CRÍTICA: A ousadia de “Dogs Don’t Wear Pants” e a quebra de padrões narrativos do cinema finlandês

A temática BDSM, abordada superficialmente no cinema tradicional, é trazida com intensidade e maestria pelo diretor J.-P. Valkeapää neste drama peculiar

Maquiel Santos
Redação Beta
3 min readApr 10, 2021

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Mona, interpretada por Krista Kosonen (SF Film Finland/Divulgação)

Considerado um cinema introspectivo, a produção finlandesa, assim como a de outros países nórdicos, tem ganhado cada vez mais popularidade, permitindo ao público acesso a filmes que antigamente se restringiam aos festivais. Trabalhando muitas vezes com silêncio e gestos, personagens e emoções bem exploradas, este cinema tem ganhado visibilidade em parte pelo avanço dos serviços de streaming, e também, pelo seu modo único de contar histórias. Dogs Don’t Wear Pants (2019) consegue destacar boa parte das qualidades desse cenário tão peculiar.

No filme acompanhamos Juha (Pekka Strang), um cirurgião de meia-idade, que não superou o luto pela esposa falecida e enfrenta dificuldades no relacionamento com a filha adolescente, Elli (Ilona Huhta). Porém, sua rotina antissocial, focada no trabalho e afazeres domésticos, muda drasticamente ao conhecer por acaso Mona (Krista Kosonen), uma dominatrix que o confunde com um de seus clientes. Durante o encontro, Juha se perde em memórias e delírios, o que proporciona algumas das cenas mais bonitas do filme, com imagens subaquáticas que remetem ao acidente que causou a morte de sua esposa. Decidido a reviver a experiência, ele volta ao encontro de Mona e desse ponto em diante, assim como Juha, somos apresentados ao mundo do BDSM, denominação dada ao conjunto de práticas de que envolve bondage, disciplina, dominação, submissão, sadismo e masoquismo de forma consensual. Acompanhamos então os efeitos que seu novo relacionamento causam em sua vida pessoal e profissional.

Juha (Pekka Strang), em um de seus delírios durante seus encontros com Mona (SF Film Finland/Divulgação)

As cores do filme também mudam, trocando os tons frios e depressivos por um gradiente de tonalidades mais intensas, como o vermelho, que contrasta muito bem nas cenas entre o casal de protagonistas. Dramático, com poucos diálogos e por vezes engraçado por conta do humor seco, característico do cinema finlandês, o filme aborda muito bem os problemas enfrentados pelos personagens. Mesmo com poucas palavras, o diretor J.-P. Valkeapää e o elenco são extremamente competentes em explorar os sentimentos dos personagens. Juha fica cada vez mais dependente da experiência, nos fazendo questionar suas intenções, enquanto Mona luta para entender o novo cliente. O tema BDSM já foi abordado em diversos filmes, na maioria das vezes de modo superficial e pouco condizente com as práticas. Dogs Don’t Wear Pants nos aproxima um pouco mais dessa realidade, abordada com uma câmera sem julgamentos, apenas curiosa.

O casal de protagonistas, Mona (Krista Kosonen) e Juha (Pekka Strang), em uma de suas sessões de BDSM (SF Film Finland/Divulgação)

Com direito a couro e cera quente, o filme vai além do erotismo e explora relações de controle e submissão, depressão, luto e aceitação, aprofundando e desenvolvendo os personagens. Dogs Don’t Wear Pants é certamente uma ótima opção para quem quer conhecer um pouco mais do rico e reflexivo cinema finlandês ou para quem gosta do tema e procura uma abordagem além da convencional.

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