CRÍTICA: ‘Pacto Brutal’ expõe sensacionalismo da mídia e falhas da lei
Série reivindica a memória de Daniella Perez e busca restabelecer a verdade sobre a morte da atriz a partir do olhar de sua mãe
Quem nasceu entre os anos 80 e 90 cresceu sabendo da história trágica de Daniella Perez, jovem atriz da Rede Globo que foi morta a golpes de tesoura pelo colega de profissão Guilherme de Pádua, com quem mantinha um relacionamento amoroso que evoluiu da ficção para a vida real. Quase tudo o que você acabou de ler é mentira.
Daniella nunca teve caso amoroso nenhum com seu assassino, e muito menos o crime foi consumado com uma tesoura. É justamente com o propósito de esclarecer de forma definitiva essa história e enterrar teorias falsas que até hoje rondam o imaginário popular que a minissérie Pacto Brutal: O Assassinato de Daniella Perez foi idealizada.
O único aspecto que o projeto da HBO Max deixa a desejar de fato é no título genérico, que dá a impressão de ter sido escolhido por quem vende o produto e não por quem realmente o produziu. Embora o nome possa deixar a impressão de uma obra apelativa, a série vai na direção contrária ao sensacionalismo. Dirigida e roteirizada por Guto Barra e Tatiana Issa, ‘Pacto Brutal’ utiliza da narrativa documental para traçar o perfil da vítima e dos assassinos e examinar a repercussão e as consequências do crime.
Ao longo de cinco episódios, com aproximadamente uma hora de duração cada, vemos depoimentos de artistas, familiares, jornalistas, testemunhas e autoridades que participaram do caso. O fio condutor da série é a escritora Glória Perez, mãe de Daniella. A consagrada autora de novelas é a alma desse projeto. É ela quem protagoniza os depoimentos mais doces e também os mais melancólicos. Amiga íntima de Guto e Tatiana, é possível afirmar que Glória funciona como uma espécie de legitimadora de uma decisão criativa específica da dupla de diretores que poderia causar controvérsia.
Sem rodeios: a série não é fácil de assistir e pode ser desconfortável para alguns. Logo no primeiro episódio, que reconstitui a noite do assassinato de Daniella, são reproduzidas fotos da perícia que mostram a atriz já sem vida no matagal onde foi morta. Segundo Glória, ela não apenas autorizou o uso dessas imagens, como incentivou que fossem expostas. É a forma que ela encontrou para trazer à tona o debate sobre o feminicídio — assunto raramente discutido na época — e demonstrar ao espectador o quão longe o ser humano pode ir quando se trata de violência.
Em um dos depoimentos mais marcantes da produção, a escritora exibe dezenas de revistas e jornais que repercutiam os desdobramentos nos meses seguintes ao homicídio. As imagens usadas pelas publicações são o puro suco da semiótica. As capas mostravam sempre o casal Yasmin e Bira abraçados e em poses românticas, justamente os personagens interpretados por Daniella e Guilherme na novela De Corpo e Alma. De acordo com a novelista, essas imagens agridem mais a reputação da filha que as fotos dela morta. Fica difícil discordar do argumento de Glória de que a ânsia da mídia por vender revistas ajudou a sedimentar no imaginário popular a mentira sustentada pelo assassino: de que ele e a atriz mantinham um caso extraconjugal.
O único deslize da série ao abordar o tema é a breve inclusão de um depoimento da jornalista Sônia Abrão. Para quem não lembra, a apresentadora desempenhou papel lamentável no desfecho trágico no caso da jovem Eloá Pimentel. Não chega a manchar a produção, mas a participação de Sônia no contexto de ‘Pacto Brutal’ é um momento de incoerência dos realizadores.
Além das críticas à cobertura da imprensa que permeiam todos os capítulos, o empenho comovente por justiça empreendido por Glória também merece destaque. Por mais surreal que possa parecer, até o ano de 1992, quando Daniella foi morta, o homicídio não era legalmente considerado crime hediondo no Brasil. A partir daí, inspirada nas Mães de Acari, Glória reúne um grupo de mães de diversos estados do país que sofreram da mesma dor que ela para uma campanha de coleta de assinaturas rumo ao Congresso, em Brasília, visando a mudança da legislação.
Não bastasse todas essas adversidades, o episódio ‘Mãe Investigadora’ ainda revela Glória fazendo sua própria apuração particular em busca de testemunhas que pudessem solucionar as pontas soltas do caso, como forma de lutar contra a incompetência e a inércia da polícia carioca.
O primeiro capítulo — ‘A Noite Que Nunca Acabou’ — é o mais sombrio da série. Os diretores reconstituem as últimas 24 horas de vida de Daniella com um detalhismo e precisão que provocam arrepios. A obra ainda dedica dois episódios para construir um perfil meticuloso dos culpados e seus antecedentes antes do assassinato. Um acerto dos realizadores é não conceder espaço para ambos falarem.
Por fim, o último episódio — ‘Justiça?’ — narra o julgamento do caso e avança até os dias atuais para concluir a história. O último ato é onde a minissérie revela suas intenções: mostrar que Daniella Perez é muito mais que apenas a garota que morreu. Em tempos de popularização das produções de true crime, em que várias só buscam explorar a morbidez dessas histórias, ‘Pacto Brutal’ é o resgate da memória e da reputação de uma filha por sua mãe, que almeja nos lembrar também da vida que ela viveu.