CRÍTICA: Protesto que se transforma em arte

Não existe uma regra que determine que para ser rapper é preciso ser afinado

Isaías Rheinheimer
Redação Beta
3 min readSep 10, 2022

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Alisson Martins é ativista cultural de Estância Velha. (Foto: Isaías Rheinheimer)

Fechando bocas, abrindo mentes… Agora, encarne o rapper que existe em você e leia a primeira frase novamente, de forma ritmada. Fe-chan-do bo-cas, a-brin-do men-tes… Sentiu a pegada?

Essa frase está em looping na minha cabeça desde o momento em que a ouvi. É o trecho de uma rima feita pelo músico Alisson Martins, idealizador do grupo Cria do Mudo Rap e do projeto Estância em Hip Hop, durante o Sarau Cultural promovido pelo Departamento de Cultura da Prefeitura de Estância Velha, evento que fez parte da programação da Semana do Município, que acontece há 63 anos na primeira semana de setembro.

Para mim, depois de assistir a apresentação do rapper, que se autodenomina ativista cultural, a sequência da rima é uma crítica clara ao sistema político e jurídico do país, que, por exemplo, criminaliza o uso da maconha, mas não tem o mesmo rigor e, o que é pior, passa pano para agente público corrupto.

O show de Alisson, com duração de aproximadamente uma hora, é protesto do início ao fim. Digamos que é um protesto genuíno, já que o som do cara é todo autoral, sem espaço para covers. É o protesto que se transforma em arte, e, como estamos falando de cultura, não tem certo ou errado. Neste caso, o que vale é o senso crítico e a intelectualidade de cada um.

Embora não se denomine músico, pois não faz dela profissão, o ativista cultural tem boa presença de palco e levou bem a apresentação, emendando uma sequência de músicas que mesclam rimas prontas e outras que surgem na hora. Não me pareceu que a desenvoltura tenha relação com o fato de a plateia ser composta massivamente por familiares e amigos de Alisson. Pelo contrário, ele demonstrou intimidade com o palco e com sua arte. Era Alisson com a sua verdade, tivesse o público que fosse.

Rapper demonstrou boa desenvoltura no palco em apresentação que aconteceu em praça pública. (Foto: Isaías Rheinheimer/PMEV)

Talvez o que o diferencie de um músico profissional seja, primeiro, o fato de não viver só da música, e por cometer alguns — poucos, diga-se de passagem — deslizes no quesito afinação, especialmente quando o grito (oprimido?) do protesto se sobrepôs. Mas, convenhamos, não existe uma regra que determine que para ser rapper é preciso ser afinado. Por isso, pela capacidade crítica, cultural e musical de Alisson, a experiência merece todas as cinco estrelas disponíveis nos apps da vida.

Outro aspecto positivo, que não tem relação direta com a apresentação do rapper, é o fato de o Sarau Cultural ter reunido cinco atrações locais em praça pública. Apesar de ter reunido um público minúsculo, dar oportunidade para artistas locais mostrarem sua arte é fundamental em tempos como os que estamos vivendo, em que a cultura fica em segundo plano.

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