Cordão umbilical pode salvar vidas

Pesquisas na área trazem perspectivas para o tratamento de doenças como paralisia cerebral e diabetes

Vitória Pimentel
Redação Beta
6 min readJun 7, 2022

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O armazenamento das células de cordão é feito em bancos públicos e privados de todo o Brasil. (Foto: Amit Gaur/Unsplash)

O parto também pode ser um momento de partilha. A doação do cordão umbilical é uma forma de ajudar pessoas com doenças sanguíneas. Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mais de 80 doenças podem ser tratadas por meio do transplante de células-tronco hematopoiéticas — células que têm a capacidade de se autorrenovar.

As características celulares do sangue de cordão possibilitam maior sucesso terapêutico ao paciente, esclarece o hematologista e hemoterapeuta Dário Brum. O médico atua no Hemocord, um centro de terapia celular de São Leopoldo, e na Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre.

“Após o receptor ter recebido esse material, ele vai ser responsável por um sistema novo hematopoiético, que é o que vai produzir glóbulos vermelhos, glóbulos brancos, plaquetas e sistema imune”, explica Dário.

Já se passaram 34 anos desde o primeiro transplante de medula feito a partir do cordão umbilical, realizado na França. Atualmente, pesquisas indicam que o material pode ser usado para tratar outras doenças, como diabetes, doenças neurológicas e cardíacas e paralisia cerebral.

Nos Estados Unidos, a pesquisa da oncopediatra e professora na Universidade de Duke, Dra. Joanne Kurtzberg, apresenta grandes avanços na área. O protocolo de multiplicação das células do sangue de cordão possibilita ainda mais vantagens ao método, de acordo com a diretora do Banco de Células-Tronco do Hemocord, Dra. Karolyn Sassi Ogliari.

“Usando esse protocolo eles conseguiram resultados melhores em tempo de pega [tempo que a medula demora para se instalar e funcionar no sistema], redução de infecção e de mortalidade, do que com o transplante de medula óssea de adulto, que é o padrão ouro hoje”, afirma Karolyn.

A Agência Federal do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos (FDA) já aprovou o acesso expandido para o protocolo da Dra. Joanne. Isso significa que pacientes que não se encaixam nos critérios do ensaio clínico podem pagar pelo procedimento à parte.

Em 2020, a Anvisa aprovou no Brasil a resolução da diretoria colegiada (RDC) Nº 338, que prevê a autorização do uso de terapias celulares para pacientes que não têm outras alternativas terapêuticas efetivas. Isso possibilitará que o Hemocord use o sangue de cordão em pacientes que têm paralisia cerebral, por exemplo.

Outros ensaios também envolvem pacientes com autismo e que tiveram acidente vascular cerebral (AVC). No caso de pacientes que sofreram AVC e receberam transplantes de outras pessoas, o resultado pode ser muito positivo. A doutora Karolyn explica que, quando o paciente não passou por quimioterapia, o sangue de cordão pode ser infundido em adultos sem nenhum efeito colateral de rejeição.

Bancos de cordão da iniciativa privada

Nos 19 bancos de cordão privados do Brasil, as coletas tiveram diminuição de 25% entre 2019 e 2020. Em 2019 foram registrados 6.557 armazenamentos de células de cordão, enquanto em 2020 o número baixou para 4.918, de acordo com relatórios da Anvisa. O número é baixo se comparado à queda de 81% da rede pública.

No Rio Grande do Sul, o Hemocord é o único Banco de Sangue de Cordão Umbilical com laboratório de Criopreservação, processo que consiste no congelamento das células. Karolyn Sassi Ogliari, que também é professora do curso de Medicina da Unisinos, evidencia as vantagens do método.

“São células mais jovens que a medula óssea e, por isso, não causam tanta reação quando são transfundidas no receptor. Existe uma flexibilidade na questão da compatibilidade”, afirma Karolyn.

Além disso, o sangue do cordão umbilical também causa menor índice de rejeição. Pesquisas na área mostram que as doenças residuais mínimas — quando o paciente já alcançou a remissão completa, mas ainda apresenta células cancerígenas detectáveis por métodos mais sensíveis— têm menor índice de retorno e evidenciam maior sobrevida do paciente, conforme a diretora do Hemocord.

