Crescem os casos de alergia alimentar em crianças

Com reações mais graves que a intolerância, a alergia alimentar preocupa os pais

Paula Câmara Ferreira
Redação Beta
5 min readNov 6, 2018

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Atualmente, no Brasil, existem cerca de 350 mil crianças alérgicas ao leite de vaca, sendo que 70 mil já tiveram ou vão ter alguma reação do tipo anafilática (Foto: Reprodução/Pixabay)

Uma das melhores partes da infância, além das brincadeiras, é comer e experimentar alimentos sem preocupações. Contudo, para 5% das crianças brasileiras que possuem alguma alergia alimentar, a realidade é totalmente diferente, exigindo cuidados em todas as refeições. Os dados são da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (ASBAI), que também indicam que apenas 2% de adultos sofrem com o problema.

O alergista e imunologista Gil Bardini explica que a prevalência das alergias alimentares tem aumentado nas últimas décadas. Estimativas apontam uma incidência entre 2% e 10% da população, sendo mais frequentes em crianças do que em adultos. “Entretanto, a percepção de alergia por parte das famílias é muito maior do que essa estatística. Um estudo envolvendo mais de 3.5 mil crianças demonstrou que 35% dos pais consideravam que seus filhos tinham reações associadas a alimentos”, afirma.

Susto nos primeiros dias de vida

Um dos rostos desta estatística é o de Miguel. Nascido em setembro deste ano, com apenas um mês de vida, após perder cerca de 1 kg, foi diagnosticado com alergia à proteína do leite de vaca (APLV).

Analista de departamento pessoal júnior, Cássia Belíssimo, 35, mãe de Miguel, conta que não desconfiaram da alergia. “Levamos ele no médico, pois nas primeiras 48 horas que passamos em casa ele não conseguia mamar de tanta cólica e gritava dia e noite”, relembra. O pediatra informou que as cólicas e a perda de peso eram normais. O recém-nascido havia emagrecido quase 500 gramas.

A mãe relata que seguiu as orientações do pediatra: medicar para tratar as cólicas e oferecer ao bebê somente leite materno. Após duas semanas, para o desespero da família, Miguel seguia com dores e, apesar de mamar muito, havia emagrecido mais 400 gramas.

Miguel passou seu primeiro “mêsversário” internado no hospital Moinhos de Vento para investigar a perda de peso (Foto: Arquivo Pessoal)

Segundo o pai de Miguel, Denis Belíssimo, 37, assistente de gestão municipal, ao entrar em contato com o pediatra a orientação foi seguir com o filho para o hospital. “Na emergência, a primeira investigação suspeitou de sopro no coração, mas depois esse diagnóstico foi descartado e começou o processo de investigação da APLV”, conta.

Durante a investigação foi verificado que Miguel estava com uma lesão no fígado, que desencadeou hepatite. “Nesse momento, o pediatra responsável nos informou que ele iniciaria a dieta com fórmula de leite e eu deveria parar a amamentação momentaneamente para vermos de fato se ele tinha APLV” explica Cássia.

Os pais contam que se alimentando apenas da fórmula, a recuperação de Miguel foi rápida, pois ele engordava quase 200 gramas por dia. “No quarto dia de internação, o pediatra liberou a amamentação no peito e ele voltou a perder peso. No dia seguinte, com fórmula de leite e leite materno, continuou perdendo peso. Depois o quadro estabilizou e tivemos alta após seis dias de internação”, conta Cássia.

Hoje Miguel está recuperado da lesão no fígado e adaptado à dieta. As cólicas ocorrem com menos frequência, porém a mãe foi orientada a suspender o aleitamento materno. “Aí foi o meu choque, porque ele não vai se alimentar com leite materno”, lamenta. O estado de Miguel é afetado através do leite da mãe, que passa os nutrientes ingeridos por ela, o que inclui a proteína do leite da vaca.

