CRÍTICA: Baco Exu do Blues tem raiva

Rapper baiano trouxe tour do álbum “Bluesman” à capital gaúcha para denunciar o racismo e o genocídio do povo negro

Vitorya Paulo
Redação Beta
5 min readApr 12, 2019

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Baco fez o público do Opinião pular junto com as faixas do premiado álbum “Bluesman”. (Foto: Vitorya Paulo/Beta Redação)

“Presidente, fala alguma coisa, presidente. Não fala do Danilo Gentili, fala de um cara que morreu com 80 tiros!”

Esse era o clamor de Baco Exu do Blues ao se apresentar no Bar Opinião, em Porto Alegre (RS), na quinta-feira (11/4). Assim como muitos, o rapper esperava que a representação máxima do governo brasileiro se posicionasse sobre a morte do músico Evaldo dos Santos Rosa, homem negro executado com 80 tiros dentro do próprio carro no domingo (7/4), na Zona Oeste do Rio de Janeiro. A resposta veio um dia depois, na sexta: Bolsonaro afirmou, em entrevista coletiva, que “o Exército não matou ninguém, não”.

Baco não precisava dizer: a raiva pela execução de mais uma pessoa negra exalava dos seus poros. “Eu me importo com todos os meus”, afirmou, após iniciar o show com a faixa de abertura do álbum, também intitulada Bluesman, que versa sobre as inversões de valores dos gêneros musicais que nasceram com a negritude, como o blues, o rock, o jazz e o soul: “Tudo que quando era preto era do demônio/e depois virou branco foi aceito, eu vou chamar de blues”. O atraso de 45 minutos não parecia ter incomodado o público, que entoava o nome de Baco assim que ele pisou no palco.

Em seguida, a dolorosa Queima minha pele deu continuidade ao show, arrancando visíveis lágrimas do público que era, majoritariamente, branco. Esse detalhe não passou desapercebido por Diogo (consagrado pelo nome de Baco Exu do Blues). Depois de voltar ao primeiro álbum com a faixa Esú, retomar o segundo com Flamingos e Girassóis de Van Gogh e retroceder novamente com a romântica Te amo, Disgraça, Baco pediu para que todas as pessoas negras que o assistiam levantassem a mão. Prontamente, foi atendido por uma pequena parcela do público que esgotou os ingressos do show. Assim, Exu do Blues ordenou que todas elas fossem para perto dele. “Enquanto eu estiver em cima do palco, as pessoas pretas sempre vão ter um local”, avisou.

Shan Luango, dupla de Baco nos shows da turnê “Bluesman”. (Foto: Vitorya Paulo/Beta Redação)

Com esse momento simbólico, Baco continuou o show com Abre caminho, também do primeiro álbum de sua carreira, e ordenou que deixassem Exu passar: “Não foi pedindo licença que cheguei até aqui”, cantou. Tema constante em suas letras, o rapper lembrou que a figura de um homem negro, baiano, de família humilde e que hoje faz sucesso nacionalmente com apenas 23 anos deixa a sociedade confusa: “Eles sempre vão olhar pra mim e nunca vão entender como eu tô aqui”.

As faixas do álbum Bluesman, eleito em primeiro lugar pela revista Rolling Stone na lista dos melhores álbuns de 2018, elencam assuntos prioritários para o povo negro, como o racismo e o efeito do preconceito sobre sua saúde mental. Em Minotauro de Borges, Baco fala de sua depressão e em como chegar onde chegou lhe causou transtornos psicológicos: “Vencer me fez vilão”. No mesmo eixo, na faixa Kanye West da Bahia Baco afirma que entende o rapper americano, alvo de críticas por polêmicas públicas envolvendo a indústria musical, como a interrupção da premiação da cantora Taylor Swift no Video Music Awards de 2009: “Agora eu te entendo, Kanye / Ser preto não é só ter pele/ Coisa que joalheiro entende / A minha cultura é minha febre / Eu sou a explicação pra quem não sente”. Nessa faixa, ao cantar que “espancou Jesus” ao vê-lo chorando por querer ser branco, Baco levou seus fãs para o ar.

A modelo Brunely Souza estampou os telões durante a faixa “Banho de Sol”. (Foto: Vitorya Paulo/Beta Redação)

Chegando ao final do show que durou uma hora, o rapper foi conferir com o backstage se poderia cantar mais uma música: Exu do Blues tinha passe livre no palco. Escolheu o single sensual Banho de Sol para retardar o término da sua apresentação. Com frames da modelo Brunely Souza no telão, o rapper embalou quem queria escutar mais de suas produções fora do Bluesman e deixou um gosto de quero mais. Ficaram de fora do setlist as famosas Tardes que Nunca Acabam e Sulicídio, além do seu mais novo lançamento, Paris.

O rapper deixou a forte Preto e Prata para encerrar de verdade. O elemento químico é, aliás, o que ilustra a capa do álbum e emoldura a foto de autoria de João Wainer, que traz um homem negro tocando guitarra no pátio do presídio Carandiru, em São Paulo. Ressaltando o que se via desde o início do show, Exu do Blues cantou sobre o ódio que sentia e em como se negava a se curvar à hegemonia branca e racista. “Eles querem que eu mate e morra pelo ouro/Querem que eu mate e morra por mulheres brancas”.

Baco aceitou que sua pele é prata e chamou a minoria negra do seu público para que também aceitasse. Ao final, deixou o palco sem se despedir de Porto Alegre e não voltou para um bônus. Não precisava: suas 12 faixas cantadas já deixaram o recado de que Baco chegou na cena do rap nacional e não vai sair tão cedo, como deixou claro ao microfone: “Se um dia me derrubarem, todo o preto que fez dinheiro vai lembrar de Baco Exu do Blues”.

(Fotos: Vitorya Paulo/Beta Redação)

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Vitorya Paulo
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Jornalista, nascida no Rio Grande do Sul mas com sotaque indefinido. Apaixonada por cachorros, gastronomia italiana, maquiagem, bom senso e empatia.