Contudo, o transplante não apresenta somente vantagens: a menor quantidade de células, os valores do procedimento na rede privada e a demora para “pegar” são alguns dos desafios.

“O paciente que precisa do transplante de medula passa por uma quimioterapia que destrói toda a sua medula doente, e aí vai repor a medula. Precisa de um tempo até se fixar e começar a produzir novas células imunes. Nesta janela de tempo, o paciente corre o risco de alguma infecção”, esclarece Karolyn.

Ainda assim, o transplante pode salvar vidas. O sangue de cordão possui propriedades relacionadas a situações inflamatórias e ao sistema imune, segundo o hematologista Dário Brum. Ele explica que esses tipos de células garantem menor chance do paciente desenvolver a doença do enxerto contra o hospedeiro. “São células que têm uma reatividade bem menor se comparadas a outro tipo de origem celular, quando falamos em medula óssea”.

A realidade no SUS

No sistema público de saúde, as unidades de sangue de cordão são coletadas e armazenadas pelos 14 bancos da Rede BrasilCord, criada em 2004. “Os Bancos de Cordão foram escolhidos estrategicamente para produzir unidades representativas de toda diversidade genética da população brasileira”, aponta a farmacêutica bioquímica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), Melissa Helena Angeli.

O Brasil conta com 33 bancos de cordão, entre públicos e privados. (Imagem: Vitória Pimentel/Beta Redação)

Os cordões coletados são disponibilizados para o uso de pacientes que estão na lista de espera para transplante, tanto na rede pública quanto na privada. Isso significa que uma coleta feita no Rio Grande do Sul pode ser usada em transplantes em outros estados ou países, caso a compatibilidade da amostra seja melhor.

Depois da coleta, as unidades de sangue de cordão são avaliadas de acordo com os critérios e padrões de qualidade das normas técnicas. Só então o sangue de cordão é cadastrado no Registro de Unidades de Sangue de Cordão Umbilical e Placentário (Renacord), ligado ao Registro Nacional de Doadores de Medula Óssea (Redome). A partir daí, as unidades ficam disponíveis para transplante dos pacientes que estão na lista de espera.

No entanto, novas unidades de sangue de cordão não são recebidas há dois anos. A orientação foi dada pelo Ministério da Saúde no início da pandemia de coronavírus e as atividades não tem previsão de retorno.

Houve diminuição no armazenamento de unidades de sangue de cordão nos últimos três anos. (Imagem: Vitória Pimentel/Beta Redação)

“A diminuição da produção da rede Brasilcord nos últimos anos, além da interrupção devido à pandemia da Covid-19, reflete a opção de criopreservar e armazenar somente as unidades com melhor quantidade de células, garantindo uma melhor pega no momento do transplante”, esclarece a chefe do Centro de Processamento Celular do HCPA, Liane Marise Röhsig.

No HCPA, um dos únicos três bancos de cordão da região sul, existem atualmente cerca de mil unidades de sangue de cordão armazenadas e disponíveis para uso, segundo Liane.

Criado em 2010, o Banco de Cordão é composto por biomédicos, farmacêuticos, biólogos e enfermeiros. (Foto: Arquivo Pessoal/Liane Marise Röhsig)

Em âmbito nacional e voltado exclusivamente para o tratamento do câncer, o Instituto Nacional do Câncer (Inca) conta com aproximadamente 20 mil unidades de sangue de cordão já disponíveis para transplante. Em nota, a área técnica do instituto afirma que o “aumento desse acervo está atualmente em discussão junto à Coordenação Geral do Sistema Nacional de Transplante (SNT) e qualquer ação deve seguir as orientações que surgirão dessa discussão”.

Apesar do volume já existente de células armazenadas, o número de transplantes realizados na rede pública é pequeno. Em 2019, apenas sete unidades foram utilizadas em transplantes, conforme o relatório da Anvisa.

Liane explica que o dado reflete o uso de novos protocolos, como o transplante haploidêntico — feito por parentes próximos do paciente — , e pela necessidade de especialização com o uso desta fonte de células-tronco, algo que nem sempre é possível no sistema público de saúde.

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Vitória Pimentel
Redação Beta

Jornalista pela Unisinos. Gosto de contar histórias e tenho interesse em tecnologia. Tutora de um gatinho amarelo.