CRÍTICA: Lana Del Rey repete fórmula e permanece no topo com ‘Chemtrails Over The Country Club’

Analisamos faixa a faixa o sétimo álbum de estúdio da cantora, que é calmo, nostálgico e reflexivo

ângelo gabriel santos
Redação Beta
9 min readApr 10, 2021

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Capa do álbum foi criticada por ter pouca representatividade. Lana rebateu afirmando que “são seus amigos” e que “há pessoas de cor” na foto. (Foto: Reprodução/Lana Del Rey).

Quando lançou, em 30 de agosto de 2019, seu sexto álbum de estúdio intitulado Norman Fucking Rockwell!, a cantora e compositora estadunidense Lana Del Rey não sabia que o projeto se tornaria uma obra-prima da sua discografia.

Aclamado tanto pelos fãs, quanto pela crítica especializada do Metacritic, Norman apresentou uma sonoridade mais madura, apesar de ainda continuar com tons, letras e melodias presentes em toda a trajetória da cantora, que possui um repertório pop-rock alternativo. No mesmo dia, Lana anunciou para o jornal britânico The Times, o lançamento do seu próximo disco.

“Eu já escrevi partes dele. Chama-se ‘White Hot Forever’, acho que provavelmente será um lançamento surpresa dentro de 12 ou 13 meses”, afirmou. Eis que, quase 19 meses depois, em 19 de março de 2021, Lana lança seu sétimo disco. Com um atraso na data e uma mudança de título, Chemtrails Over the Country Club continua com a intensidade de seu antecessor, com letras tristes que refletem sobre a pressão da fama, nostalgia e amor.

Com 11 músicas e uma duração de 45 minutos, ainda temos contato com o universo cinematográfico que as canções de Lana criam. Se no início de sua carreira, com o álbum Born to Die, a cantora expressou suas dores e angústias com uma visão americanizada de alguém que busca liberdade e sente vontade de morrer, com Chemtrails ela nos transporta para uma viagem de carro, com tons de voz mais altos que os habituais, poucos instrumentos, toques de folk e influências da década de 1970 na construção de suas músicas.

A voz de Lana é a grande protagonista das canções, e é acompanhada do violão, do piano e de suaves batidas de bateria. No entanto, não se engane: o glamour e o romance ainda encontram-se presentes nas músicas, mas agora mais contidos. A artista, que hoje tem 35 anos, abre o álbum com White Dress, canção mais longa do projeto, com mais de cinco minutos e meio de duração. Nela, Lana reflete sobre a época na qual era uma garçonete em tempos mais simples. “I felt free cause I was only nineteen” (Eu me sentia livre porque eu tinha apenas dezenove), pensa a cantora sobre a pressão da fama e como chegou em seu atual momento.

Videoclipe de ‘White Dress’ trabalha com sobreposição de imagens e é simples, mas bonito.

A beleza da trajetória e da persona criada por Lana Del Rey continua na construção da faixa título, Chemtrails Over The Country Club, na qual a cantora expressa a dualidade do seu zodíaco. “My moon is in Leo, my Cancer is sun” (Minha lua é em Leão, meu câncer é sol), ela explica sobre a natureza livre e selvagem e a necessidade de libertar-se das amarras do passado.

A música cresce lentamente e nos lembra de uma história do escritor estadunidense F. Scott Fitzgerald, autor de O Grande Gatsby. Lana, inclusive, já lançou uma música para a trilha sonora da adaptação de 2013. “You’re in the wind, I’m in the water, nobody’s sun, nobody’s daughter” (Você está no vento, eu estou na água, filho de ninguém, filha de ninguém), expressa Lana ao comentar sobre a sensibilidade dramática de um canceriano com lua em leão, que anseia pela expressão de sua criatividade. A música termina com uma bateria leve e sutil, acalmando o caos que a artista desenvolve com o crescimento do refrão.

Videoclipe de ‘Chemtrails Over The Country Club’ foi dirigido por BRTHR. Dupla já produziu os clipes de ‘Party Monster’, de The Weeknd, e ‘Rare’, de Selena Gomez.

A terceira faixa, Tulsa Jesus Freak, é mais animada que as duas primeiras e lembra o repertório de outras épocas da cantora. A bíblia, Deus e Jesus são mencionados diversas vezes nesta canção, que utiliza suavemente o Auto-Tune para modificar a voz de Lana. É aqui que descobrimos a motivação para o álbum inicialmente se chamar White Hot Forever.

