CRÍTICA: De frente com a terapia

Série da Globoplay exibe sessões de análise e aproxima espectador da compreensão sobre tratamentos psicoterapêuticos

Victória Lima
Redação Beta
5 min readMay 16, 2020

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Selton Mello é diretor e ator na série. (Reprodução: Globoplay)

O que é fazer terapia?

Essa pergunta sempre ecoou na minha cabeça, pelo menos até a minha primeira consulta com um psicólogo. Mas creio que a experiência pessoal ainda não esclarece essa questão. Talvez responderia com convicção se alguém me perguntasse “o que é fazer terapia para você?”. No entanto, encontrar a resposta da primeira pergunta dessa crítica é mais complicado. Acredito que a série Sessão de Terapia, mais precisamente a 4ª temporada, consegue esse feito.

Os capítulos são todos dirigidos por Selton Mello, que também interpreta o personagem principal da série, o terapeuta Caio Barone. Cada episódio é centrado na consulta de um dos pacientes de Caio. A distribuição do roteiro é feita de forma “semanal”, com episódios de mesmo nome dos pacientes e com indicação do dia e do horário da consulta.

Introdução do 2º episódio, primeira consulta de Guilhermina. (Reprodução: Globoplay)

Sessão de Terapia não impressiona com as cenas, não impacta com edições especiais e nem com ação, mas perturba e sensibiliza com palavras e expressões — nessa ordem de intensidade. É um grande drama com muito foco no rosto dos personagens, que estão, na grande maioria das vezes, frente a frente. Até mesmo os momentos de silêncio despertam emoções. Os grandes insights são sempre expostos em plano fechado, porque não são os movimentos que os causam, são as expressões, faciais e verbais.

Ao longo dos 35 episódios, são atendidos quatro pacientes, entre eles o próprio Caio, com a terapeuta Sofia. Com uma média de 25 minutos, cada capítulo insere o espectador em realidades completamente distintas. Essas diferenças passam por idade, profissão, tom da pele e classe social.

Para cada paciente, a sessão de terapia é um cenário. Chiara, uma mulher branca de meia idade, no auge de sua carreira, encara a sala de terapia e a consulta com muita raiva, principalmente no início. Nem ela sabe por que está ali. Ao longo da temporada, ela começa a descobrir, mas todo o caminho é carregado de muito rancor, irritação e decepção.

Chiara estréia a temporada, sendo a primeira paciente da semana. (Reprodução: Globoplay)

Já para Guilhermina, a terapia é muito idiota. A adolescente preta, de 13 anos, encara o tratamento com desprezo no início. Dos personagens, ela é a única que vive experiências mais perturbantes ao longo da temporada. Diferentemente do restante, que resgata muito dos seus traumas no passado. Guilhermina está vivendo e, ao mesmo tempo, aprendendo a lidar com seus problemas para que, talvez, não se transformem em traumas.

Fernando, um homem preto, também de meia-idade, é o retrato do machismo estrutural. Ao mesmo tempo, a história do personagem introduz várias questões raciais e abre espaço para a discussão do tema na obra. Sua trajetória também carrega muita raiva, dor e, principalmente, desconstrução de crenças pessoais. Nando (assim apelidado na série) aprende muito sobre si na terapia, mas aprende muito mais sobre o mundo.

Haideé é uma idosa branca tão complacente com tudo e todos que na terapia não poderia ser diferente. Sua trajetória na série não envolve tanta raiva e rancor como a dos anteriores, porque é no acompanhamento com Caio que ela aprende a reconhecer e expor seus sentimentos. Para Haideé, a sala de terapia é como um espelho, onde ela se vê e se reconhece.

Caio Barone, o terapeuta, é o paciente que mais impressiona. A primeira consulta dele na série acontece já no quinto episódio. Depois de acostumar o espectador com uma atitude calma, serena e compreensiva, na frente de Sofia (sua psicóloga) Caio se transforma. É um choque realmente vê-lo, agora não como o terapeuta, mas como uma pessoa impaciente, angustiada, também carregada de muita raiva.

Todos os seis principais personagens de “Sessão de Terapia”. (Foto: Divulgação/ André Cherri)

O psicólogo fala de seus pacientes na consulta, expondo sua opinião sobre a situação de cada um. Isso é completamente natural, afinal, seu trabalho afeta também sua vida pessoal. No entanto, há uma distância muito grande da postura que ele tem frente aos pacientes, e a forma como ele reage quando fala deles para Sofia. Na teoria, isso é óbvio e natural, mas ver acontecer impressiona.

Meu relato até aqui pode forçar uma ideia: a sala de terapia é um lugar de horrores. E é verdade, porque não é dentro dela que se desfruta dos seus resultados, é fora. Apesar de cada paciente encarar de uma forma a terapia, há uma coisa com a qual todos eles se deparam: a verdade. Sofia mesmo fala, no 30º episódio, que a terapia é “um espaço para verdades”. Como acredito que a verdade é relativa e nada unânime, diria que essa em questão é a verdade visível, mas propositalmente ignorada. A sala de terapia é um lugar para se deparar com aquilo que não queremos ver, dentro ou fora de nós mesmos.

Apesar disso, não posso deixar de frisar que a realidade é monótona, e séries que retratam fielmente a realidade deixam de ser interessantes. Por isso, o roteiro de Sessão de Terapia também carrega acontecimentos fantasiosos, como o romance entre Caio e Sofia, por exemplo. Vale destacar que a série expôs o romance dentro das normas éticas da relação entre psicólogo e paciente. No entanto, esses elementos da ficção estão lá.

Caio em sua 6ª sessão com Sofia. (Reprodução: Globoplay)

Outro ponto importante que também não é muito fiel à realidade é o tempo em que os pacientes levam para evoluir no tratamento. Na série, eles passam por sete sessões seguidas e apresentam um quadro evolutivo muito parecido, o que pode dar a impressão de que há uma linha clara de início, meio e fim na terapia, o que não é bem assim.

Para responder aquela pergunta inicial, eu poderia dizer apenas que terapia é autoconhecimento, é um espaço para aprender a lidar consigo e com o mundo, e é, sobretudo, encarar a verdade. Se quiser ir além disso, é preciso fazer para descobrir.

Curiosidades

A série original de Sessão de Terapia surgiu em Israel. A produção aqui do Brasil foi lançada em três temporadas, entre 2012 e 2014, exibidas no canal GNT, todas com direção de Selton Mello. Após um hiato de cinco anos, a série voltou com uma 4ª temporada diferente, com novos personagens e atuação de Selton Mello no personagem principal, além de diretor.

Todas as temporadas estão disponíveis no Globoplay, tanto da primeira quanto da segunda fase da produção.

https://www.youtube.com/watch?v=eUCoO6avoyQ

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