Corredor Cultural de Novo Hamburgo tem futuro incerto

Após arquivamento de processo, Estado não garante retomada do tombamento da área histórica

Jéssica Mendes
Redação Beta
5 min readApr 26, 2019

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Colégio Santa Catarina, construído em 1910, é um dos imóveis que compreende o corredor cultural. (Foto: Muniz Machado/Novo Hamburgo em Fotos)

A responsabilidade dos agentes públicos na preservação do Corredor Cultural de Novo Hamburgo, um dos caminhos traçado pelas colônias que marcam a história da região do Vale dos Sinos, está em pauta desde 29 de março, quando o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado (Iphae), decidiu pelo arquivamento do processo de tombamento da área. De lá pra cá, foram duas reuniões para a discussão do tema, sendo a última realizada no dia 23 de abril, entre Estado e Município, com mediação do Ministério Público.

Na ocasião, ficou instituído a realização de estudo para ações de proteção definitivas do Corredor por parte dos agentes públicos. Por meio de nota, a prefeitura de Novo Hamburgo se comprometeu, em um prazo de 30 dias, a apresentar uma proposta para o Ministério Público para a preservação do local, mediante o desarquivamento do processo do tombamento do Iphae — que foi efetivado pelo mesmo período.

O Corredor, que compreende cerca de 80 imóveis, em sua maioria datados entre os séculos XIX e XX., está, agora, com medida de proteção municipal provisória, através de um termo de cooperação técnica entre Município e Estado, acordado no último encontro. O resultado, porém, deixa incertezas sobre o futuro da área.

O Iphae pontua que, após estudo por parte do município, pode haver o tombamento municipal da área e não confirma a possibilidade de retomada do tombamento estadual. Para o arquiteto e urbanista Jorge Stocker Jr., membro do Conselho Estadual de Cultura do Rio Grande do Sul, há uma tentativa da Secretaria de Cultura (Sedac), de se isentar de sua responsabilidade constitucional. “O Município é importante na proteção e preservação do patrimônio e faz sua parte gerindo centenas de imóveis”. Para Stocker, o Corredor Cultural, por sua relevância, merece a tutela estadual.

Imóveis da área mantêm características alemãs. (Foto: Jéssica Mendes/Beta Redação)

Entenda o caso

O processo que avaliou o mérito para preservação estadual do Corredor Cultural foi aberto em agosto de 2013 pelo Iphae. Em 2015, a Sedac, que administra o Instituto, publicou no Diário Oficial do Estado (DOE) a notificação de tombamento da área. Não ocorrendo impugnação no prazo de 30 dias, conforme dispõe o artigo 12 da Portaria da Sedac nº 02 de 2012, a homologação e a inscrição do bem tombado no Livro Tombo deveria ter ocorrido já no mês subsequente.

Ao contrário do esperado, o Iphae decidiu pelo arquivamento do processo, ao invés da homologação do tombamento. Para Ângelo Reinheimer, responsável pela Fundação Ernesto Frederico Scheffel, instituição cultural já tombada como patrimônio nacional, o que ocorreu no caso do Corredor foi um “destombamento”. Ele considera a decisão do Instituto arbitrária e irresponsável, uma vez que o decreto de 2015 do Iphae tomba o Corredor Cultural.

Mas, como explica Reinheimer, o Iphae se refere à publicação como um tombamento provisório, mesmo que em nenhum momento seja qualificado como temporário no documento. “Estamos buscando esclarecer juridicamente esta questão”, aponta.

Segundo a assessoria de imprensa da Sedac, em 2017, foram realizados estudos técnicos sobre a Atuação do Estado em Áreas de Interesse Culturais Municipais de Grandes Extensões, que concluiu que a relevância do Corredor tem representatividade em nível municipal, e não estadual. A assessoria do Iphae afirma que a Sedac buscou aproximação com a prefeitura inúmeras vezes durante 2018, propondo outra forma de preservação conjunta desse patrimônio, mas não obteve sucesso. Com isso, após envio de novo ofício ao município, o Iphae arquivou o processo. Questionada sobre o recebimento do comunicado de arquivamento do processo, a Prefeitura de Novo Hamburgo não se manifestou.

Stocker lembra que o próprio Estado já afirmou que a área possui expressivo valor histórico e cultural através da publicação de tombamento. “É impossível conceber que esse valor tenha se esvaído apenas pela mudança de agentes públicos responsáveis pelos órgãos”, diz. No entendimento do arquiteto e urbanista, ao arquivar o processo, a Sedac declara que a história de Novo Hamburgo não tem importância para o contexto estadual, o que, segundo ele, “é um equívoco”.

Fundação Ernesto Frederico Scheffel é um dos imóveis de relevância histórica do município, já tombado pelo Iphan. (Foto: Jéssica Santos/Beta Redação)

Tombamento de uma área

O Iphae caracteriza o tombamento como ato administrativo realizado pelo poder público, através de órgão especializado em preservação, no qual é identificado e reconhecido, através de levantamentos e pesquisas, o valor histórico, artístico, paisagístico, arqueológico, bibliográfico, cultural ou científico de um bem cultural. O tombamento visa a preservação e a manutenção da integridade do bem cultural.

Conforme disposto na Cartilha do próprio Iphae, a ação de tombamento inicia com o pedido de abertura de processo por iniciativa de qualquer cidadão ou instituição do próprio Estado. Este pedido é submetido à deliberação através de análise técnica preliminar. Se aprovado, ocorre a notificação aos envolvidos e a área ou bem passa a ter um tombamento provisório, ficando legalmente protegida. A fase posterior consiste em publicação de portaria de tombamento no DOE. Se não houver contestações, a resolução é homologada. Essa fase, da homologação, é a que foi suprimida do processo do Corredor Cultural.

Futuro do Corredor Cultural

Área do Corredor Cultural compreende parte do Centro Histórico de Hamburgo Velho. (Foto: Jéssica Santos/Beta Redação)

Através do seu Plano Diretor Urbanístico, o município de Novo Hamburgo garante a preservação, proteção e conservação do patrimônio histórico, cultural, paisagístico e dos recursos naturais. Nele, alguns locais que integram o Corredor Cultural são citados como “áreas especiais”. Apesar disso, Stocker afirma que o destombamento pode implicar a descaracterização dessa área. “Apesar das restrições urbanísticas do Plano, estas não estão orientadas especificamente para a preservação do conjunto arquitetônico existente”, cita.

Sobre o futuro do Corredor Cultural da cidade, tanto Reinheimer quanto Stocker concordam sobre a importância do comprometimento do Estado para a preservação da área. “O tombamento deve ser pelo Estado para que o Corredor possa ter o cuidado que merece”, diz Reinheimer. “Sem esse reconhecimento, fica relegada ao regime urbanístico e a questões de menor monta para viabilizar sua preservação”, contribui Stocker.

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