A cantora murmura “We’ll be White Hot Forever and only God knows” (Seremos “branco quente” para sempre e apenas Deus sabe). Branco quente, inclusive, é o nome dado para as luzes quentes, similares à lâmpadas incandescentes. Lana invoca a paixão e a devoção de quem amará para sempre. “Sing me like a byble hymn” (Me cante como um hino da Bíblia), é entoado através da melodia country que nos faz lembrar de Cinnamon Girl, queridinha dos fãs, presente em Norman Fucking Rockwell!.

O carro-chefe do álbum, Let Me Love You Like a Woman, mostra a dependência de Lana em suas relações amorosas. Ela utiliza o tom mais grave da voz e canta sobre querer fugir e sair de Los Angeles. “Talk to me in poems and songs, don’t make me bittersweet, let me love you like a woman, let me hold you like a baby” (Fale comigo em poemas e músicas, não me deixe agridoce, me deixe te amar como uma mulher, me deixe te segurar como um bebê), canta em um refrão calmo e repetitivo.

A canção se agita perto do fim, onde a cantora utiliza o tom mais alto de sua voz para citar que eles poderiam se perder na chuva e falar sobre os bons e velhos dias. Essa nostalgia é encontrada durante todo o álbum produzido por Jack Antonoff, responsável por trabalhar com Taylor Swift nos aclamados álbuns Lover, folklore e evermore, e com Lorde, em Melodrama.

Carro-chefe de Chemtrails, Let Me Love You Like A Woman possui um refrão calmo e repetitivo. Videoclipe é pessoal e pouco produzido.

Wild at Heart, a quinta música, parece uma continuação de Norman Fucking Rockwell! Lana utiliza uma melodia e tom de voz semelhantes às utilizadas no álbum anterior e nos faz lembrar de Love Song, de 2019, outra favorita dos fãs.

Em Wild at Heart, a cantora pensa em desistir da música e explica sua necessidade de ser livre e selvagem, enquanto canta “and if I had to do it all again, I would because, babe, in the end, it brought me here to you” (e se eu tivesse que fazer tudo de novo eu faria porque, babe, no final, me trouxe aqui para você).

O refrão conquista os ouvintes com o pandeiro, o violão e o piano, além do toque country da música que parece ter saído diretamente da década de 1970. “If you love me, you’ll love me, cause I’m wild at heart” (se você me ama, você me amará, porque eu sou selvagem no coração), explica Lana em uma das faixas mais bonitas do álbum.

Polêmicas

É importante contextualizar o lançamento de Chemtrails Over the Country Club com as polêmicas em que Lana se envolveu. Em maio de 2020, a cantora entrou em uma controvérsia ao publicar em sua conta no Instagram um texto que questionava o sucesso de outras cantoras, enquanto seu trabalho era criticado.

“Agora que Doja Cat, Ariana [Grande], Camila [Cabello], Cardi B, Kehlani e Nicki Minaj e Beyoncé tiveram vários sucessos número um com músicas sobre ser sexy, não usar roupas, transar, trair etc — eu posso voltar a cantar sobre me sentir bela por estar apaixonada mesmo se o relacionamento não é perfeito, ou dançar por dinheiro — ou qualquer coisa que eu quiser — sem ser crucificada ou dizer que estou glamourizando o abuso??????”, argumentou. Lana aproveitou, também, para divulgar o lançamento de seu livro de poesias, Violet Bent Backwards over the Grass.

Máscara de tela chamou a atenção do grande público por não oferecer proteção contra COVID-19. (Foto: Reprodução/Lana Del Rey).

Em uma sessão de autógrafos do lançamento do livro, a cantora se envolveu em outra controvérsia ao utilizar uma máscara de tela para assinar os exemplares em uma livraria de Los Angeles.

A máscara, que parecia ser somente uma rede bege, chamou a atenção dos fãs e da grande mídia por mostrar a irresponsabilidade de Lana no meio da pandemia do novo Coronavírus. No entanto, ela explicou que a máscara possuía plástico costurado por dentro e que elas normalmente são costuradas por estilistas hoje em dia. “Sou sortuda o bastante para ter uma equipe de pessoas que pode fazer isso”, explicou.

