CRÍTICA: “Querido Evan Hansen” reforça que não estamos sozinhos
Dos palcos para as páginas, livro inspirado no musical tem como tema os desafios causados pelas inseguranças do protagonista
Autor: Val Emmich, com Steven Levenson, Benj Pasek e Justin Paul
Editora: Seguinte
Páginas: 328
E se a vida que sempre sonhou chegasse, finalmente, ao seu alcance, mas estivesse coberta de mentiras? Evan Hansen, adolescente que sofre de ansiedade e tem dificuldades para socializar, precisou enfrentar justamente esse cenário, sem fazer ideia da proporção que as suas palavras teriam. Escrito por Val Emmich com Steven Levenson, Benj Pasek e Justin Paul, o livro Querido Evan Hansen propõe reflexões sobre as nossas escolhas, os relacionamentos familiares e a necessidade de estabelecer diálogos para amenizar conflitos pessoais.
A obra literária é inspirada no musical homônimo da Broadway vencedor de seis prêmios Tony. Lançado no Brasil pela editora Seguinte, em 2019, o livro tem tradução de Guilherme Miranda e ganhará outra adaptação: um filme, com estreia prevista para 24 de setembro, nos Estados Unidos.
Pela escrita em primeira pessoa, perceptível nas 328 páginas, o livro oferece a oportunidade de entender os pensamentos e as intenções de Evan ao agir e falar. Ele não tinha, de fato, a finalidade de ser parte do equívoco que rege a história, mas a ansiedade o colocou na situação. Isso aparece como uma constante batalha interna que é parte dele. Evan não consegue se desvincular das mentiras que crescem cada vez mais e, por sentir-se acolhido pela nova vida, beneficia-se delas.
Na trama, as férias de verão acabaram e era necessário retornar à rotina. Durante o período afastado das aulas, Evan foi ajudante de guarda florestal e sofreu acidente após cair de uma árvore, o que lhe custou um braço quebrado. Esse ponto é muito importante, pois Connor Murphy, colega conhecido como encrenqueiro, assina o gesso, o que desencadeia a história.
Por recomendação de seu psicólogo, o Dr. Sherman, Evan escreve cartas para si, sempre começando com “Querido Evan Hansen, hoje vai ser um dia bom, e vou dizer por quê”. A princípio com palavras positivas, as cartas, que deveriam ajudá-lo na terapia, nem sempre carregavam a verdade do garoto que se sentia completamente invisível. No primeiro dia de seu último ano escolar, porém, tudo sai do planejado.
Connor, após marcar seu nome no gesso de Evan, pega por acaso a carta que o protagonista havia enviado para a impressora da escola e fica enfurecido ao ler o nome de sua irmã, Zoe, no papel. Diferentemente das demais, essa carta era mais sincera sobre o que estava acontecendo com ele, e, sim, Evan era secretamente apaixonado por Zoe, mesmo que não conseguisse fazer nada a respeito em função da dificuldade de conversar com as pessoas. Com a carta em mãos, Connor sai e deixa Evan angustiado com o que poderia acontecer. Se as cartas eras as salvadoras, viraram seu pesadelo.
Alguns dias depois do ocorrido, Evan descobre que Connor se suicidou e que a família dele encontrou a carta em seu bolso. Com um “Querido Evan Hansen” no início, a mensagem era finalizada com “Do fundo do coração, seu melhor e mais querido amigo, eu”. Todos pensaram que a carta era, sem dúvidas, destinada a Evan. Ele tenta expor a verdade, mas a família de Connor não assimila, ainda mais depois de ver a assinatura no gesso. Os familiares acreditam que ele está em choque. A partir disso, uma série de mentiras se forma para construir a amizade inexistente entre os dois garotos solitários.
Querido Evan Hansen é uma história sensível que trata de algo extremamente pesado. O livro é mais leve no início, quando apresenta a personalidade autêntica de Evan e as tramas adolescentes. Entretanto, ao avançar a leitura, algumas partes deixam o coração apertado por trazer assuntos de tamanha seriedade. A maneira que é descrito, com excesso de pensamentos e de julgamentos próprios, caracteriza com precisão o personagem ansioso.
Ele não é nem mocinho nem vilão, mas a mistura de realidades e de entendimentos de alguém que enfrenta desafios mentais. É possível concretizar a história na mente sem dificuldades, e os diálogos trazem veracidade com carga dramática intensa — principalmente nas conversas de família.
O livro é dividido em duas partes, seguindo o musical de dois atos, mais o epílogo. Há capítulos intercalados com a visão de Connor, sendo por lembranças ou avaliações dele sobre a situação. Isso é essencial, tanto para desenvolver esse personagem como para mostrar seus anseios em vida. Embora a obra literária seja centrada em Evan, a narrativa acerta ao construir os demais personagens.
Em Heidi Hansen, vemos os esforços de uma mãe para compreender o filho que não costuma demonstrar sentimentos. O trabalho cansativo e os estudos diminuem o tempo que passa com ele. Já o pai, Mark, que mora em outro estado com a nova família, nem faz questão de saber como o filho está.
Questões familiares aparecem na história dos demais personagens. Se de um lado somos apresentados a Heidi, podemos avaliar como Cynthia e Larry Murphy lidavam com os filhos — Connor e Zoe. Mas, principalmente, como interpretam Connor depois das lembranças forjadas de Evan.
Discordo da atitude reprovável e mentirosa, apesar de entender os motivos de Evan naquelas escolhas. Afinal, na mente dele, era o melhor a se fazer com a família enlutada. De qualquer forma, é fundamental destacar que ninguém deve sofrer em silêncio ou interiorizar sentimentos que destroem aos poucos. Não apenas no período da campanha brasileira de prevenção ao suicídio, o Setembro Amarelo. Por isso, o cuidado com a saúde mental é necessário para todos e todas. Ninguém está sozinho nem esquecido — sempre haverá alguém para ajudar.
Se você ou algum conhecido precisar, não hesite em buscar ajuda:
Centro de Valorização da Vida (CVV)
Telefone: 188