No dia a dia não se percebe, mas muito do que é ingerido tem o leite na composição, desde alimentos a medicamentos. “Dessa forma é praticamente impossível realizar a dieta sem que ele tenha contato com leite. Entrei num grupo no Facebook de mães de crianças que tem APLV. Descobri lá que devido a minha grande ingestão de leite, o meu processo de desintoxicação poderia levar mais de 2 meses. Isso comprometeria o desenvolvimento do Miguel, causando inclusive lesões cerebrais sem reversão”, conta preocupada.

O médico Gil Bardini esclarece que é comum a confusão entre intolerância à lactose e a alergia ao leite, mas frisa que são quadros distintos. “Muitas vezes os sintomas das duas doenças podem se confundir, causando diarreia, distensão abdominal, gases e fezes explosivas. Deve-se lembrar que as alergias são mais comuns na infância, enquanto que a intolerância geralmente se manifesta em crianças maiores e adultos”, informa. Enquanto o intolerante pode consumir derivados de leite em quantidades pequenas sem reações, o alérgico ao leite deve ter sua dieta isenta de toda e qualquer proteína do alimento.

Além da frustração de não amamentar, cada lata da fórmula especial que a criança necessita custa entre 190 reais e 240 reais. Denis explica que na casa deles uma lata durava em média três dias, mas como o Miguel está mamando mais, a porção está rendendo menos.

A família acionou o Estado e a Prefeitura de Canoas para conseguir o leite gratuitamente. Para isso, levaram documentação com as especificações da doença preenchida pelo médico, junto de atestado comprovando a necessidade da fórmula para alimentação e estimativa do consumo ao mês. “Infelizmente, pode levar de 30 a 60 dias para liberaram o alimento. Amigos próximos têm nos ajudado como podem”, relata o pai emocionado.

Alergia não é brincadeira

O caso do Miguel levou a uma lesão no fígado que poderia ter se agravado. Bardini explica que alergias alimentares são reações do sistema imunológico contra proteínas presentes em alimentos, reconhecidas como “inimigas” do organismo. O especialista alerta que é preciso levar a alergia a sério, pois há risco de morte.

As manifestações podem ocorrer em minutos, horas ou dias após a ingestão do alimento. Além disso, os sintomas variam de acordo com o mecanismo imunológico responsável pela alergia. “Existe a mediada por imunoglobulinas E (IgE) com uma reação imediata (segundos até cerca de 2 horas após a ingestão), podendo acometer a pele, sistema respiratório, gastrintestinais ou sistêmicos”.

O alergista conta que o outro tipo de manifestação, não mediada por IgE, acomete principalmente o trato gastrintestinal (doença do refluxo gastresofágico, diarreia, vômitos, muco e/ou sangue nas fezes), que podem culminar em prejuízos no ganho de peso e estatura. “As reações são tardias, dias ou semanas após a introdução alimentar e geralmente associadas a múltiplos alimentos”, especifica.

Segundo o médico, até o momento não existe cura para alergia alimentar. Da mesma forma, medicamentos não são indicados para evitar ou prevenir reações alérgicas. Para o tratamento é indicado a eliminação total do contato, inalação ou consumo do alimento envolvido. “Alguns pacientes com diagnóstico de alergia alimentar podem desenvolver tolerância ao alimento envolvido”.

Em relação à tolerância, Bardini informa que isso pode ocorrer em crianças que apresentam alergia ao ovo e ao leite de vaca e só deve ser avaliada pelo médico. “Introduzir alimentos aos alérgicos sem avaliação do especialista pode causar reações alérgicas graves”, alerta.

Outra alternativa para tratar a intolerância alimentar é o procedimento chamado dessensibilização. “A dessensibilização a alimentos consiste na oferta de doses ínfimas e crescentes dos alimentos (especialmente leite e ovo) em intervalos regulares, para que se obtenha um condicionamento do organismo a não reagir a determinadas porções dos alimentos que causam alergias”, conclui.

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Paula Câmara Ferreira
Redação Beta

Estudante de Jornalismo. 25 anos. Apaixonada por: animais, livros, música e séries.