A máscara foi um assunto tão comentado que Lana aproveitou para utilizá-la no videoclipe de Chemtrails Over The Country Club, em que a cantora dirige um carro vermelho enquanto usa roupas vintage. O ambiente cinematográfico do vídeo faz jus à liberdade da canção.

Sonoridade visual e dark

O cinema e a escuridão voltam a encontrar Lana na sexta canção do projeto, Dark But Just a Game, que começa com um simples violão e fala sobre o preço da fama. A música tem uma sonoridade sexy que conquista. “The best ones lost their minds. So I’m not gonna change. I’ll stay the same. Don’t even want what’s mine, much less the fame” (Os melhores perderam suas mentes, então eu não vou mudar, permanecerei a mesma, não quero nem o que é meu, muito menos a fama), diz, na faixa que destoa das outras com um pandeiro e uma voz sussurrada. É um dos pontos altos do disco.

Verso do disco mostra uma Lana sorridente. (Foto: Divulgação/Lana Del Rey).

A sétima canção de Chemtrails, Not All Who Wander Are Lost, segue a estrutura das outras músicas, começa com violão e traz um sentimento de nostalgia explícita que nos lembra de momentos passados. A gaita de boca que toca no fundo trouxe mais emoção para esta canção que possui um refrão repetitivo. Como Lana diz, nem todos os viajantes estão perdidos, só são livres de espírito, tema que permeia o álbum inteiro.

Yosemite é transcendental e, apesar de ter cinco minutos de duração, passa rápido. Falando sobre relacionamentos que não mudam com o passar do tempo, Lana consegue tocar os sentimentos dos ouvintes. Ela recita “Isn’t it cool how nothing here changes at all? You make me feel like I’m invincible” (Não é legal como nada aqui muda? Você me faz sentir como se eu fosse invencível), enquanto lembra que as estações podem mudar, mas que eles, não. O título da música remete ao Parque Nacional de Yosemite, nos Estados Unidos, nas montanhas da Serra Nevada, na Califórnia.

Breaking Up Slowly, nona canção do disco, é a música mais curta dele, com menos de três minutos de duração. É uma canção simples e country em colaboração com Nikki Lane. Esta faixa parece ser mais de Nikki do que de Lana e soa como um interlúdio para a parte final do álbum. Mostrando o final iminente de um relacionamento, é uma música agridoce e simplória que chama a atenção pela emoção do dueto.

A penúltima faixa de Chemtrails, Dance Till We Die, coloca um saxofone para tocar no fundo da melodia, mas algo nela não parece fazer muito sentido, e o refrão não conquista, nem gruda. No entanto, existe uma reviravolta na ponte da música que faz ela valer a pena. Ouvimos uma Lana Del Rey mais confiante, com uma voz que não é costumeira. É uma das partes mais animadas do álbum e poderia ter durado mais.

Lana Del Rey, Zella Day e Weyes Blood para o photoshoot de ‘Chemtrails Over the Country Club’. (Foto: Divulgação/Lana Del Rey).

Lana finaliza o disco com um cover da música For Free, da artista canadense Joni Mitchell. A parceria com Zella Day e Weyes Blood é outra canção cinematográfica e lembra um pouco River, música também de Joni Mitchell. É um bom encerramento para o álbum. O piano e o tom das vozes do trio emocionam e são dignos de uma cena de filme.

Chemtrails Over The Country Club não encanta tanto quanto seu aclamado antecessor, Norman Fucking Rockwell!, que foi, inclusive, indicado para o Grammy de Álbum do Ano em 2020. É um álbum calmo, folk, com poucos instrumentos e poucas variações. Ele é denso e precisa ser ouvido com atenção mais de uma vez para que todos os detalhes sejam percebidos. No entanto, ele foi estruturado de uma maneira tão bela e simples que conquista e entretém.

É, sem dúvidas, um dos álbuns mais coesos de Lana Del Rey, com letras bem escritas e início, meio e fim. Pode não ser tão ambicioso ou grandioso, ou trazer novos ouvintes para a grande fã-base da cantora, mas marca um ponto especial na carreira da artista, que se consagra mais e mais na indústria fonográfica a cada lançamento. É um álbum transicional que deixa um gostinho de “quero mais” e que deixa Lana no topo de suas produções.

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ângelo gabriel santos
Redação Beta

aspirante a escritor e jornalista; escrevo sobre o que eu sinto e depois me arrependo.