CRÍTICA: “É assim que acaba” mostra que todos podem ter uma relação tóxica

Escritora estadunidense Colleen Hoover aborda a temática da violência doméstica, tristemente atual também no Brasil

Amanda Wolff
Redação Beta
7 min readSep 9, 2022

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Com um livro ousado e extremamente pessoal, Colleen Hoover conta uma história arrasadora e, ao mesmo tempo, inovadora, sem medo de discutir temas atuais. Uma narrativa inesquecível sobre o amor que pode custar, às vezes, caro demais e talvez possa ser tarde para se perceber.

Capa do livro (Foto: Arquivo Pessoal/Amanda Wolff)

O livro É assim que acaba discute temas como violência doméstica, física e emocional e o abuso psicológico de uma forma sensível e um tanto direta. Muitas vezes, é difícil perceber que em nossas relações afetivas e românticas há algo de errado, afinal, como isso poderia acontecer conosco?

A história começa de uma forma e termina de outra. Comecei a leitura sabendo que ela tinha uma alta carga emocional, mas nunca imaginei que seria tudo o que li. A princípio pensei que fosse apenas mais um romance young adult comum, com no máximo um triângulo amoroso para criar um conflito. Entretanto, é necessário avisar que o livro pode ser um gatilho para pessoas com problemas de violência doméstica ou qualquer outro tipo de abuso.

Colleen consegue guiar muito bem a trama, e é absurdo como ela é capaz de induzir o leitor, da forma mais natural possível, a sentir empatia pelo casal principal, mesmo com todos os erros. O enredo se desenvolve devagar, a leitura é fluída e a escrita é simples, como acontece em todos os livros da autora.

O início é impactante para quem lê, com frases que podem nos transportar para dentro da história. Narrado em primeira pessoa, o livro inicia com pensamentos suicidas da protagonista, Lily Bloom, que se intensificam depois de ela ter feito um discurso fúnebre no enterro do pai, Andrew Bloom. No mesmo dia, Lilly conhece o médico Ryle Kincaid, que também enfrenta transtornos pessoais. A química entre os dois é revelada, mas ela mal sabe que este homem mudaria a sua vida de muitas formas. Ryle e Lily se reencontram seis meses depois, e o relacionamento começa como uma chama, capaz de fazer a leitora ou leitor também se apaixonar pelo neurocirurgião.

Dedicatória da autora no início da obra (Foto: Arquivo Pessoal/Amanda Wolff)

Descobrimos diferentes acontecimentos do passado de Lily através de cartas que ela mesma escrevia para Ellen Degeneres, uma apresentadora de programa (TV), como uma forma de diário para a sua “ídola”, como ela diz. Até os 16 anos, Lily contava suas histórias.

Ou seja, paralela à história temos as memórias da personagem descritas. Em uma dessas cartas há um relato sobre o dia em que conheceu Atlas Corrigan, sua primeira paixão. Atlas estudava na mesma escola que ela, mas morava em uma casa abandonada — motivo pelo qual era xingado de “mendigo” pela turma do colégio. Eles se aproximaram quando ela começou a ajudá-lo, dando comida e cobertores.

Mais do que um romance comum

O livro não traz exatamente um triângulo amoroso, passa muito longe disso. Não é uma história florida, mas claro que é uma narrativa inesquecível. Ela entrelaça a adolescência de Lily com o presente, dando detalhes sobre como é crescer em um lar com um pai agressivo e relações abusivas.

Lily cresceu realmente em um lar conturbado, mas isso nunca a impediu de batalhar por suas conquistas quando adulta. Após se mudar do Maine para Boston, ela abre seu próprio negócio de floricultura e trabalha, por coincidência, com a irmã de Ryle, Allysa. O neurocirurgião possui apenas um defeito: aversão por relacionamentos. Mas a atração entre eles é forte, o que promove uma aproximação cada vez maior. Até o reaparecimento de Atlas, que traz toda uma dinâmica nova à vida e à relação de Lily com Ryle.

Como de costume, a habilidade narrativa de Colleen Hoover conquista o leitor desde as primeiras páginas e o envolve sem esforço. O romance é típico da autora: há um misto de química e doçura, paixão arrebatadora e sofrimento.

Porém, o que grita em É assim que acaba é o profundo conflito emocional com o qual Lily se depara, fazendo-a questionar tudo que ela sabia sobre si, a vida e os próprios pais e, aqui, Colleen Hoover foi brilhante! Vivemos com a protagonista cada uma de suas agonias e, acima de tudo, compreendemos cada uma de suas dúvidas, algo tão necessário acerca do assunto abordado. Ao nos colocarmos na pele de Lily, ficamos mais perto de entender outras pessoas em situações semelhantes e nos afastamos um pouco mais de julgamentos — o que realmente impede a ajuda em muitos desses casos.

