CRÍTICA: “Um Príncipe em Nova York 2” e as demandas sociais do século 21

A nova trama de Eddie Murphy aborda questões emergentes, mas seu enredo é previsível e com poucas pitadas de humor

Tainara Pietrobelli
Redação Beta
7 min readApr 10, 2021

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Poster de divulgação do filme (Imagem: Amazon Studios /Divulgação)

Lançado neste ano e disponível com exclusividade na Amazon Prime, Um Príncipe em Nova York 2 traz à tona diversos temas atuais, como racismo, feminismo e empoderamento feminino. A crítica social se mantém viva do início ao fim do filme, e aborda as questões de preconceito mais comuns no dia a dia.

O tema central aborda a crença de que mulheres não poderiam assumir o trono de Zamunda, e o agora rei Akeem, interpretado por Eddie Murphy, parece concordar com a tradição. No entanto, Meeka (Kiki Layne), sua filha primogênita até então, já tinha idade e habilidades suficientes para ocupar a posição.

Mas é aí que o imprevisível acontece e Akeem descobre no leito de morte do pai, Rei Joffe (James Earl Jones), que tem um filho perdido em Nova York e resolve voltar para levá-lo ao reino onde irá governar. O desempenho do filho, no entanto, está longe de ser digno de um rei, enquanto a princesa já possui a postura e conhecimento para assumir o trono. Mesmo sendo inadequado para a tarefa de futuro rei, Lavelle Junson (Jermaine Fowler) pode contar com o apoio de Akeem, que se manteve disposto a alimentar os pensamentos machistas do pai, já falecido.

Relembrando a primeira versão

Um Príncipe em Nova York 2 não perde a essência construída em 1988, quando a primeira versão do longa foi lançada. Já se passaram 33 anos e o filme se tornou um clássico impossível de ser assistido apenas uma única vez. Na época, a questão racial tomou conta do enredo. A ideia de ter um elenco majoritariamente negro, com a figura de um príncipe negro, da África, que viajou para a América, chamava muita atenção. Nos anos 80, essa representação não era nada comum.

A questão principal era a busca pelo amor verdadeiro, além do casamento arranjado. Em 1988, isso ainda era realidade na cultura de alguns países, mas em nível já não tão expressivo. O mais fantástico era ver a história de uma família rica, negra e soberana, em contato com um país onde o racismo sempre existiu em grandes proporções. Apesar de Akeem, o príncipe de Zamunda (Eddie Murphy), ter todos os privilégios de uma boa vida, sentiu na pele os preconceitos e as dificuldades que a população negra dos subúrbios dos Estados Unidos passava. A produção buscou retratar também a vida dos imigrantes que fugiam para os EUA , outro tema sensível para o país.

Considerando a sociedade de três décadas atrás, o filme abordou temáticas pouco comentadas na época, que machucavam tanto os negros como os brancos, e ainda por cima, através de uma comédia, o que é ainda mais surpreendente. O fato é que se até agora analisamos o longa, ele com certeza deixou a sua marca como um filme inesquecível.

Relação entre as duas produções

A segunda versão do longa recupera boa parte dos personagens que estavam presentes na história, em 1988, mesmo que através de trechos da gravação. Inclusive, essa é uma técnica muito utilizada. Cortes da versão 1 são inseridos no longa em vários momentos. Isso tem duas finalidades: relembrar a obra antiga e mostrar as consequências de decisões tomadas no passado.

Nesse sentido, Um Príncipe em Nova York 2 traz uma carga genial de coerência com a primeira versão. Mesmo se passando mais de 30 anos, a estrutura narrativa do filme faz esse movimento de relembrar partes importantes que dão mais sentido à nova trama. Ao assistir os dois filmes, um após o outro, é fácil se deixar levar pela linha do tempo criada, mesmo que já haja um grande espaço entre os dois lançamentos.

Também existe uma afirmação constante do desfecho da primeira produção, já que a esposa de Akeen, Lisa (Shari Heandley), apresenta um papel fundamental, com um lugar de fala relevante.

Nessa versão, Lisa (Shari Heandley) tem lugar de fala muito mais relevante (Foto: Amazon Studios/Divulgação)

Luxo e riqueza de detalhes

Sem dúvida, é impossível não comentar a riqueza de detalhes cenográficos incluídos no filme. Zamunda é luxuosa, e de tão bem construída pela equipe de produção — em mínimos detalhes — chega a parecer real.

