CRÍTICA: Fundação Iberê Camargo é uma das melhores partes da Capital
Exposição aberta à visitação desde o dia 27 de agosto inspira a alma da cidade através da pintura de um dos grandes nomes da arte gaúcha
Ao observar o contorno da cidade no horizonte consigo sentir a energia percorrer o corpo. Os quarenta minutos de carro pela BR-448 são embalados pelo som do Sticky Fingers no Spotify e um solzinho quente de início de tarde encontrando meu lado direito, do ombro até o joelho, no banco do carona.
Na chegada, o estacionamento subterrâneo nos recebe, pálido e silencioso, onde um único e solitário carro repousa estacionado. Subimos em direção à Fundação Iberê Camargo, à margem do Guaíba, em Porto Alegre, sentindo a claridade preencher a vista e o vento agitar o cabelo. Apesar de ser início de setembro, não está frio. Está calor, pelo dia ensolarado e pela paisagem acolhedora.
Entramos. O espaço é limpo, de paredes brancas e iluminado. O pé direito alto amplia o espaço, do jeito que sugestiona a respirar mais fundo. Do térreo, olhamos para cima, do quarto andar para baixo. E, então, a primeira exposição a visitar é intitulada Assombrações: um diálogo pictórico com Iberê Camargo (disponível até 4 de dezembro), na parte mais alta do prédio, projetado para ser descoberto nessa ordem — do topo à base.
Com curadoria de Rodrigo Andrade, percebo de imediato o impacto contrastante entre as obras e o ambiente asséptico. A cor e a confusão transbordam as margens de cada tela, como se desafiassem a calmaria ao redor. Leio a descrição inicial escrita pelo curador, e depois ignoro qualquer impressão alheia — sou conduzida pelas telas.
As composições remontam às décadas de 1980 e 1990. Muitas, se não todas, são agraciadas pela Capital, seja como pano de fundo ou como personagem principal. Complexas e múltiplas como a cidade, têm tamanhos e paletas que variam bastante entre si, de acordo com as épocas da carreira de Iberê.
Algumas das obras são melancólicas. Outras são coloridas, tão enormes e enérgicas que parece que caí dentro de uma aquarela. Algumas têm nomes que dão pistas do que representam. Outras apostam na curiosidade e imaginação leigas para decifrar os códigos elaborados a partir de grossas camadas de tinta.
Descemos pela rampa que conecta nossa parada inicial ao terceiro andar, este hospedeiro de outra exposição, Rodrigo Andrade — Pintura e Matéria (disponível até 9 de abril do ano que vem), composta por obras elaboradas pelo artista curador da seleção do Iberê, agora com curadoria de Taisa Palhares. O caminho fluido para o próximo pavilhão tem seu curso natural interrompido e precisamos recorrer ao elevador.
O segundo andar está fechado à visitação, em função dos preparos para a 13ª Bienal do Mercosul, evento que mobiliza diversas entidades culturais em prol da arte contemporânea em Porto Alegre, aberta no dia 15 de setembro. (Aproveito a deixa para convidar o leitor a visitar, como pretendo fazer.)
Passeamos pela loja de souvenires do primeiro andar e por tudo o mais que chama nosso olhar atento com cor e vida, dentro e fora do espaço: as janelas irregulares emolduram o Guaíba lá fora, onde a luz do sol encontra a água e os barcos flutuam ao vento. Parece um cartão-postal.
Despedimo-nos desse roteiro turístico de sábado à tarde com um pão de queijo à margem do lago. Voltamos ao estacionamento, entramos no caso e, apesar do sentido de retorno, recomeçamos o mesmo caminho. No fim do dia, agora em casa, tudo volta ao normal — menos nós, um pouco mais imersos em amor e arte.