CRÍTICA: Escolha no que acreditar em “Mr. Nobody”
Filme retrata as consequências das escolhas do último mortal da Terra
Não quero assustar, mas as chances de entender Mr. Nobody (Sr. Ninguém, em português) sozinho e na primeira tentativa são mínimas. Então aproveite que, sem spoilers, vou ajudar você a compreender o longa por meio da crítica. Assim poderá apreciar o filme mais desafiador de Jared Leto, que completou 12 anos de lançamento em 12 de setembro de 2021.
O Coringa de Esquadrão Suicida (2016) e Harry Goldfarb de Réquiem para um Sonho (2000) é a grande estrela da produção dirigida e escrita por Jaco Van Dormael. Leto interpreta Nemo Nobody em dois momentos: na fase adulta e ao final da vida, quando se encontra com 118 anos.
O filme de duas horas e vinte e um minutos é complexo, por isso, exige atenção e reflexão. Diferentemente de outras obras em que as principais informações são trabalhadas em diálogos, em Mr. Nobody há diversos detalhes nos cenários e inserções de metáforas. A história é apresentada sem qualquer linearidade.
Ame ou odeie, Sr. Ninguém vai te levar às mais diversas reflexões existenciais. Aliás, muitas são trazidas em frases incríveis, que serão usadas a partir de agora.
“Não tenho medo de morrer. Tenho medo de não ter vivido o suficiente.”
Duro, não é mesmo? Mas o que faz essa frase em meio ao filme? Prometi não dar spoilers. A citação é parte da tarefa de explicar o longa. Porém, algumas informações posso compartilhar. Por exemplo: o nome do personagem principal é Nemo Nobody. Ok, não é uma grande revelação, mas o significado do nome, quando descoberto, oferece mais sentido ao protagonista, sobretudo, ao final do filme. Nemo, em latim, significa “ninguém”. Nobody, em inglês, tem a mesma definição.
A ancoragem da trama se passa no ano de 2092. Nemo acorda no dia em que faz aniversário sendo o último mortal da Terra, e tenta recontar sua trajetória em vida, uma vez que não há registros de sua existência até aquele momento. Neste mundo tudo é tecnológico, e todos são seres imortais, daí a curiosidade para descobrir como era a vida antes da “teleminzação”, processo que tornou tudo mais artificial.
Para entender como foi a vida deste icônico sobrevivente — que acreditava ter 34 anos, quando na verdade tem 118 — , um repórter invade o quarto e propõe que um bate-papo seja registrado. Paralelamente, Nemo é peça de um seriado de televisão chamado O Último Mortal, no qual o público decide se deixa ele morrer naturalmente ou interfere dando alguma sobrevida.
“Por isso é difícil fazer escolhas. É preciso fazer a escolha certa. Enquanto não se escolhe, tudo permanece possível.”
A trama do filme se desenrola em como Nemo narra sua história para o repórter. Conforme ele revela os acontecimentos sem linearidade, o jornalista fica inquieto e confuso. Nemo recorda como foram suas oito vidas, de modo controverso, sem deixar claro qual é a verdadeira. Ele fala de seus filhos, mas ao mesmo tempo não os tem. Fala de suas mortes, mas está vivo.
Uma dessas histórias será a verdadeira, claro. Porém, quem disse que as oito não foram? Todas são verídicas, dependendo das escolhas de Nemo. Ao final entendemos todo o processo de construção narrativa da história, porém, se mencionar, estrago a grande surpresa: Por que tudo aconteceu? Ou será que ocorreu realmente? Aquilo existiu?
Não há nada fora do lugar e, minuciosamente, foi colocado com alguma representação, pois faz parte da trama e da argumentação. Aliás, a fotografia do filme complementa perfeitamente toda a história. São cores vivas e chamativas. Indicam quando e onde as situações poderiam estar acontecendo fantasiosamente.
A sonoplastia de Pierre Van Dormael é fundamental, pois traz calma e lembra como a musicalidade é um reforço positivo para os filmes. A narração em off de Nemo para contextualizar algumas cenas e toda simbologia e semiótica por trás de diversas intervenções visuais tornam o filme primoroso.
“Tudo poderia ter sido outra coisa, e seria um elemento igualmente importante. Tennessee Williams.”
Os caminhos são corretos. As vidas são adequadas. Quantas vezes deparamos com escolhas difíceis e somos obrigados a fazê-las, muitas vezes até sem pensar? Já imaginou como seria sua vida se tivesse optado por outra profissão? Se tivesse beijado outra pessoa? Onde poderia estar? E o quanto a vida do entorno impacta na sua existência?
No filme, o começo é nos possíveis finais e, quando compreender esse detalhe, verá que ficou desatento ao início, por isso, precisaria assistir novamente. Algo semelhante acontece em Donnie Darko (2001), do diretor Richard Kelly. A diferença entre os dois filmes é que em Mr. Nobody existem oito ciclos se fechando — no longa de Kelly é apenas um.
Mr Nobody impacta mais as pessoas que se identificam com a história de Nemo. Afinal, a trama transcorre de maneira profunda e apresenta momentos cotidianos de nossa vida, como o nascimento, o casamento, a criação dos filhos, os sonhos, a separação e a morte.
São muitas perguntas interpretáveis através de Mr. Nobody. Por menores que pareçam as escolhas, saiba que vão interferir na sua vida. A diferença é a incerteza que temos sobre os caminhos a que as escolhas nos levarão. Nemo sabia.