prática em si, muitos capoeiristas também participam dos jogos. Assim como nos outros esportes, existem campeonatos regionais, nacionais e até mundiais. No entanto, o Mestrando Sorridente deixa claro que competir não é uma obrigação. “Nem todo o ser humano gosta de competir, então, é livre. Ninguém é obrigado a nada. Quem quer participar dos jogos, participa. Quem não quer, não precisa”, diz.
Fernando Cotta Ricci, de 38 anos, é um dos apreciadores gaúchos da capoeira. Além de competir, o capoeirista também é graduado e já deu diversas aulas na capital gaúcha depois das práticas com o Mestrando Sorridente. “Eu comecei a praticar capoeira em 1998, já com o Mestrando Sorridente. Eu era adolescente, tinha uns 14 anos, e fiz capoeira por cerca de dois anos. Depois eu abandonei um pouco por causa de estudos e trabalho, mas faz uns 10 anos que eu retornei”, conta.
Por ser graduado, Fernando já deu aulas de capoeira em alguns projetos sociais. Um deles, por exemplo, foi em asilos. Segundo ele, os ensinamentos pararam durante a pandemia em função do isolamento e das pessoas estarem no grupo de risco, mas foram prioridade no retorno das atividades.
“Entraram em contato comigo de novo porque acreditam que a capoeira é muito importante por trazer alguns elementos até usados por profissionais. Então, por exemplo, tem musicalidade e eles tinham professores de música. Tem atividade física e eles tinham educadores físicos. Ou seja, eles viram na capoeira a oportunidade de juntar tudo em uma coisa e, desta forma, reduzir o risco de contato com mais pessoas”, explica o capoeirista graduado.
Por outro lado, Fernando acredita que a capoeira tenha ido além de um esporte na sua trajetória e tenha trazido ensinamentos que ficarão para toda a vida. “No fim das contas, a capoeira sempre foi uma válvula de lazer e de atividade física, mas também de uma paixão por essa cultura. É legal que a capoeira não trabalha só a luta, mas também a poesia e a cantoria, por exemplo. Eu acho que o que mais me chama atenção na capoeira é a questão de postura de vida. A gente aprende a lidar com as diferenças. A capoeira nos ensina a ser coerente com o que estamos fazendo e mostra que a gente não pode se prevalecer de nada”, ressalta.
Vale lembrar que a Abadá não é a única escola de capoeira do Brasil. No entanto, Mestrando Sorridente acredita que a associação carrega uma evolução do esporte consigo mesma. “Para mim, a diferença da Abadá é que a gente tem o Mestre Camisa, que é o gênio da capoeira. Ele fez e está fazendo a diferença no mundo da capoeira. Ele tem o desejo de ver os capoeiristas em um patamar que a gente realmente merece. Nós não somos só atletas. Nós também somos artistas. A gente canta, dança, toca e luta. São muitas coisas em uma arte só”, explica.
O Mestrando ainda relata que, todos os anos, o Mestre Camisa organiza momentos de estudo para os capoeiristas. “Não é só a parte física que é desenvolvida na Abadá. Nós também temos cursos e palestras. O Mestre Camisa sempre faz questão de trazer algum especialista para falar de outras áreas como administração, saúde e cultura, por exemplo. Isso para que a gente possa ir melhorando também como capoeirista e não só como jogador. A capoeira evoluiu muito, e ele ajudou muito nisso”, finaliza.
Desde 2014, a capoeira é registrada como patrimônio cultural imaterial pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) em uma categoria que abrange expressões culturais e tradições que um grupo de indivíduos preserva para as gerações futuras.