Conheça a rotina de Jora, o “Tio do Churros” do centro de Porto Alegre

Beta Redação acompanhou o turno de trabalho do ambulante, fixado na mesma esquina há quase 30 anos

Leonardo Ozório
Redação Beta
5 min readSep 8, 2017

--

Jorami, 64 anos — 28 deles fixados no mesmo ponto do Centro de Porto Alegre.

O relógio marca, pontualmente, 09h45 de uma sexta-feira. O centro de Porto Alegre borbulha pela movimentação urbana e, sobretudo, pelos estabelecimentos comerciais que estão recém abrindo suas portas para o início do dia. Neste contexto, chamam a atenção os vendedores ambulantes, caracterizados por suas respectivas carrocinhas.

Há poucos metros do Santander Cultural, precisamente na esquina da Rua Uruguai com a José Montaury, um enredo chama a atenção: o do tio Jora. Ou, como é popularmente conhecido, “Tio do Churros”. Com disposição e sorriso rejuvenescido, sob o uniforme customizado especialmente para se dedicar ao expediente, comercializa, por trás de sua equipada carrocinha, a famosa sobremesa de origem ibérica — sugestiva àqueles que, em meio à correria, desejam deliciar-se.

- Fica pronto rapidinho, moça — explica Jora a uma cliente, enquanto frita a massa do doce e, em sequência, o recheia de doce de leite.

Prestes a completar 65 anos, Joramí de Figueiredo, natural de São Leopoldo, mora em Canoas. Conta que, de segunda a sábado, às 07h, desperta para encarar a rotina. O horário lhe permite espaço de tempo para a primeira refeição do dia, bem como levar a enteada mais nova, por quem conserva consideração de filha, ao colégio. Antes disso, transfere da cozinha de sua casa ao veículo estoques de massa caseira, com as quais percorre aproximadamente 13 km, até chegar à capital.

Por trás da estrutura de trabalho ambulante, tio Jora carrega consigo uma história de 50 anos voltada à comercialização de alimentos. Tudo começou em 1967, época em que, ainda menino, era avistado vendendo pipoca pelas arquibancadas do Estádio Olímpico Monumental, durante partidas de futebol pelo Torneio Roberto Gomes Pedrosa — mais tarde reconhecido pela CBF como Campeonato Brasileiro. Neste mesmo ano, no Uruguai, viria a receber de um amigo os primeiros ensinamentos para a receita do “churros ideal”.

Para outra cliente, que aparentemente jamais havia visitado a ilustre carrocinha, explica o segredo de seu produto. Diz que está na massa e que a importa da Argentina, por ser “pura, do trigo mesmo”.

A esquina, pela qual obteve a licença para a comercialização do churros, lhe oportunizou um olhar privilegiado diante do crescimento populacional e urbanizado de Porto Alegre, além de diversos momentos históricos que, hoje em dia, preenchem páginas das apostilas de história dos mais novos. Foi dali que observou atentamente o comício de Leonel Brizola na disputa pela presidência, em 1989; a marcha pelo impeachment do eleito daquele pleito, Fernando Collor de Mello, três anos mais tarde. Constata, também, que, por outros pontos, viu a chegada do Papa João Paulo II em solo gaúcho, em 1980, bem como as movimentações em meados de 1985, historicamente conhecida por Diretas Já.

Filho de pai mato-grossense e mãe gaúcha de Candelária, Jora trabalhou com rapadura, crepe, cachorro quente e, até mesmo, sorvete. Simultaneamente, porém, continuou se dedicando ao aperfeiçoamento da massa, por meio de cursos com confeiteiros, até comercializá-los pela primeira vez no verão de 1975, em Capão da Canoa. O retorno financeiro logo o incentivou a trazer seus talentos culinários para Porto Alegre, em 1978.

- Decidi, naquele momento, dedicar-me exclusivamente ao churros e ser o melhor no que faço — conta, orgulhoso.

O reconhecimento do dia a dia pelo trabalho desempenhado não tarda para se evidenciar. Entre uma venda e outra, Ana Lúcia, de 38 anos — há, pelo menos, 10 como cliente de tio Jora — não se hesita em elogiar ao dar a primeira mordida em sua pedida: outro churros de doce de leite.

- Que massa, tio! — ressalta.

Sobre risos, o Tio doe Churros não se contém ao lembrar daquele ingrediente que considera diferencial em seu produto.

- Tô falando! É leve e aerada como aquele chocolate Suflair — compara.

Quando o assunto é clientes, o capilé não esforça a mente para lembrar-se dos mais ilustres. Políticos como Olívio Dutra, Tarso Genro, Nelson e Marchezan Júnior, Yeda Crusius, além dos comunicadores Pedro Ernesto Denardin e Paulo Brito e da ginasta Daiane dos Santos são alguns dos nomes extraídos.

- Todos eles, personalidades ou não, são especiais para mim. Tenho o caso, por exemplo, de uma menina que compra comigo desde os 16 anos e, hoje, é mãe de uma jovem de 17 anos, que também é minha cliente — conta.

Em determinados momentos, humaniza ainda mais o pequeno ambiente de trabalho ao atender o pedido de um morador de rua, oferecendo-lhe um churros; o que viria a acontecer perto das 11h. No entanto, frisa:

- Não dá pra ser sempre — justificando que também precisa pensar em seu negócio.

O cliente que viria a seguir torna nítida uma das paixões do ilustre vendedor de churros ao perguntar: “e a dupla Gre-Nal?”. Torcedor do Grêmio, Jora é fanático por futebol. Enquanto preparava mais um doce, desta vez recheado de chocolate, fazia referência aos resultados dos clubes da capital, relacionando com o período que se dedicou aos gramados. Por muitos anos, veio a frequentar os gramados amadores. Era zagueiro. Destro.

- Tem que chegar junto! — gesticula ao interpretar uma dividida de bola.

Apesar da vitalidade, evidenciada pela simpatia, disposição e bom humor, o comerciante reconhece a idade avançada. Por isso, conta com a ajuda de Daniela, 22 anos mais nova, que se encarrega das atividades a partir das 14h. Braço direito do marido, com quem convive há 10 anos, trata-se do seu terceiro casamento.

- E último — deixa claro Jora.

Os dois se conheceram por meio da religião. Jora e Daniela são evangélicos e frequentam, semanalmente, a Igreja Batista Filadélfia, em Canoas. Semestralmente, a dupla ministra e coordena o curso local ‘Casados e Felizes’. A um de seus clientes, esclarece a importância de enxergar o relacionamento na perspectiva de Deus.

O horário, 13h47, se aproxima do limite diário de Jora, quando chega ao local sua esposa para dar sequência às vendas. Ainda que tenha o sábado inteiro pela frente, visa o final de semana. Os planos são praticamente os mesmos, segundo Jora: rever a família. Ele tem quatro filhos, oriundos dos dois casamentos anteriores, além de sete netos.

Após algumas orientações à esposa, ali termina a rotina para o “Tio do Churros” que, por momento, passa a se tornar pai e avô.

--

--