O que incomoda, nesse caso, é a breve ida de Akeem e Semmi (Arsenio Hall) à América para buscar Lavelle Junson (Jermaine Fowler), filho ilegítimo de Akeem. A viagem nem se compara ao primeiro longa, onde Semmi, o fiel confidente e amigo de Akeem, guiava as aventuras dos dois pela cidade. Antes havia um contexto da narrativa dando uma dose de realidade para o roteiro, agora não passa de uma breve passagem, pouquíssimo explorada. Onde está Nova York, citada no nome do filme?

A maior parte da trama acontece em Zamunda, e embora a representação do país africano seja admirável, há poucos momentos para se observar fora do palácio, e isso gera um desconforto por faltar elementos que reforcem a existência do local.

Família real do reino de Zamunda (Foto: Amazon Studios /Divulgação)

Machismo e empoderamento feminino

Empoderamento feminino com certeza é a palavra-chave. Além de ser uma temática atual e necessária, questionar a capacidade feminina de ocupar certas posições na sociedade é uma pauta que parece não ter fim. Em 1988, quando a primeira versão foi lançada, o papel da mulher era basicamente o de se enquadrar em uma figura amorosa, e não mais do que isso.

Agora, a situação mudou e o filme retrata muito bem o peso das palavras e do pensamento das mulheres, em especial, de Lisa. Fazendo um paralelo com esse enquadramento, a princesa Meeka, apesar de ser qualificada e preparada para assumir o trono, é desconsiderada, e tratada pelo povo de Zamunda como uma vergonha para o reino.

Essa parte do enredo é um reflexo perfeito das mulheres no mercado de trabalho, a desvalorização profissional e os salários inferiores aos dos homens. Por parte do príncipe e da realeza, o machismo aparece como algo bobo. Não carrega o peso real que tem no dia a dia das mulheres. Akeem se coloca como um bom rei, amoroso e honesto, como no primeiro filme. Porém, se fosse tudo isso, teria desmerecido a filha ao papel de rainha?

Meeka (Kiki Layne) é a filha mais velha de Akeem (Eddie Murphy) (Foto: Amazon Studios /Divulgação)

O personagem de Eddie Murphy não é mais o mesmo

Se em alguns pontos a trama traz cortes do passado para justificar situações, tão grande é a preocupação em mostrar esses ganchos, com Akeem parece ser justamente o contrário. Quem viu o primeiro filme sabe que o personagem de Eddie Murphy carregava inocência e rebeldia, não aceitando o que não considerava o certo. Assim, ele conseguiu se safar de um casamento arranjado e escolher a sua esposa por amor.

Embora tenha se passado 33 anos entre uma trama e outra, o tempo parece ter modificado nosso príncipe, e agora, rei. Ou será que foi a atuação de Murphy que sofreu alterações?

Comparação do personagem de Eddie Murphy na primeira e segunda versão do longa (Foto: Reprodução/BuzzFeed)

A impressão que fica é que o personagem principal perdeu grande parte da sua importância no enredo. Mesmo que o andamento do filme gire em torno dele, o humor já não é tão presente nas suas falas e ações, e isso faz muita falta. A essência do príncipe que lutava contra os costumes para fazer o correto também mudou.

É impossível conhecer alguém que nunca tenha dado boas risadas assistindo uma comédia do Eddie Murphy, mas o sucesso dos seus filmes clássicos não impediu a longa pausa dada pelo ator desde 2010. Foram seis anos longe das telas justamente por conta das críticas e do “Framboesa de Ouro” de pior ator da década, prêmio cinematográfico humorístico dos Estados Unidos inspirado no Oscar, só que ao contrário.

Eddie voltou em 2016 com o drama independente “Mr. Church” e em 2019 com “Meu nome é Dolemite” e o resultado foi a aprovação da crítica e do público. Um Príncipe em Nova York 2 era uma de suas apostas para recuperar o reconhecimento sobre o seu talento, mas deixou várias brechas pelo caminho.

Não dá para dizer que o longa é ruim, mas no mínimo, previsível. Sim, traz à tona diversas questões relevantes e a representatividade não pode ser diminuída, mas o fato é que logo no início do filme é possível imaginar o final, e isso torna a trama entediante e carente de um humor mais ácido e surpreendente.

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