Cores com vida: tingimento natural é uma forma de transformar a indústria da moda

O processo é uma alquimia, mas pode ser uma alternativa eficiente e criativa para mudar uma das indústrias mais poluentes do mundo

Paola De Bettio
Redação Beta
5 min readDec 7, 2021

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A indústria da moda é a segunda mais poluente do mundo, ficando atrás apenas da indústria do petróleo. O ciclo da poluição acontece desde o plantio do algodão, que demanda diversos tóxicos, como pesticidas, que se armazenam no solo e na água até o descarte das peças, que podem levar 200 anos para se decompor, enquanto o mercado lança novas tendências e muda as vitrines todas as semanas.

Fora isso, os químicos usados no processo de tingimento emitem grandes poluentes no ar, na água e no solo, desde gás carbônico até metais. Segundo a dissertação de mestrado de Thais Carvalho de Oliveira as grandes marcas, que faturam altas quantias anualmente, costumam utilizar processos pouco éticos em todo seu processo, não só com o meio ambiente, mas socialmente. A indústria paga pouco para quem trabalha nas fábricas e na distribuição e oferece condições degradantes e insalubres de serviço.

Pensar o cenário da moda necessita de um entendimento sobre as transformações sociais e do planeta, entendendo que há a necessidade de uma desaceleração no consumo e na elaboração dos projetos de peças de vestuário, causando menor impacto. O uso de materiais naturais, por exemplo, é uma alternativa. Dessa forma, dentro e fora do design e da moda, a busca por formas e metodologias alternativas para uma produção mais sustentável tem se ampliado.

Cores Vivas

Uma delas, é a técnica do tingimento natural. Nos últimos anos diversos cursos têm surgido ensinando a prática, que pode utilizar desde a casca da cebola até cascas de árvore para pigmentar tecidos. Entretanto, é necessário pensar nesta aplicação em maiores escalas, tendo em vista o tamanho desta grande indústria global.

Iara Sander conheceu algumas técnicas em 2016, enquanto cursava Moda na Feevale e produzia seu trabalho de conclusão de curso. Nestes últimos cinco anos, tem pesquisado e “experimentado alquimias”, produzindo coleções, peças únicas, oferecendo o serviço de tingimento a outras marcas. Iara também passou a ensinar em diferentes modalidades, como na produção de um e-book e workshops.

Iara realizando o processo de tingimento. (Foto: Ana Fiedler)

Dúvidas da escolha profissional transformaram em vontade de impactar na área

Sander conta que questionou muitas vezes a própria escolha de cursar Moda, mas quando percebeu as possibilidades que o curso apresentava e as intermináveis áreas que podia conhecer e explorar, passou a trilhar o próprio lugar dentro daquele caminho. “Segui na área do vestuário, que é o que eu amo, e me encontrei com as técnicas de tingimento e estamparia naturais, onde me senti e me sinto ‘em casa’”, conta.

Tecidos tingidos e os materiais que produziram a coloração. (Foto: Arquivo Pessoal /Iara Sander)

A tintureira explica que o processo de tingimento com elementos naturais é difícil de descrever de maneira simples, porque une reações químicas, misturas e “encontros” de plantas, sais orgânicos e minerais. Ao longo do processo esses componentes darão cores e tons específicos, se tornando um grande processo de alquimia. Dessa maneira, ela resume da seguinte forma:

“A base de tudo é transformar uma cor sólida (planta) em líquida (tintura) e reconstruí-la em uma nova superfície (tecido), e pra que isso se dê, são necessários alguns conhecimentos de química, biologia e uma porção de intuição”, brinca por fim.

Para isso, ela opta por utilizar materiais locais, produzindo os mordentes (elemento que fixa a cor) que não tem acesso, colhe algumas plantas ou pede para restaurantes e amigas separarem pra ela, compondo “caixas de matéria-prima”. Por exemplo, como cascas de cebola, de acácia negra, folhas de eucalipto, urucum, cúrcuma, erva mate, entre outros.

Algumas das peças produzidas por Iara. (Foto: Arquivo pessoal /Iara Sander)

As três formas de ensinar

Atualmente, Iara continua pesquisando e buscando aperfeiçoar sua técnica de tingimento. Através dos workshops, que têm acontecido em seu ateliê, em Igrejinha, de forma presencial e com duração de um dia ou uma manhã, ela ensina o que já aprendeu. Ali, proporciona a experiência com tingimento natural de forma resumida.

Em outubro deste ano, Iara lançou o curso “Nós na Terra”, que permite que qualquer pessoa faça, já que funciona de forma online. Os alunos recebem em casa uma “caixa de alquimia”, um e-book por e-mail e 3 encontros acontecem ao vivo com ela, para dúvidas, apresentação da prática e trocas. O livro eletrônico leva o mesmo nome do curso, e é possível adquiri-lo através de seu site. Nele, ela aborda tanto o tingimento natural quanto a impressão botânica.

Entretanto, é justamente sobre o aprender que Iara traz uma ponderação importante: para ela, faltou um maior debate sobre sustentabilidade e processos éticos e ecológicos ao longo da graduação, que encerrou no final de 2016. “ O único acesso que eu tive sobre os impactos negativos gerados pela moda a nível global, era de que este mercado estava entre os mais poluentes do mundo, mas não era uma discussão que trazia soluções ou incentivava os alunos a fazerem diferente”, conta.

Algumas peças tingidas e estampadas por Iara para o Manifesto Orgânico. (Foto: Arquivo Pessoal/ Iara Sander)

Etapas, demandas e desequilíbrio social

A etapa de tingimento é uma das partes de criação de vestuário com maior impacto ambiental e social. Para Sander, um dos maiores problemas neste percurso que se constrói, de uma produção mais sustentável, é o desequilíbrio social. Encontrar soluções passa pelo entendimento de como as pessoas adquirem os produtos, e para isso é preciso gerar demanda de marcas que valorizem esses processos e cuidados.

“Temos muito desequilíbrio social para resolver antes de estarmos, todos, com condições de escolher de forma consciente. Porém, penso que a demanda virá se a parcela mais afortunada da sociedade despertar para esta importância.”

Afinal, “existem marcas grandes com beneficiamento natural, mas ainda temos uma questão de custos que limita não só a produção, mas a classe social capaz de adquirir o produto final”, explica. Ela esclarece que hoje empresas trabalham com a pesquisa, para tornar acessível a produção de tinturas naturais capazes de substituir as quimicamente tóxicas utilizadas no mercado. “Uma destas empresas é a “Pili”, uma startup francesa que busca aproveitar sobras de alimentos para criação de tinturas não voláteis”, cita.

Iara Sander encerra com uma consideração: “Não é como se a transição de tingimento químico para tingimento natural fosse solucionar e ‘limpar’ tudo que já se perdeu e/ou poluiu, porém, são iniciativas que caminham em busca de um futuro sustentável e possível, mas que precisam estar alinhadas a outras tantas mudanças necessárias, para nós, humanidade.”

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