CRÍTICA: Encanto da fábula perde-se em meio ao protagonismo humano em “Dumbo”

Tim Burton volta a dirigir remake da Disney, mas adaptação da história não vinga o clássico de 78 anos

Dyessica Abadi
Redação Beta
5 min readApr 13, 2019

--

O filme rendeu uma das piores estreias das recentes adaptações em live-action da Disney, fazendo US$ 45 milhões no seu primeiro final de semana. A expectativa do estúdio era de US$ 50 milhões. (Foto: IMDB/Divulgação)

Há quase uma década, a gigante Disney vem investindo pesado na refilmagem em live action dos seus clássicos. A magia do cinema em CGI (Computer-Generated Imagery, do inglês, imagens geradas por computador) pode até encher os olhos do espectador, porém, não é o suficiente para tornar Dumbo (2019) mais inesquecível que a animação original de 1941.

Dirigido por Tim Burton, o longa gira em torno da família de Holt Farrier (Colin Farrel), que, ao voltar da guerra, encontra seus filhos órfãos de mãe e o circo no qual trabalhava com mais dívidas do que espectadores. Sem ter o que fazer (antes ele se apresentava para o público a cavalo com sua falecida esposa), o homem fica encarregado de cuidar do filhote de elefante que nasce com orelhas disformes. Logo, as crianças descobrem a incrível habilidade do animal: voar. Dumbo acaba tornando-se atração principal do circo de Max Medice (Danny DeVito) — em excelente e descontraída atuação no personagem que grita e gesticula na mesma intensidade, rendendo alguns dos poucos momentos de alívio cômico do filme.

O remake de Dumbo teve um orçamento total de US$ 170 milhões. (Foto: IMDB/Divulgação)

O melhor momento é aquele que consegue captar toda a sensibilidade da fábula. Durante os primeiros minutos de filme, vemos a mamãe Jumbo contemplando o voo dos pássaros através das grades da jaula pouco antes de dar à luz. As “asas” do pequeno elefantinho, que o prenderam por muito tempo como a maior piada do circo, também foram aquilo que o levou para o alto — tudo o que a mãe não conseguiu para ela, mas sonhou para o filho.

O longa divide-se em dois arcos, o que torna seus 112 minutos mais tediosos do que emocionantes. A artista circense Colette Marchant (Eva Green) surge no segundo ato junto ao empresário VA Vandevere (Michael Keaton), proprietário da Dreamland, parque temático que produz entretenimento em escala industrial — perspectiva que fica evidente sob a direção característica de Burton.

A abertura apresenta um letreiro num colorido inconfundível, dissolvendo-se através da fumaça cinza e densa da locomotiva que hospeda a trupe circense — aqui, o filme já demonstra o seu teor dramático em meio a um enredo infantil. Nesse sentido, a adaptação peca ao colocar o personagem principal, Dumbo, como coadjuvante na nova história.

A adaptação da história original de 1941 traz novos personagens humanos, que dão ao longa uma nova perspectiva, mas também menos marcante. (Foto: IMDB/Divulgação)

Logo após o nascimento do elefante com orelhas gigantes, é apresentado um show de exibicionismo de “aberrações” ao público. O primeiro ato trabalha justamente com o preconceito que vimos na animação original. Em uma cena expressiva, Medice esbraveja seu descontentamento ao “encontrar uma aberração de verdade” no filhote recém-nascido. A ambiguidade presente nessa cena ressalta a ignorância das atitudes intolerantes, visto que o personagem de DeVito é o dono do circo onde o ser excepcional é exaltado.

Dumbo é, antes de tudo, uma fábula sobre liberdade — de uma vida em cativeiro, daquilo que te impede de seguir adiante, ou de ser quem você realmente é. Os efeitos especiais encantam, mas também deixam a desejar em alguns momentos. Enquanto o pequeno elefante orelhudo cativa o espectador do início ao fim, outras animações notavelmente deixam a desejar, como a do desaforado macaquinho que insiste em irritar o personagem vivido por DeVito.

Na versão original de 1941, a mãe de Dumbo e o filhote são os protagonistas. É inegável que, na adaptação, as melhores cenas são com ambos personagens.

Os pequenos Joe e Milly Ferrier incentivam Dumbo a voar. Enquanto a menina tem momentos importantes sobre protagonismo feminino no âmbito da ciência, o pequeno perde-se em meio ao enredo do filme, atuando como um mero coadjuvante. (Foto: IMDB/Divulgação)

No filme de 2019, a amizade do ratinho Timothy com Dumbo no desenho é substituída pelos menos carismáticos irmãos Joe (Finley Hobbins) e Milly Ferrier (Nico Parker) — ela, em uma interpretação engessada de criança prodígio. Já o roedor não tem papel de destaque no novo longa: aparece apenas em alguns poucos momentos, como uma homenagem ao original.

O desfile dos enigmáticos e assustadores elefantes cor-de-rosa não acontece sob as mesmas circunstâncias do clássico: talvez não fosse mesmo uma boa mostrar os devaneios de uma criança bêbada, como acontece com Dumbo e Timothy, após beber uma água batizada com champanhe. A nova sequência politicamente correta acontece no circo Dreamland como ato antes da primeira apresentação de Dumbo. Novamente, os efeitos maravilham e espantam, mas o seu contexto é tão desinteressante que decepciona.

A Dreamland, fictícia, é uma mistura dos parques temáticos da Disney com a Fantástica Fábrica de Chocolate (que também ganhou seu remake do mesmo diretor, em 2005). A dobradinha entre a produtora e o diretor é antiga e rentável. Em 2010, Tim Burton inaugurou a série de regravações das animações clássicas do estúdio com o filme Alice no País das Maravilhas: mesmo sendo um dos longas de maior sucesso comercial em bilheteria, as críticas ao filme não são satisfatórias.

Ao ceder aos humanos o dever de contar a história de Dumbo, Burton tirou do filme o seu encantamento natural. (Foto: IMDB/Divulgação)

Ainda este ano, ocorrerão as estreias de outros dois remakes da bilionária Disney: Aladdin e O Rei Leão. Nesta perspectiva, Dumbo atuou mais como parte de um projeto ambicioso do que um filme de qualidade. Enquanto a readaptação da história deixa a desejar, os efeitos entregam um novo visual sobre a história do personagem — mas, cinematograficamente, não traz nada de inédito ou que acrescente.

--

--