Projeto Enegreça a Política combate racismo e elitização do poder
Iniciativa de coletivos busca colocar em maior evidência candidatos negros nas eleições municipais de 2020
A busca pela igualdade parte de todos os meios, sejam eles políticos, sociais e culturais. O projeto Enegrecer a Política traz a proposta de trazer uma maior visibilidade aos candidatos negros dentro da política, e para isso foi lançada a iniciativa Enegreça o seu voto.
Membro da secretaria executiva de coordenação do Enegrecer a Política, Ingrid Farias explica que tudo teve início por meio da união de sete grupos que quiseram trazer à tona um plano de suma importância. “O projeto é uma iniciativa composta por sete organizações: a Rede Nacional de Feminista Antiproibicionistas (RENFA), a Blogueiras Negras, o Movimento Mulheres Negras Decidem, a Foram Marielles, o Coletivo de Mulheres Negras do Pará, Abigú Comunicativismo e o Observatório Feminista do Nordeste”, informa.
A ideia do grupo é buscar uma abrangência maior dos negros dentro dos ambientes de prestígio político. No final de 2019, essas organizações se reuniram para poder pensar como poderiam incidir no processo de ampliação da participação negra nos espaços de poder e decisão. “As eleições são um marco de atuação principal, queremos elevar a participação das pessoas negras nesse processo, mas especialmente a das pessoas negras comprometidas com a luta antirracista”, comenta Ingrid.
O Brasil tem vivido nos últimos anos um levante das iniciativas de luta em defesa da democracia, e isso ajudou a fazer com que a ideia de buscar a igualdade fosse possível. “A luta antirracista tem tido um efeito muito positivo nos últimos anos, no sentido da organização da comunidade negra. O lamentável fato da morte de Marielle Franco (vereadora do Rio de Janeiro pelo PSOL, assassinada em 2018) deu uma guinada ao centro dessa necessidade. Muitas pessoas negras começaram a perceber que é necessário a ocupação da política. Se nós formos muitos, nós temos mais possibilidade de estarmos juntos e nos proteger”, finaliza a ativista.
Pontos de vista dentro da política
Edson Portilho foi o primeiro negro de Sapucaia do Sul eleito deputado estadual. Filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT) desde 1986, o atual vereador do município sempre defendeu pautas sociais e inclusivas, como as cotas nos concursos públicos e nas universidades públicas. Para ele, a importância de um projeto como o Enegrecer a Política tem muito a ver com a história dos negros no Brasil. “O nosso país foi um dos últimos a abolir a escravidão. Esse fato deixou sequelas e chagas no Brasil. O negro foi liberto, mas não conseguia trabalho, não sabia ler e escrever, não tinha casa para morar. Hoje, no século XXI, os negros e negras continuam recebendo salários menores que os brancos, a mulher negra é a mais discriminada na sociedade”, explica.
Professora há 25 anos na rede municipal de ensino de Sapucaia do Sul, Elenara Vieira Martins Luz é pré-candidata negra a vereadora da cidade. “Costumo dizer que quando chego em um determinado espaço, meus títulos não se apresentam, o que se apresenta em primeiro lugar é um corpo negro, ou melhor, uma mulher negra. Portanto, sofri racismo, sim, a vida toda, em diversos lugares”, lamenta. Assim como Edson Portilho, ela também é filiada ao PT, e conta que já sofreu preconceito na universidade, considerada por ela um espaço político de luta.
Portilho complementa o assunto com sua visão referente ao que o Brasil e, principalmente, as minorias estão passando durante o mandato do presidente Jair Bolsonaro (ex-PSL). “Hoje, com a eleição do governo Bolsonaro, os preconceitos estão mais aflorados nas pessoas no nosso país. Acredito que o preconceito racial continua existindo, mas agora as pessoas demonstram por terem exemplos nas atitudes do primeiro mandatário da nação”, critica.
O ex-deputado e vereador de Sapucaia do Sul ainda condena a escolha de Sérgio Camargo como presidente da Fundação Palmares. Camargo já se envolveu em polêmicas ao chamar o movimento negro de “escória”. Assim, Portilho reafirma a importância do trabalho de ONGs e movimentos, como o Enegreça a Política, que lutam pela igualdade racial.
Já para Elenara, um movimento como o Enegrecer a Política é fundamental para a população negra, pois abre um caminho com possibilidades para que todos possam ter destaque no âmbito político. “Acredito que esse projeto é resultado de muita luta do Movimento Negro e seus diversos coletivos. Também acredito que é reflexo de uma geração que teve a oportunidade de enegrecer as universidades graças às políticas afirmativas e de cotas raciais.”
A pré-candidata ainda afirma que o projeto pode ajudar a abrir os espaços necessários para mudanças. “O poder do nosso país é masculino e branco, precisamos romper este paradigma para atender através das políticas as necessidades de toda a nossa diversidade”, finaliza.
Professor e militante
Waldemir de Rosa, doutor em Antropologia e professor universitário há 11 anos, participa de militâncias da causa negra há três décadas, desde a adolescência. Para ele, o racismo na política brasileira tem total relação com a sua estrutura arcaica. “A pouca representatividade de negros na política brasileira, mesmo em contexto de avanço de direitos, é resultado dessa configuração histórica. O movimento pela maior representação de negras e negros na política é uma estratégia importante no processo de enfrentamento ao racismo.”
Na sua visão, o projeto Enegrecer a Política é uma maneira de buscar mudar esse poder elitizado que existe na política. “É um movimento de romper com a elitização do poder, não apenas uma questão de visibilidade”, opina Rosa.