Coparentalidade: uma alternativa de formação de família

O conceito define a união de duas pessoas, que não são um casal, para gerar ou adotar uma criança

Victória Lima
Redação Beta
5 min readOct 19, 2018

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Tornar-se pai ou mãe é o sonho de muitos, no entanto, pode ser difícil em alguns casos (Freepik/Rawpixel)

Para inúmeras pessoas, o sonho de ter filhos se torna impossível por diversas razões. A infertilidade vivida por casais heterossexuais, a inviabilidade em relações homoafetivas ou a falta de um parceiro são fatores que impedem a gestação de uma criança. Nesses casos, a coparentalidade surge como uma opção, configurando a guarda compartilhada entre pais que planejam um filho sem que fossem namorados ou casados, pois não há obrigatoriedade de um vínculo sexual.

Rompendo com padrões sociais e perspectivas normativas, os termos coparentalidade e assexualidade surgem em debates e pesquisas atuais, mas se referem a situações que já eram recorrentes antigamente. Considerada uma quarta orientação sexual, a assexualidade é atribuída a pessoas que não sentem a necessidade e nem o desejo de manter relações sexuais. Já a coparentalidade é a geração e criação de uma criança por duas ou mais pessoas que não possuem, necessariamente, uma relação amorosa ou conjugal.

No caso de pessoas assexuais, que possuem o desejo de se tornarem pais, a coparentalidade é uma alternativa para a formação de uma família. Taline Schneider, 37, é jornalista e idealizadora da plataforma Pais Amigos, espaço virtual que aproxima pessoas que buscam estabelecer entre si apenas a relação parental. Ela afirma que para gerar ou adotar filhos não é necessária uma relação amorosa. “Quando eu tenho um marido, eu tenho uma relação conjugal e quando tenho um filho a relação é parental. Essas duas situações podem ser desassociadas. A prova disso é que casais se separam, mas continuam criando os filhos juntos”, explica.

Marcelo* é assexual e teve sua primeira filha de forma coparental. Ele conta que sempre se sentiu fora dos moldes tradicionais e a descoberta da assexualidade foi um processo delicado. “Já estive em relacionamentos em que o sexo era a base dele, seja porque me apaixonei por alguém, seja porque era o que esperavam de mim, mas não me sentia bem”, relata.

Por não se reconhecer dentro de um padrão tido como tradicional, Marcelo enxergou na coparentalidade o seu conceito perfeito de família. “As pessoas tendem a acreditar que existe apenas um jeito de fazer as coisas. Mas entre um ponto e outro existem dezenas de configurações diferenciadas”, comenta. Hoje, juntamente com a amiga que conheceu no trabalho, Marcelo cria sua filha, em um lar repleto de afeto, doçuras e brincadeiras, como ele caracteriza.

Quarto tipo de orientação sexual

Com o propósito de representar a diversidade, a sigla LGBT é utilizada desde 1990 para se referir à lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e travestis, diferentes formas de expressão de gênero e sexualidade. O terapeuta sexual Breno Rosostolato explica que a orientação sexual concerne a como e para quem uma pessoa direciona seu desejo e afeto, estabelecendo relações afetivas e/ou sexuais. No entanto, a sigla não comporta a assexualidade, que é “uma orientação em que a relação sexual não é imprescindível e necessária para que a pessoa que se sinta feliz, se reconheça e construa sua personalidade”, esclarece Rosostolato.

Apesar de causar estranheza quando exposta, a assexualidade não representa anormalidades físicas ou psicológicas. “Não é nada patológico, muito distante disso, porque passa por um reconhecimento e legitimação da própria identidade, além de fugir dos padrões sociais”, assegura o terapeuta. Ele salienta que, em alguns casos, a relação sexual para essas pessoas pode ser uma realidade, mas nunca uma prioridade.

Através de pesquisas e envolvimento com a coparentalidade, a jornalista Taline se descobriu assexual. Em 2015, no Facebook, a publicação de um rapaz em grupo fechado sobre coparentalidade chamou sua atenção. “Ele fez um post divulgando sua idade, suas características, e dizendo que era assexual”, relembra. A partir desse momento, ela começou a pesquisar sobre o assunto e a se identificar com os relatos. “Desde que eu me assumi e me entendi, minha vida melhorou 100%, porque agora eu me respeito e me imponho. Para mim, está tudo muito transparente”, celebra.

Para o terapeuta Breno Rosostolato, a falta de debate e pesquisa sobre a assexualidade, leva ao desconhecimento e a uma visão preconceituosa sobre o tema. “As pessoas que sempre foram assexuais passam a se reconhecer e ter visibilidade quando há o debate, que joga luz sobre esse assunto”, explica. Ele também considera que o tabu que envolve o termo é efetivado pela forma como a sociedade vê e trata o sexo. “Temos uma sociedade que olha para a sexualização com uma naturalidade e, uma vez que você a naturaliza, cria preconceitos e discrimina quem não cumpre essa norma”, completa.

Parentalidade planejada

Utilizado há mais de três décadas, o termo coparentalidade era uma referência apenas à parentalidade compartilhada entre pais divorciados, explica Taline. Com as diferentes possibilidades de formação de família, o termo passou a se referir a qualquer situação em que pessoas geram ou adotam filhos e mantém entre si somente a relação parental.

A jornalista criou uma fanpage no Facebook com o objetivo de debater sobre o assunto com diferentes pessoas, que mais tarde se tornou um grupo fechado. “Começou a virar tipo um classificado, as pessoas postavam fotos com suas características”. A interação deu certo e Taline foi a responsável pela criação o Pais Amigos, rede social que ela mesmo administra e que sonha em transformar em aplicativo para celular.

Inspirada por suas experiências, Taline criou o Pais Amigos para que mais pessoas pudessem considerar a coparentalidade como uma opção (Foto: Victória Lima/Beta Redação)

No plataforma, a diversidade de pessoas que procuram a coparentalidade é grande. São 2,9 mil cadastrados, dentre eles, estão heterossexuais, LGBTs e assexuais. Há também casais que procuram uma terceira pessoa para ser pai ou mãe da criança, formando uma multiparentalidade. “Tem alguns casais gays que procuram uma mãe para o filho e casais heterossexuais em que um dos parceiros quer o filho e o outro não”, diz a idealizadora.

Rosostolato explica que, na coparentalidade, os laços familiares se dão em função da criança, pois os adultos que planejam aquele filho estabelecem uma ligação entre si. “A criança já é planejada e desejada, tudo é voltado para ela, o que assegura muito amor e afeto”, conclui.

“O que sei é que quero estar com pessoas que amo independente de estar fazendo ou não sexo com elas”, afirma Marcelo. “Minha filhinha não quer saber se eu e minha companheira fazemos sexo, ela quer sentir amor e estabilidade”, completa. Ele é um dos exemplos de que a coparentalidade, quando responsável e planejada, pode ser a realização de um sonho para qualquer pessoa, inclusive para os assexuais.

*A pedido do entrevistado, o nome foi trocado para preservar sua identidade.

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