A protagonista começa a perceber o quanto sua história é parecida com a da mãe. Com um comportamento cada vez mais violento de Ryle, Lily tenta achar justificativas e se culpa por causar as reações do companheiro. E, mais uma vez, uma garota forte e incrível se esforça para fazer o relacionamento dar certo e construir a própria família. Afinal, é só não pisar na bola e tudo continuará bem.

Eu me apaixonei pela Lily. Eu me apaixonei de verdade por Ryle, mais até do que pelo Atlas! Presenciar as agonias e sofrimentos vividos pela protagonista e se pegar pensando o mesmo que ela: que aquela pessoa vai mudar e que o relacionamento se sustentará só com o amor.

“Só porque uma pessoa te machuca não significa que podemos simplesmente parar de amá-la. Não são as ações de uma pessoa que nos machucam. É o amor. Se não tem amor ligado à ação, a dor seria um pouco mais fácil de aguentar.”

A primeira vez que o “incidente” acontece, Lily fica com um olho roxo devido ao empurrão de Ryle. Eles mudam de apartamento, pois o médico pensa que talvez se mudar de ares e ir para o mesmo prédio em que mora a irmã, agora a melhor amiga de Lily, pode ajudar a melhorar a relação. Mas não é isso que acontece.

A prova disso é o dia em que Lily volta do trabalho, faz o jantar e Ryle tem um ataque, após associar a matéria de um jornal com um presente de Atlas. Sim, o antigo amor que virou um premiado cozinheiro, o Chef Corrigan, depois que serviu à Marinha dos Estados Unidos. O nome do restaurante que Atlas montou recebeu o nome de Better in Boston (“Tudo é Melhor em Boston”), e isso é o que está no primeiro presente que ele deu a Lily, um ímã de geladeira que ela tem até os dias de hoje.

Aí chegamos, talvez, no pior e mais difícil momento de toda a leitura. Lily corre atrás do marido e quando chega ao quarto deles, vê a cama cheia de coisas e no canto uma caixa de mudanças, que dizia na lateral “Coisas de Lily”. Espalhados por todos os lugares, há cartas, diários, caixas de sapatos e mais. No mesmo minuto, a mulher percebe que Ryle leu TUDO que ela sempre guardou no fundo do seu coração.

Ryle começa a agarrar Lily por trás, com força, só pensando na raiva que está sentindo. Ela se debate e tenta fugir de todas formas que pode, ele começa xingar a sua esposa perguntando por que Atlas está sempre no meio dos dois. Lily implora, chora enquanto ouve seu marido repetindo que a ama mais do que aquela pessoa do passado e ele provará isso naquele momento.

“Ryle tenta abafar meus gritos com a boca.

Mordo sua língua.

Sua testa bate na minha.

Em um instante, toda a dor passa quando um manto de escuridão cobre meus olhos e me consome.”

Lily nem consegue pensar, ela desmaia e fica desacordada por um tempo, depois acorda e entende o que a cegou. Ela pega a bolsa, as chaves e o celular, se veste e sai de casa atrás da única pessoa que poderia a consolar, Atlas. Mas não é assim que acaba.

Essa é uma leitura cruel e pesada que faz você parar para refletir quantas vezes julgou um caso de violência doméstica como sendo algo simples de se resolver. O que torna a história tão impactante é o fato de ser extremamente real e colocar você no lugar da vítima para sentir o mesmo sentimento dela. Por mais que eu tenha ficado arrasada depois de ler, recomendo a obra para todos, serve como uma reflexão.

A autora admite nas notas finais que esse foi o livro mais difícil que ela já escreveu, porque foi baseado na história da mãe dela. Também traz fatos da realidade e estatísticas sobre violência doméstica, o que torna o livro ainda mais doloroso. Este contato pessoal de Colleen Hoover com o assunto faz com que o leitor sinta o que os personagens estão passando.

Acredito que o fato da autora ter vivido muitas coisas daquilo que escreve é o seu maior trunfo, que pode ser o porquê do grande hype que o livro apresenta, principalmente em redes sociais. É assim que acaba traz, acima de tudo, verdade no que é contado, o que faz do livro tão impactante.

É assim que acaba

Autora: Colleen Hoover

Editora: Galera Record

Páginas: 366 (incluindo nota da autora e agradecimentos)

Vem aí uma continuação

No próximo ano, Colleen lançará uma continuação, que se chamará É assim que começa. Será uma sequência após os acontecimentos do final do livro, e incluirá o ponto de vista de Atlas. Ainda não há data para lançamento.

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