CRÍTICA: “Stonewall 50” inspira a resistir

A peça teatral fala sobre a histórica revolta da comunidade LGBTQI+ nos Estados Unidos em 1969

Vanessa Fontoura
Redação Beta
3 min readOct 4, 2019

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Peça é encenada por Thiago Mendonça (Foto: Edson Lopes Jr/Divulgação)

A magia já começa ao ver as portas do teatro. Em um clima intimista, o ator Thiago Mendonça convida a plateia a mergulhar em seu mundo solitário, provocando um diálogo com os participantes, e convidando-os a sentar mais à frente nas poltronas do Teatro do Sesc, em Canoas. Assim, logo que entramos e nos acomodamos, deparamos com um espetáculo chamado Stonewall 50 — Uma Celebração Teatral.

Faixada do bar Stonewall Inn em 1969. (Foto: New York Public Library)

A peça foi inspirada nos 50 anos da rebelião no bar Stonewall Inn, em Nova York, em 28 de junho de 1969, quando a comunidade LGBTQI+ resolveu reagir diante da violência policial e de duras perseguições que constantemente sofriam na época. Stonewall Inn era um dos raros bares que aceitavam pessoas abertamente gays nos Estados Unidos — país com um sistema judicial abertamente homofóbico na década de 60.

O bar era controlado por mafiosos que mantinham o seu negócio pagando semanalmente propina à polícia nova-iorquina — sem licença para comercializar bebidas alcoólicas e sem corresponder a nenhuma exigência sanitária. Porém, o suborno não impedia as constantes e violentas batidas policiais. Assim sendo, a revolta se caracteriza como um marco pela luta dos direitos dessa minoria em todo o mundo, e seus reflexos são abordados na peça através de uma encenação emocionante e sensível interpretada pelo ator no monólogo.

Desejando um mundo melhor, Mendonça inicia sua apresentação performando a canção When You Wish Upon a Star, originária da animação Pinocchio. Cativando o público, ele começa então contando sobre sua experiência de vida e falando abertamente sobre sua sexualidade. Em cena, somente a companhia de bonecas e bonecos de sua coleção particular. O destaque é para aquela que, por razões que o próprio espetáculo revela, reproduz a personagem Dorothy — interpretada por Judy Garland no filme O Mágico de Oz, de 1939.

Mendonça com sua coleção pessoal de bonecos. (Foto: Edson Lopes Jr/Divulgação)

De forma corajosa, o artista se abre com o público, contando detalhes íntimos de decisões que mudaram o curso de sua vida. Ao falar sobre o preconceito que sofre, Mendonça nos faz refletir sobre a dificuldade que a comunidade LGBTQI+ sempre teve que enfrentar perante a sociedade. Conforme a narrativa avança, através de uma viagem no tempo, ele nos recorda sobre fatos históricos e marcantes que caracterizam a mensagem e o discurso adotados pelo espetáculo. Em paralelo, enquanto representa, o figurino muda de uma camiseta formal para um lindo vestido de paetês.

Assim, Mendonça sensibiliza ao falar das suas experiências de infância: aos oito anos, teve sua primeira prova real da maldade do mundo quando presenciou uma cena de violência no ônibus que tomava para ir à escola. Com esse relato, impressionados, entendemos que, mesmo morando no Brasil, não estamos livres de sofrer violência ou represálias com nossas escolhas.

Thiago fala sobre sua infância e sobre o preconceito que sofre. (Foto: Vanessa Fontoura/Beta Redação)

Stonewall 50 é muito mais do que uma homenagem ao aniversário da revolta; fala sobre as batalhas diárias dos LGBTQI+, do preconceito, da homofobia, da estereotipização. Durante a performance, Mendonça lembra a figura icônica que foi o estopim da revolta, o drag king Stormé Delarverie, que, no meio da confusão com a polícia, cansado de tantas represálias, revidou dando um soco em um policial e, questionando a multidão, perguntou: “Vocês não vão fazer nada?”.

O espetáculo, que nos faz ponderar em tom de resistência sobre os conflitos da vida, encerra-se com um vídeo que traz um recado marcante de uma das mais conhecidas figuras do meio no Brasil, a cantora e atriz Divina Valéria. Por fim, em uma época de intolerância, o ator é aplaudido de pé por um público que, comovido, entende o recado: é preciso resistir.

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