CRÍTICA: “Tick, Tick… Boom!” é um tributo merecido a quem marcou gerações
Jonathan Larson não viveu o seu devido reconhecimento, mas o filme dirigido por Lin-Manuel Miranda presta um belo tributo à vida do talentoso compositor
Envolto em diversas camadas metalinguísticas, Tick, Tick… Boom! se mostra uma carta de amor ao teatro musical e, principalmente, à vida e à obra de Jonathan Larson. Autor de Rent, um dos maiores e mais influentes musicais já criados, Larson não viveu o suficiente para receber os merecidos aplausos conquistados pelo seu trabalho. Ele, na madrugada do dia 25 de janeiro de 1996, aos 35 anos de idade, morreu em decorrência de um aneurisma cerebral na aorta — um dia antes da estreia do musical.
Contudo, antes de se tornar um dos principais nomes do teatro mundial, Jonathan passou por inúmeras adversidades. Durante os anos 80 e início dos 90, enquanto trabalhava como garçom em uma lanchonete de Nova Iorque, Larson criou a peça Superbia, um musical distópico de rock inspirado no livro 1984, de George Orwell. Apesar de receber críticas positivas pela obra — até mesmo do seu ídolo Stephen Sondheim, criador de musicais como West Side Story e Into The Woods — , Larson não obteve nenhuma oferta para produzi-la.
Diante desse contexto, nasceu Tick, Tick… Boom!, o monólogo biográfico musical criado por Jonathan, inspirado em seu próprio fracasso com a criação anterior e a aflição de estar chegando aos 30 anos sem ter conquistado os palcos da Broadway. Mal sabia ele que, anos depois, não teria atingido apenas os teatros da icônica avenida, mas sua história também teria chegado a milhões de pessoas, em todas partes do mundo, através das grandes telas do cinema e dos populares serviços de streaming.
Tick, Tick… Boom! foi lançado pela gigante Netflix em novembro de 2021 e atua como um grande tributo à vida e às criações de Larson. Logo em seus primeiros minutos, o filme narra brevemente a história do dramaturgo, utilizando-se de efeitos visuais que remetem a um documentário. Efeitos esses que são resgatados ao decorrer do longa e levam o telespectador a uma imersão ao universo metalinguístico criado. Durante seus créditos finais, o filme exibe imagens reais de Jonathan documentadas durante o período que a película encena, o que faz com que se crie um deslumbre diante da exatidão retratada no decorrer da obra.
Um dos pontos fortes do filme certamente é a atuação de Andrew Garfield como Larson. O ator, que foi muitas vezes subestimado por Hollywood, soube retratar com precisão a essência do letrista, mostrando suas nuances, ambições e sonhos de maneira excepcional. Não é à toa que Garfield foi indicado ao Oscar de 2022 na categoria de melhor ator. Embora as chances de vitória sejam pequenas — Will Smith em King Richard: Criando Campeãs é o mais cotado a levar a estatueta dourada — , Andrew é um artista em ascensão, que atua, canta e dança com maestria, e provou ser merecedor do seu espaço na indústria cinematográfica.
Outro destaque do longa é a forma como o roteiro do musical criado por Jonathan se encaixa à narrativa criada pelo texto de Steven Levenson para o filme. Apesar da obra original de Larson ser um monólogo, os personagens secundários na película executam um importante papel na história do protagonista ao fazê-lo refletir sobre a vida, o futuro e seus sonhos. Todavia, claro, acompanhamos a visão de Jon sobre eles. O personagem principal utiliza sua peça para apresentar os amigos, sendo essas cenas intercaladas com suas memórias enquanto criava Superbia.
Tick, Tick… Boom! também marca a estreia de Lin-Manuel Miranda como diretor de cinema. O ator, dramaturgo, letrista, compositor, autor do hit Hamilton, criador de trilhas sonoras de animações como Moana e Encanto, além de vencedor de grandes prêmios como o Tony, Grammy e Pulitzer, presta uma bela homenagem e honra o legado de Jonathan Larson. Miranda consegue juntar as três nuances da história — a vida de Larson, o musical Superbia e o monólogo que deu nome ao filme — de forma que o telespectador se insira em cada pensamento do protagonista, mas ao mesmo tempo entenda que o longa, na verdade, se refere apenas à genialidade de Jonathan.
Embora o musical não entregue grandes números com coreografias, cenários e figurinos elaborados, a música é um dos principais elementos do longa. Atuando como ponto central do filme, é através dela que as histórias são contadas, a vida de Jon é representada e a emoção é levada à audiência. Porém, ainda que a simplicidade esteja presente, os aficionados fãs dos grandes musicais da Broadway certamente irão vibrar com cada segundo da apresentação da música “Sunday”, na qual ícones do teatro musical — inclusive das obras de Larson e do próprio diretor Lin-Manuel Miranda — fazem uma participação especial.
Em uma das cenas, logo no início do filme, ao ser perguntado sobre quem era, Jonathan Larson respondeu: “eu sou o futuro do teatro musical”. Mesmo que possa soar como uma afirmação soberba, o jovem compositor e roteirista estava certo. Apenas uma pessoa que marcou gerações poderia ganhar uma homenagem tão notável como Tick, Tick… Boom!. Assim como Sthepen Sondheim foi uma influência para Larson, Larson sem dúvidas inspirou Miranda em sua brilhante carreira. Entre os ticks que ressoam durante todo o filme ao Boom que ecoa intensamente em seu final, obtemos vislumbres dos sonhos, medos e inseguranças de um gênio que nunca pôde vivenciar o seu devido reconhecimento. Contudo, felizmente, sua obra segue viva, recebendo o tributo que merece.